“Às vezes o cheiro de um sabonete (ou qualquer outra substância doméstica) traz, de repente, uma recordação desde há muito esquecida, vinda da infância. E é quando me ponho a imaginar quantas OUTRAS recordações se acham ocultas em mim, nos recantos de meu próprio cérebro; na verdade, o meu cérebro parecerá ser a última e grande TERRA INCOGNITA, e eu me encho de espanto, diante da perspectiva de, algum dia, descobrir mundos novos por lá. Imaginemos o continente perdido da Atlântida e todas as ilhas submersas da infância, bem ali, esperando serem achadas. O espaço interno que nunca exploramos adequadamente. Os mundos dentro de mundos dentro de mundos. E o maravilhoso é que estão à nossa espera. Se deixamos de descobri-los, é apenas porque ainda não construímos o veículo certo – espaçonave, submarino ou poema – que nos levará até eles.
É por esse motivo, em parte, que escrevo. Como posso saber o que penso, a menos que veja o que escrevo? Minha escrita é o submarino, ou espaçonave, que me leva aos mundos desconhecidos dentro de minha cabeça. E a aventura é infinita, inexaurível. Se eu aprender a construir o veículo certo, poderei descobrir ainda mais territórios. E cada poema novo é um veículo novo, destinado a mergulhar um pouco mais fundo (ou voar um pouco mais alto) do que o anterior.”
É por esse motivo, em parte, que escrevo. Como posso saber o que penso, a menos que veja o que escrevo? Minha escrita é o submarino, ou espaçonave, que me leva aos mundos desconhecidos dentro de minha cabeça. E a aventura é infinita, inexaurível. Se eu aprender a construir o veículo certo, poderei descobrir ainda mais territórios. E cada poema novo é um veículo novo, destinado a mergulhar um pouco mais fundo (ou voar um pouco mais alto) do que o anterior.”
ERICA JONG
Ultimamente eu tenho me dedicado a explorar essa "Atlântida interior" de que fala a Erica Jong (como escreve essa mulher!): todas as "ilhas submersas" do reino imenso da memória... É uma jornada fascinante. E alegre, também, porque parece muito mais fácil olhar com o humor (e até um certo sarcasmo) para pessoas que você foi no passado distante do que para a pessoa que é agora. Só daqui alguns anos é que eu vou conseguir notar o quanto esse "eu" que estou sendo agora era ridículo e tolo... ;) Resolvi tentar escrever narrações mais longas, detalhadas e minuciosas sobre a minha infância e adolescência, agora que já sou, pelo menos nos registros oficiais, um adulto (apesar de frequentemente me sentir com a idade mental de um pirralho). E eu sei que é clichê e que muitos já disseram isso antes, mas eu fico boquiaberto de notar a quantidade de material que fica estocada em nosso cérebro (essa que é provavelmente a máquina mais fascinante de todo o universo), só aguardando resgate. E é incrível o quanto uma memória "puxa" outra, numa associação de idéias que parece não ter fim, até que, no final, você acaba perdendo horas e horas de sono viajando no parque de diversões da lembrança... O Proust, no começo do Em Busca do Tempo Perdido, come um mísero bolinho na hora do chá e o gosto do negócio faz com que ele desperte de sua aparente amnésia e sinta renascer todo o passado em Combray. Todo um mundo em ruínas, aparentemente esquecido, ressurgindo das cinzas por causa de um mero gosto familiar na língua... Quando eu li isso pela primeira vez, lembrei na hora dos bolinhos de chuva envoltos em açúcar e canela, saindo quentinhos do óleo, que minha avó Enid fazia de vez em quando, na chácara, mesmo em dias de Sol, para acompanhar nossos longos jogos de buraco - e um bolinho de chuva trazia para mim todo um mundo de volta... Enquanto eu vou trabalhando nos contos mais sérios e ambiciosos que estou tentando compor, vou compartilhar algumas memórias bem mais bestalhonas e tontas que eu consegui desencavar da minha toca e cristalizar em palavras. São bobagens, claro, mas e daí? Quem foi que disse que a gente só registra coisas "importantes"? A minha memória, ao menos, está entulhada de futilidades. Descrever essas memórias tolas é um pouco ridículo? Claro que sim! Mas eu me importo cada vez menos, e me esforço cada vez mais por não me importar. Concordo pelanemente com o que diz o Nelson Rodrigues, numa das frases mais geniais que eu li em muitos tempo: "Vivo a dizer que considero o ridículo uma das minhas dimensões mais válidas. O medo do ridículo gera as piores doenças psicológicas." Voilà, pois...
um pequeno inventário das minhas nostalgias (parte 1)!!!:



GTA – Outro dos games inesquecíveis. Grand Theft Auto é perfeito para mentes perturbadas, perversas e sórdidas. Eu nunca antes tinha conhecido um jogo que nos desse tanta liberdade para realizar os atos mais nojentos, sangrentos e gratuitos: cê podia (e devia!) roubar carros, bater à toda velô em outros veículos, abrir fogo com metralhadora contra os pedestres, atropelar velhinhas inocentes sentadas no banquinho da praça, plantar bombas em lugares os mais estapafúridos – e nem era proibido o genocídio de policiais! Demais! Claro que eu já tinha jogado outros games sangrentos, como aqueles em primeira pessoa que você só via a sua arminha e tinha que matar tudo que surgisse na sua frente (eu sou do tempo do Doom, manjam? Counter Strike já é moderninho demais pro meu gosto...), mas nunca tinha encontrado nada tão perfeitamente satânico quanto a primeira versão do GTA. Eu me apaixonei pelo GTA mais do que por qualquer outra coisa diabólica que eu conheci: mais que Iron Maiden, Metallica, Motorhead, Slayer, Contos da Cripta, Freddy Kruger, Pânico de Wes Craven (curtia tudo – mas GTA superava). O jogo era uma verdadeira Disneilândia da Violência. Se Quentin Tarantino tivesse criado um jogo, provavelmente teria inventado Grand Theft Auto. Minha amiga Aline, dia desses, descreveu com perfeição o charme irresistível do jogo e todo o potencial psicoterapêutico daquele treco: “Assim, com tanta raiva no coração, eu tenho que descontar em algo, e GTA é lindo! Jogo só pela maldade e um dia fiquei muito feliz que eu achei uma comunidade no orkut com gente que também compartilha da minha opinião: o jogo é realmente só pela maldade, com maldade e pela maldade (adorei esse estandarte!), porque o mais legal é realmente o do gráfico tosco, cheio de pixel, muito quadrado, sangrento, sanguinário, sórdido, baixo, lindo!” Lembra quando, na tua infância, naquelas horas em que você ficava enraivecido, a sua mãe recomendava que você desse uns murros num travesseiro ou comprasse um saco de pancadas de boxista? Pois GTA serve à mesma nobre finalidade, mas num grau muito superior: serve pra gente descarregar nossas iras represadas e nossos instintos anti-sociais sem ter medo de ir pra cadeia. GTA era um paraíso para que a gente fosse diabólico à vontade e o quanto quisesse. Eu nunca joguei as versões mais recentes. Gosto mesmo do original. Pode ser mais tosco, mas (ou: por isso mesmo!) é mais legal. A coisa que mais me enchia de alegre euforia era um bagulho chamado KILL FRENZY, que era tipo um brinde que o jogo te dava: um baita duma metralhadora giratória cospe-balas para matar, rapidinho, um monte de palhaços que corriam em linha indiana. Se você conseguisse não deixar nenhum sobrevivente, seus pontos explodiam. Depois descobri um excelente esquema para fazer os pontos se multiplicarem: era só roubar muitos carros, estacionar um ao lado do outro, bem coladinhos, e meter bala em qualquer um deles até que explodisse. Aí, por efeito dominó, o carro do lado explodia, que explodia o carro colado a ele, e assim por diante, num imenso pandemônio incendiário. Era um orgasmo. Pois eu também assino embaixo do estandarte: GTA, eu só jogo pela maldade! [risada diabólica]

TELEFÉRICOS - Já fui a Playcenters e Hopi-Haris, já embarquei em rodas-gigantes e carrosséis, já despenquei de elevadores em queda-livre, já enfrentei montanhas-russas cheias de loopings, já engoli meu cagaço para entrar em túneis-fantasma e casas mal-assombradas, mas nada chega perto da minha nostalgia por teleféricos. Na minha vida, dois teleféricos marcaram: o da Cidade das Crianças, em São Bernardo, onde eu era levado frequentemente quando era bem criança, muitas vezes passeando sentado nos ombros do meu pai, e o (clássico) de Campos do Jordão, que subia uma montanha. Minha mãe, que sempre teve medo de altura, ficava horrorizada com aquele brinquedo – e eu sentia mais vontade ainda de ir ao notar que ela era tão covardona. Sentia vontade de ser valente e mostrar que eu não tinha frescura não e que ia sem tremer naquela cadeirinha suspensa por um fio, que viajava por aí. No começo, claro, eu ia no colo do meu pai, se me lembro bem, todo agarrado a ele, de medo difícil de disfarçar. Depois de uns anos, ficando mais crescidinho, ganhei permissão de ir sozinho. Que clímax na minha vida o momento em que eu pude finalmente me sentar sozinho num teleférico e ir-me embora, tremendo feito epilético, sentado todo tremendo na minha cadeirinha alada, mas deliciado. Já o embarque era um frisson: você não ia lá e simplesmente se sentava na cadeirinha, tranquilamente - a bichinha vinha correndo e você tinha que ficar de pé no X para ser meio que "colhido" ou "ceifado" por ela. E aí decolava... Eu era fissurado naquilo - as pessoas lá em baixo progressivamente se transfomando em mini-criaturas parecidas com formigas... o silêncio que vigorava lá em cima, como se eu estivesse vendo o planeta do espaço... E o medo de que algo desse errado e eu estivesse perto dos últimos momentos da minha tão breve existência. Imaginava mil possibilidades de catástrofe: e se de repente desse um beclaute na cidade ou no parque de diversões e minha cadeirinha ficasse parada lá em cima? O desespero que num ia dar! Iam me resgatar de guindaste? Ou iam instalar uma rede de circo lá em baixo para que eu me jogasse lá de cima? E se desse alguma treta e o fio que sustentava todos os assentos fosse cortado em qualquer lugar de sua longa extensão, num ia ser uma baita duma tragédia em massa? E se eu, sozinho, despencasse lá de cima, escorregando por debaixo da barra de segurança, indo sujar de sangue o pobre solo do parque, meus ossos transformados em mingau? Por isso o grande barato do passeio nem era tanto a possibilidade dum passeio turístico todo feito com uma visão panorâmica ótima da paisagem, mas enfrentar o medo de altura e de morte: chegar vivo no outro lado era o grande prazer e o maior alívio. Hoje em dia, claro, acho que não veria graça nenhuma num passeio de teleférico. Qualquer dia tento um bungee jump.
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