segunda-feira, 25 de setembro de 2006


"Meu amigo está morto. Morreu de solidão. Ontem, os que o amavam o repuseram na terra, para que ele volte a nós, como uma flor que não cessa mais de renascer.

A existência para ele havia sido generosa. Dela recebera tudo com que um homem pode sonhar. Mas ele era mais que um homem e trazia em si um sonho que era ao mesmo tempo um desejo e um abismo.

Seu desejo era o amor que o tocava sempre com sua asa, sem nunca pousar em seu coração. E ele percorria o mundo, abandonado a si mesmo, cercado de tantos e tantos estranhos, nenhum dos quais chegava a compreender, muito menos a estancar a sua sede de amor. Peregrino desta imensa terra vazia e enganadora, vivia no deserto criado pelo amor impossível. A travessia dolorosa e exasperante levava-o, no maior segredo, à morte.

Esta não era para ele mais que uma face: a face da solidão inesgotável. Aonde quer que ele fosse, ela o perseguia; o que quer que fizesse, ela o cobria com seu amargor; ela fazia de seus mais belos sonhos, pesadelos monstruosos. Seu coração agitava-se até se quebrar, porque todo amor se tornava malogro. É por isso que seu sorriso tão belo era apenas o véu que ocultava suas lágrimas e a nudez de seu coração. Encerrado no lençol brilhante de sua alma eternamente ferida, ele morreu de ter querido amar e não ter podido amar.

Cansado de sua interminável peregrinação, que ia do vazio ao vazio, ele tocou o limite dessa noite por demais pesada. E quando ela chegou a seu negrume mais denso, ele se encerrou nela, para que nunca mais um sol nascente pudesse reconduzi-lo de volta à dor..."

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ENCLAUSURADOS DO SER-SÓ

“A solidão é uma violência; por isso resistimos constantemente a ela, em uma luta desigual que costumamos perder. Mesmo assim continuamos a lutar. Mesmo enterrados na mais negra solidão, procuramos e esperamos um raio de luz. Mas a solidão é obstinada – tanto quanto o nosso desejo de amor e a nossa esperança no encontro; por vezes a solidão é até mais obstinada.

Enclausurados no ser-só, debatemo-nos para chegar a ser-juntos. Trancafiados que estamos entre as muralhas do isolamento, aspiramos à fuga. Feridos que estamos, queremos sarar a qualquer preço. E em que pese as derrotas que se multiplicam, não renunciamos à vitória que nos haveria de restituir alegria, paz, integridade, plenitude. Quando a nossa alma experimenta um novo cerco e se sente, uma vez mais, ameaçada, não obstante tudo, parte de novo em busca deste outro que viria acabar com a sua tortura indizível.

Mas eis que, pouco a pouco, sobrevém um desgaste da alma, o qual nos reduz do inatingível amor à condição de simples mendigos do amor impossível de se encontrar.”


(CHARBONNEAU, Crônica da Solidão)

Um dos livros mais tristes que eu já li. Mas também um dos mais bonitos.