quinta-feira, 15 de junho de 2006

COMENTÁRIOS JOGADOS SOBRE...


Num resisti e aderi ao hype. ‘Cabei de ver a primeira temporada do Lost, um dos mais comentados seriados de TV dos últimos anos, e confesso que tô ficando viciado nesse troço. J.J. Abrams e sua turma são mesmo mestres em ficar criando suspenses que não se resolvem, manipulando nossos sentimentos (ui!) e nos fazendo sempre ir atrás do novo episódio como ovelhinhas amestradas... Até agora, finda a 1ª temporada, pouca coisa se elucidou e os mistérios só se empilharam. Eu, que nunca fui de ver novelinha (que é coisa de mariquinha :-)), e que faz tempo q num curtia um seriado americano (que é coisa da invasão imperialista :-)), tô até surpreso com esse meu grau de expectativa - ridiculamente alto. Tinha até esquecido desse gostinho quase infantil de “quero saber o que vai acontecer...”.

Lembro de ter achado curioso, antes de começar a ver Lost, que se pudesse fazer durar por tanto tempo e tantos episódios uma série sobre náufragos numa ilha deserta – e eu tinha medo que Lost seria algo cheio de encheções de lingüiça, narrações vagarosas e suspenses toscos. Que nada. Praticamente não existem momentos de tédio nessa série que realmente merece o adjetivo eletrizante. Os constantes flashbacks vão sempre direto aos fatos mais fundamentais da vida pregressa dos personagens, sem enrolação; os novos acontecimentos e descobertas sempre vão se empilhando a cada novo episódio; e o foco central vai mudando constantemente, de modo que a gente não canse tanto dos atores quanto em outros seriados que se focam muito em poucas caras (eu lembro que chegou uma hora, quando eu ainda era fã de Arquivo X, que eu não aguentava mais olhar pra cara de sonsos da Scully e do Mulder, por exemplo).

Desde o início pareceu claro que Lost não iria ser somente uma série sobre sobreviventes de um desastre aéreo perdidos numa ilha deserta que iriam lutar pela sobrevivência numa aventura em estritos tons realistas, mas que a ilha em si se tornaria o personagem principal do lance todo e uma fonte permanente de mistérios e esquisitices. As bizarrices que abundam desde o começo – ursos polares, almas penadas, barcos naufragados no meio da selva, árvores que explodem sozinhas, curas mágicas... – nos deixam de sobreaviso que há algo de estranho e sobrenatural naquela ilha.

À medida que vamos prosseguindo, a ilha vai parecendo mais e mais uma criatura viva: é como se os sobreviventes do desastre tivessem pousado no corpo de um dinossauro pré-histórico que começa a rugir e roncar o estômago. E, claro, a gente logo vê ela não era tão deserta quanto parecia à medida que começam a surgir sinais de presença humana anterior: o aviãozinho dos traficantes nigerianos, a escotilha que envia para o misterioso mundo subterrâneo, a náufraga francesa que ali viveu por 16 anos...

Vai ficando cada vez mais claro, também, que o Lost não tá muito interessado em manter o clima de verossimilhança e vai se abandonando mais e mais a um misticismo quase deslavado: vários indícios nos vão sendo dados de que a ilha é capaz de cometer atos milagrosos e conscientes. No fundo, parece que vai se rascunhando uma história que vai nos dizer que todos estão ali por uma razão maior, trazidos magneticamente para aquele lugar pela força do Destino, por algum motivo ainda obscuro e que provavelmente vai ser escondido do público até os últimos capítulos. Estão sendo punidos por seus crimes do passado? Está sendo dada a cada um deles uma nova chance, uma nova vida? Alguma revelação existencial bombástica lhes será feita? A ilha é tipo um Playground de Deus onde os náufragos estão sendo usados como marionetes duma brincadeira divina?

Tudo isso me deixa com uma certa impressão de que há um certo shyamalismo por trás de tudo: Lost poderia muito bem ter sido uma criação do M. Night Shyamalan, o diretor de O Sexto Sentido, Corpo Fechado e A Vila, cara que é mestre nessa mistura muito bem dosada de um suspense hitchcokesco, um envolvente clima de misticismo e um certo dramalhão bem construído em cima das relações humanas. Também há gente que comenta que Lost deve muito ao trabalho do Michael Crichton, aquele romancista americano best-seller criador dos livros Jurassic Park, nos quais também vigora esse lance de pobres humanos tentando sobreviver numa espaço natural restrito e cheio de perigos desconhecidos.

O acidente de avião também é um bom pretexto para colocar em interação personagens de diversas procedências, nacionalidades e etnias, o que faz de Lost um lance meio Painel Multi-cultural, tudo-a-ver com esses nossos tempos de globalização. Claro que talvez tudo não tenha passado de uma bem pensada jogada de marketing da ABC pra ter mais chances no mercado internacional.

Lost é uma série irredutível a um “gênero” - no fundo eles estão atirando pra todo lado e apelando pra diversos públicos. É quase uma série que contêm outras séries: é ao mesmo tempo um Aventuras na Selva, um Mistérios do Além, uma Luta Pela Sobrevivência em Condições Adversas, um Histórias Edificantes de Companheirismo Nesse Momento Difícil, um Destinos Humanos Interconectados, um Historinhas de Amor Que Demoram Pra Engatar etc. etc. etc. Sem falar que tudo está envolto num sombrio clima de mistério não muito distante daquele dum Arquivo X, por exemplo, e sem falar que há algo que lembra os muito bem-sucedidos seriados de salvamentos médicos tipo E.R. através dos heroísmos de Jack. E agora provavelmente Lost vai se tornar também um Aventuras Subterrâneas qdo nossos heróis descerem aquele túnel tenebroso. Tô cum mó médão. =)

E eu que pensava que já era maduro o suficiente (era o quêê?! Maduro? Não me faça rir!) pra resistir às estratégias desses americanos canalhas que me querem como audiência de seus seriadinhos alienantes. Mas num teve jeito e Lost me capturou; agora tenho que ir até o fim descobrir que diabos tá acontecendo nessa ilha. They got me in a hook. Damn it!