::: MEU 2006 :::
[Um troço parecido com uma retrospectiva umbigolítica.]
Fim de ano tem seu charme: é um bom momento pra parar tudo, olhar pra trás e meio que fechar pra balanço – ver se o ano deu lucro ou prejuízo, se foi da safra boa ou da podre, se entra na lembrança na sala das felicidades ou das desgraças... Quem sabe, se der, aprender umas lições com as experiências, quem sabe fazer uns planos de melhoras, quem sabe só curtir a viagem nostálgica pelos trilhos da memória, com o prazer de reconstruir tudo, escrevendo... Castelos de palavras erguidos pra cristalizar os momentos efêmeros...
Fim de ano tem seu charme: é um bom momento pra parar tudo, olhar pra trás e meio que fechar pra balanço – ver se o ano deu lucro ou prejuízo, se foi da safra boa ou da podre, se entra na lembrança na sala das felicidades ou das desgraças... Quem sabe, se der, aprender umas lições com as experiências, quem sabe fazer uns planos de melhoras, quem sabe só curtir a viagem nostálgica pelos trilhos da memória, com o prazer de reconstruir tudo, escrevendo... Castelos de palavras erguidos pra cristalizar os momentos efêmeros...
Tá bom: eu já me conheço bem o bastante pra não poder confiar muito nas minhas “firmes resoluções” de fim de ano e naquelas promessas que me faço e nunca cumpro. Eu costumava fazer, todo fim de ano, uma lista mental com tudo o que eu teria que fazer melhor no ano que entrava. Mas a coisa só ficava de pé por muito pouco tempo... Entrava janeiro e os planos iam meio que ficando pra trás, e a vida meio que seguia de onde tinha parado...
Hoje, muda o ano, e pra mim é só isso: parece que nada mudou além de um dígito no calendário, e nada mais. E eu, como não sou supersticioso, num acredito mais que uma mudança de ano faça qualquer milagre, nem nunca senti como se um ano rompesse bruscamente a continuidade com o que acabou de acabar. Não penso na vida como se ela fosse uma centopéia, toda cortadinha em segmentos iguais, do mesmo tamanho, enfileiradas em fila indiana, tudo geométrico, certinho e bem dividido. Pra mim a imagem da vida é muito mais um louco continuum caótico, tipo uma montanha russa que anda sempre pra frente, em direção a novas curvas, novos abismos e novos loopings, sempre imprevisíveis. E eu acho meio bobo pensar que tudo vai melhorar, assim de repente, só porque no dia 31 a gente faz umas figuinhas, solta uns rojões, pula umas sete ondinhas e se convence de que vai ser mais feliz...
Então deixa o futuro pra depois. Acho que vale mais a pena recordar o passado, contar como é que foi, fazer o balanço...
* * * *
2006 foi um ano cheio de coisas novas. Depois de 4 anos morando em Bauru, sempre morando em república, sempre odiando o curso de jornalismo, eu estava de volta à cidade grande – e não sabia se ia gostar. Foi meu primeiro ano como verdadeiro paulistano – a primeira Mostra de Cinema que acompanhei de perto, os primeiros rolês por uma pá de “points” paulistas, a primeira visita à lendária Galeria do Rock (camisetas do Clash e do Ramones compradas com muito gosto!), minhas primeiras experiências com o Teatro Oficina... Sampa tem uma vida cultural e baladeira fervilhante, que eu só estou começando a descobrir, e que basta pra me fazer achar legal morar aqui, com mesmo com trânsito, poluição e PCC.
2006 começou muito mal, é verdade. Principalmente porque meu 2005 tinha acabado de modo trágico: eu tava no fundo do poço depois que meu TCC foi reprovado e todos meus planos pareciam ter ido por água abaixo... Todos os meus colegas estavam se formando, alegres e saltitantes, partindo para novas fases na vida e novas aventuras, e eu meio que fiquei pra trás, comendo poeira – e me sentindo pisado, humilhado, um pedacinho de lixo. Acho que nunca tive uma crise de auto-estima tão brutal quanto naquele tempo. E acho que nunca antes tinha sentido uma raiva tão mortal daquela faculdade maldita e de quase todos os professores. Entrei em 2006 de cabeça baixa, com o pé esquerdo, amaldiçoando a vida e quase fazendo planos de suicídio. Demorei pra me reerguer. E a cicatriz na alma vai ficar pra sempre.
Eu me lembro: passei boa parte do fim de 2005 meio angustiado, atormentado com o futuro, pensando que eu nunca mais iria viver anos tão bons quanto tinham sido aqueles em Bauru... de 2006 em diante começaria uma vida um pouco mais chata e um pouco mais dura: eu ‘taria de volta à cidade grande, na batalha por um emprego, longe dos amigos (uns que ficavam pelo interior, outros que se dispersavam por aí...), e tava com medo de que as coisas pudessem não se ajeitar tão bem. E eu meio que tomei a decisão, lá pelo meio do meu quarto ano como aluno de jornalismo na Unesp: quero continuar sendo um universitário! Meus 4 primeiros anos como universitário, morando no interior, longe dos pais, foram sim trimmassa, talvez os melhores da minha vida, ricos em experiências e lições - mas acho que me deixaram com gostinho de quero mais... E eu não achava que eu tinha aproveitado aqueles meus anos tão bem quanto deveria – então por que não mais quatro?
As coisas que eu mais tinha desejado pro meu 2006 eu consegui conquistar: passei em Filosofia na FUVEST e consegui me matricular na USP, mesmo estando ainda com pendências na UNESP; consegui sobreviver ao primeiro ano, apesar das crises, e até rolou fácil me adaptar bem à Sampa, e fazer alguns bons amigos, e achar um lugarzinho bacana pra morar, me livrando de ter que voltar a morar em família – uma das coisas que eu menos queria. Consegui pra mim mais ou menos a vida que eu queria. Falta muito, claro – pra começar: um trampinho, um pouco mais de independência financeira - mas a coisa não está má...
Continuo funcionário da VASP (Vagabundos Autônomos Sustentados pelos Pais) e vivendo somente dos empréstimos pedidos ao FMP (Fundo Monetário Parental) - uma das maiores dívidas externas que um filho já contraiu! Mas o bom de ser vagabundo e ainda viver de mesada é que não perco tempo com trampo e acabo tendo toneladas de tempo livre pr’eu fazer o que eu quero fazer – e em 2006 vi mais filmes e ouvi mais música do que em qualquer outro ano da minha vida.
2006 foi o ano em que eu mais vezes vi o dia amanhecer. Na maioria das vezes, estava chapado o bastante para, ao erguer do Sol, abrir um sorriso, abrir os braços e entrar no coro de bebuns: “milááááágre!”
Vi mais shows em 2006 do que em qualquer outro ano da minha vida – e cada vez mais acho que shows são uma das melhores coisas da vida, disparado. Mesmo quando eu estava meio deprê, meio down, com a mente pesada, tudo meio que desaparecia quando aquele som estupidamente alto despencava sobre mim, e a multidão começava a pular, e eu junto com ela, naquele amasso delicioso, naquele calor de derreter, no meio daquela grande suruba coletiva de lavar a alma... Ah, “o poder trans-humano da multidão”, como diz um dos slogan do Oficina! Pulei como um imbecil no Franz Ferdinand e no Hot Hot Heat. E me empolguei feito criança quando o Supergrass começou a tocar ROCK de verdade no Campari. E dancei feito clubber no Soulwax (já tri-bêbado e sendo sustentado pelo cara atrás de mim, algumas vezes, pra num despencar no chão!). E estive frente a frente com bandas fodíssimas das antigas – o Echo and the Bunnymen, o New Order, o Gang Of Four. E vi mais dois shows dos Los Hermanos, apaixonei de vez...
Quanto à nova república / pensão, o esquema é bem diferente de como era na inesquecível Buçalouca, em Bauru, onde eu morei todos os meus quatro anos de unespiano – primeiro numa casa da Benjamin Constant, depois ali na Duque. Em Sampa não rola muito aquele esquema foda: 6 ou 7 caras dividindo um casarão e pagando uns 100 paus de aluguel cada um, podendo fazer o que bem entender com a casa, inclusive transformá-la às vezes num chiqueiro, num puteiro ou numa boate. Em Bauru eu morava numa república estudantil de verdade, caótica, anárquica e bagunçada como tem que ser. Grande parte dos azulejos da cozinha e do banheiro estavam pixados – e vocês imaginam o nível do material... Os tradicionais gritos primais ecoavam pela casa, junto com as risadas, o barulho da TV e os tacos batendo nas bolas de sicuna... a louça acumulava na pia, e a sujeira pela casa sem faxineira, e os rangos eram sempre ultra-toscos, e a maconha ficava ali, dando às vistas de qualquer um, de vez em quando guardada no freezer, ao lado dos hamburgeres e dos steaks de frango...
Em 2006, perdi a vida em república, uma das coisas que mais me dá saudade de Bauru, mas pelo menos me esforcei pra conseguir algo minimamente parecido. Minha nova casa é mais “seriona”, mais “profissional”, a ponto de ser chamada de “pensão” ao invés de república. É um sobradão com 12 quartos individuais, todos apertados feito cela de prisão ou lata de sardinha. Eu tenho o privilégio de ter um dos únicos QUARTOS TRIANGULARES existentes no planeta Terra. Nessa pensão a maioria dos moradores é de USPianos, mas tem muita gente que nem dá muito as caras na casa – chegam à noite pra dormir, saem de manhã cedinho, e a gente nem vê direito. São o que a gente chama de “coadjuvantes”. A rotatividade também é grande: muita gente chega, fica umas semanas e vaza – tipo hotel.
Mas deu pra fazer amizades muito boas com umas 2 ou 3 pessoas da casa, que hoje são muito queridas: um certo japonês sociólogo que toca numa banda de pós-folk, curte Sergio Leone, bebe mais do que deveria e fica discutindo Nietzsche na cozinha com esse que vos fala, enquanto o macarrão não fica pronto; uma certa estudante de música, pianista de primeira, com Ouvido Absoluto e tudo, super gente boa, mas que acha um lixo todas as bandas que eu ouço :P; um certo cozinheiro (ok, ok: gastrônomo!) de Ourinhos que tá tentando virar estrela de tevê em programas culinários, e mais um povo aí...
(Detalhe bizarro: nossa casa fica no quarteirão dum buffet infantil chamado Fábrica da Alegria e em dia de festa nossa casa inteira, sem que um único cômodo seja poupado, fica inundada com a trilha sonora que embala as festividades... E vocês imaginam que a gente já tá ficando louco de tanto ouvir, às onze e meia da noite, belezuras como “lua de cristal, que me faz sonhar...” ou “Parabéns! Parabéns! Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!”, dentre outros sucessos xuxianos. A Fábrica da Alegria fabrica tanto ódio em nós moradores da pobre pensão da Dona Juju que estamos vendo de, ano que vem, fazer um atentado a dinamite. Alguém aí promete que me visita na cadeia?)
Em 2006, comecei o curso de filosofia da USP. E querem saber? A verdade pura e simples é que eu tô achando o curso um porre. Dá pra aguentar, dá pra levar, mas sim, é um porre. Mas, graças a deus, 4 anos de Unesp já me deixaram preparado para enfrentar aulas chatas e professores escrotos... A Unesp já tinha matado em mim qualquer esperança de que uma universidade podia me ensinar “coisas importantes” - então aconteceu o esperado. Tô no mesmo esquema que eu tava no curso de jornalismo, quando consegui a proeza de ser, sem dúvida alguma, o pior aluno da minha sala (e talvez só me forme em 2007!). Na USP, continuo levando tudo nas coxas, totalmente desencanado, faltando como adoidado e não prestando atenção em quase nada. Curiosidade: uns 90% desse blog é escrito durante as aulas! :P
Muitas vezes, vou pra aula mais pra assinar a lista no começo da aula, bater papo com os colegas e depois me mandar. Ser aluno do noturno piora ainda mais as coisas: eu não tenho muito saco pra ficar até as 11horas na faculdade. Eu contei: em todo o semestre lá das “Regras Para a Direção do Espírito” do Descartes (um porre), eu cheguei ao final de UMA aula; o mesmo vale para o semestre da “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” do Kant – UMA aula aguentada até o fim, também; mas o meu recorde mesmo foi com o Montesquieu – não cheguei ao final de NENHUMA aula! Tenho mó orgulho disso. E tenho duas desculpas muito boas: a primeira, claro, é que Monstesquieu é um mala e todas as pessoas que faziam seminários sobre Montesquieu não conseguiam fazer com que ele não fosse um mala; e a segunda é que a aula era de quinta-feira, dia da cervejada semanal no porão da Sociais e da festinha semanal na ECA. Cês acham que a gente ficaria na aula?
Depois que instalaram a mesa de pingue-pongue e de sinuca ali no porão do nosso prédio, aí que fodeu de vez! Eu e o Diogo fugíamos de QUASE TODAS as aulas pra tirar uns duelos sangrentos e ultra-disputados ali no salão de jogos, muitas vezes com a companhia duns malucos aí de Sociais, cuja única contribuição ao jogo era fazer uma névoa de maconha ficar flutuando no ambiente... Ê FFLCH, mon amour! :)
A única coisa que valeu a pena, de verdade, nisso de ter entrado na USP, foi ter conhecido certas pessoas e ter feito certas amizades muito foda. Curto de verdade a turminha da sala com quem eu me dei bem - Didi, Diogo, Cauê, Rodrigo, Débora, Eduardo, monte de gente... um povo muito firmeza, que topa até subir ladeiras de marcha ré, de madrugada, quase fundindo o motor do carro, papear sobre cinema trash e clássicos do terror, ficar a carona inteira pro ABC filosofando sobre qualquer coisa ou falando sobre rock, xingando os filósofos chatões que temos que ler, botando apelido, chamando de nojentos... :P
Em 2006 tentei começar uma banda com uns amigos e colegas de classe – mas éramos três guitarristas, o que é demais pra quem não quer fazer Iron Maiden cover. Eu e o Didi até levamos o lance longe – criamos uma setlist bem legal, com Arcade Fire e tudo, e fizemos uma sonzeira por vários fins-de-semana. O povo aqui em Santo André teve que aguentar a barulheira, mas nem reclamaram. Távamos bem ensaiadinhos, até. Agitamos uns lances aí no Orkut, ensaiamos com uns moleques aí, de 17 anos, mas a banda meio que se dissolveu... Ele, Didi, teve que se mandar pros EUA, pra ficar lá no maior no bem-bom, e os outros caras meio que desencanaram – já tinham outras bandas rolando ao mesmo tempo e tinham que estudar pro vestibular, não podendo “perder tempo” com essa coisa boba que é ter banda. Bah! Não tinham o espírito rock and roll. Em 2007 eu vou tentar agitar outra. Vamos ver no que dá...
Em 2006 eu me apaixonei. Tinha tudo pra dar errado. E, é claro que, como é da minha vida que estamos falando, eu que nunca fui assim muito de ganhar, o mais provável é que fosse mesmo dar errado. E o que eu posso dizer é que, como esperado, não deu muito certo. Ela já tinha namorado, e morava longe de mim, e a gente só se via de vez em quando: um cineminha aqui, um showzinho acolá... rápidos encontros seguidos de longas separações, com os contatos feitos mais por scraps, e-mails e papos de MSN. Mas esses rápidos encontros sempre me deixavam o gostinho de quero mais... A gente se encontrava, e era sempre a mesma história: aquilo colocava lenha na minha fogueira e botava pra funcionar minha máquina de sonhos...
Uma amiga minha me disse esses dias uma frase genial: “Suspeito de um grau de parentesco próximo entreMurphy e o Cupido. Ou ao menos algum tipo de sociedade escusa...”. Casquei o bico, mas a piada não era só piada - tinha um fundo de verdade, como todos nós, perdedores, sabemos. Pois é... Talvez o próprio Murphy, essa divindade de vários rostos, tenha vários empregos, inclusive o de Cupido – e é ele, Murphy, que sai por aí disparando suas setas e semeando amores impossíveis, que sempre vão acabar dando em heartbreak...
Mas é tolice culpar tudo no Murphy. Por que a culpa não é minha por ter escolhido fazer o mais difícil? Por que é que eu fui me meter a me apaixonar por quem já tinha namorado? Era pedir pra me machucar... Era me meter em enrascada, na certa. Mas ia fazer o quê? Dessas coisas a gente não tem controle. Seria bom se coração tivesse interruptor – um toque de dedos e ele desligava, assim que começasse a sentir algo “inadequado”... Seria bom se coração fosse feito boca de fogão: daria pra regular a intensidade da chama, extingui-la ou exaltá-la com um mero girar de botão... Mas não. Coração é bicho selvagem.
Então lá fui eu, vítima de mim mesmo e do meu coração imbecil, e me meti a me apaixonar por uma menina comprometida, e ainda mais arriscando estragar umas das minhas melhores amizades. Porque ela era uma amiga, muito querida, das mais especiais que eu já fiz, mesmo que ela nunca tenha me considerado tão importante na vida dela quanto eu considerava na minha...
Por que aconteceu? Sei lá eu! Tem explicação? Talvez tenha acontecido simplesmente porque eu tava meio carente, sem energia, fraquejando, querendo pegar um pouco de força emprestada. Ou talvez eu seja meio como o Joel, do Brilho Eterno, que se perguntava: “mas por que diabos eu sempre me apaixonado por qualquer garota que me dá o mínimo de atenção?” Talvez foi a nossa troca de confidências, nossas longas cartas, lotadas de confissões, o que me deu a sensação de ter encontrado alguém que me conhecia, alguém me entendia de verdade, alguém que seria capaz de gostar de mim, do jeito que eu sou, sem tirar nem pôr – o que talvez tenha sido uma grande ilusão. Talvez fosse natural que a nossa amizade fosse se tornando algo mais – pelo menos em mim, acho que foi crescendo a idéia de como seria maravilhoso poder namorar minha melhor amiga... Talvez foi porque eu acreditei que ela ia me fazer imensamente feliz, e injetar litros de alegria na minha vida, direto na veia, e tudo voltaria a ser divertido, leve, gostoso - a vida teria de novo aquele saboroso sabor de infância... Ou talvez tenha sido tudo culpa daqueles olhinhos azuis que eu tinha até medo de encarar, pra não ficar enfeitiçado...
Talvez não exista porquê. Talvez não importe. Aconteceu porque aconteceu. Porque era ela, porque era eu...
Em 2006 sonhei até ficar bêbado de tanta fantasia. Me lembrei de como eu sou bestalhão com meu romantismo totalmente fora-de-moda e meu sentimentalismo totalmente piegas. Eu sou um romanticuzão de dar dó.
Vivi todos os transes... vivi aqueles dias em que ela parecia não sair da minha cabeça um único segundo. E aqueles dias tristes, quando eu ensopava o meu travesseiro pensando que ela nunca iria me querer, que a gente nunca ficaria junto, e que eu estava sendo ridículo de supor que era sequer possível... E aqueles dias bons, quando eu sonhava finais felizes e um grande caso de amor correspondido, e depois ficava pensando nos jeitos disso virar verdade... E aqueles dias de indecisão cruel que eu perdia perguntando: e aí, me declaro ou não? Conto pra ela tudo que eu tô sentindo ou continuo fingindo que somos só amiguinhos?
Em 2006 escrevi minhas primeiras cartas de amor: enormes, piegas, sentimentalóides, dramáticas, exageradas, com frases de novela mexicana e tudo... É incrível como uma paixão nos torna completamente ridículos. Brinquei sobre a sinceridade e arrisquei dizer tudo quanto fosse natural... Acho que eu tô tão pouco acostumado a falar sobre mim pras pessoas, a realmente desabafar tudo que eu tô sentindo, que quando a coisa acontece sai uma enxurrada... Sabe aquela pessoa que fica guardando tudo pra si, por anos e anos, até que chega uma hora que explode a rolha e sai um jorro de sentimentos lá do fundo da alma? Acho que foi mais ou menos esse o caso aqui – eu transbordei pra cima dela... e deve ter sido algo meio desagradável.
Foi uma chuva de confissões pra cima da pobrezinha. Um temporal. Com granizo, neve e ventania. E eu acho que devo ter exagerado na dose. Acho que nunca abri meu coração tanto assim com uma pessoa. Nunca tinha deixado alguém me conhecer desse jeito... E hoje não sei responder se valeu a pena. Talvez tenha sido ridículo da minha parte falar pra ela um monte de coisa que ela nem estava interessada em ouvir. Talvez seja bobagem minha isso de ficar me preocupando em ser sempre verdadeiro, até o fim. Talvez eu devesse ter me contido mais, me escondido mais, me calado mais, feito mais mistério. Talvez eu devesse ter aprendido a fazer propaganda de mim mesmo: esconder meus defeitos, a varrer pra baixo do tapete tudo o que tenho de ruim, pra depois vestir uma máscara atraente e sedutora, pra depois tentar convencê-la de que sou um baita dum cara... Mas não sei fazer isso. Não manjo nada de sedução. Não sei convencer ninguém de que eu sou um baita dum cara e que eu valho a pena. Nem a mim mesmo eu consegui convencer dessas coisas. Acho que a única coisa que eu sabia fazer era o que fiz: simplesmente dizer o que tava rolando. Tudo. Preferi abrir as comportas do coração e deixar tudo sair: fel e mel, paixão e medo, amor e mágoa... Em nome da sinceridade. Preferi contar pra ela tudo, absolutamente tudo o que estava rolando dentro de mim, ao invés de fazer joguinhos de mistério e de esconde-esconde... Não sei se fiz certo.
Acabei 2006 sozinho, claro. Ganhei pra minha enorme coleção mais um caso de amor não correspondido. Provavelmente perdi uma amiga, e uma das mais preciosas. Ficou só uma ferida, e um monte de sonhos que nunca se concretizaram, e esse desejo impotente, que agora eu tenho que arranjar um jeito de abandonar... Ficou também um pouco de mágoa, um monte de dúvidas melancólicas... Será que eu sou uma daquelas pessoas que é simplesmente impossível de amar? Que diabos eu preciso fazer pra conseguir me tornar especial pra alguém? Como é que pode eu ser tão pouco na vida de uma pessoa que, na minha vida, foi enorme, quase tudo? Quando eu digo “eu te amo” pra alguém, é isso que acontece: ela me vira as costas e sai correndo?
Oh well...
Sei que, ainda hoje, não consigo ouvir coisas como “Oh Well” da Fiona Apple nem “Pois É”, do Los Hermanos, sem que meus olhos fiquem molhados...
Em 2006 devo ter chorado mais do que em qualquer outro ano da minha vida. E isso não quer dizer que ele tenha sido o ano mais triste. Acho até que foi um dos mais felizes. Não vejo nenhum absurdo em dizer isso. Eu não acho que seja incompatível ser feliz e ser chorão, ser feliz e ser um romantico perdedor nesse meu estilo... Gosto de ser uma pessoa capaz de chorar. Existe alguma coisa mais horrível do que uma pessoa tão morta por dentro que nunca é capaz de derramar uma só lágrima? Lágrima é vida. É um testemunho de uma vida que pulsa, sensível, receptiva, reativa, aberta à experiência do mundo...
2006 acaba e eu ainda não sei responder à velha questão: “quem sou eu?” Pelo menos sei o que eu não sou e o que eu não quero ser – e isso já é alguma coisa.
2006 acaba e ainda não descobri qual o sentido da vida. Mas nem sei se é tão importante assim saber – se é que há algo pra saber. Pode ser que a doidinha não tenha mesmo sentido algum, mas mesmo assim ando achando que, apesar dos pesares, vale a pena ser vivida. E, aliás, nem temos muita escolha. Nascemos. Estamos aqui. Fazer o quê, né?! Vamos viver...
E 2007? Vai ser como? Entro nele otimista ou pessimista? Sei lá... Só sei que não quero grandes esperanças, que só vão me trazer grandes decepções... Não quero ficar imaginando que o futuro distante virá me trazer tudo o que eu desejo, o que é sempre ilusão. Ando preferindo viver dia a dia, sempre com os pés plantados num hoje, e sempre num novo hoje, que chega a cada amanhã, nunca faltando ao encontro... Ando preferindo viver um dia depois do outro, fazendo o melhor que dá pra fazer com esse dia, e meio que deixando o amanhã pra amanhã, e ir assim construindo o futuro, ao invés de aguardar que ele se faça sozinho...
Em 2007 vou ver se vivo os hojes conforme eles vêm. E a luta continua...
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