terça-feira, 21 de agosto de 2007

:: QUERIDO DIÁRIO: meu níver ::


QUERIDO DIÁRIO,

Acho que já te contei, mas não custa repetir: faz tempo que fujo de aniversários como os vampiros fogem do alho - especialmente dos meus aniversários e daqueles que não envolvem a possibilidade de exageros etílicos gratuitos. Da adolescência pra frente, comecei a achar uma bobagem só isso de bolos, brigadeiros, beijinhos, língua de sogra, confete, festas em buffets ou na garagem de casa - eu, metido a adultão, resolvi chamar tudo isso de "bobeiras de criança", apesar de ter uma certa nostalgia de estourar bexiga em fim-de-festa (sempre tive atração pelos momentos mais anárquicos e destrutivos!) e rasgar o embrulho (não disse?!) da monturama de presentes ao chegar em casa.

Qual a razão das minhas fúrias contra aniversários, tu me perguntas, Querido Diário?! Acho que meu problema sempre foi me sentir envergonhado demais ao ser o centro das atenções, o Cara mais importante no recinto, observado por mil olhos ali, detrás das velas do bolo, com aqueles bando de bobos-da-corte gritando e batendo palminhas sem tirar os olhos de mim. Tudo isso sempre me deixou sem-jeito. Apesar de nunca ter tido problemas com rubores. Meu drama sempre foram, em todas as situações em que sou o centro das atenções do rrrrrespeitável-público, os tremeliques (me torno um terremoto ambulante, pontos altos na Escala Richter!), as mãos suadas e melequentas, e o não-saber-direito-para-onde-olhar.

Também os velhos "com-quem-será?" me deixavam meio constrangido - o povo quase sempre apontava a donzela errada (sempre fui ótimo em manter em segredo minhas platonices). Mas, se apontassem a certa, minha vergonha não seria menor. As cantorias todas me pareciam meio piegas, apesar de eu me lembrar de achar bem divertido a corruptela do clássico musical que, na boca de alguns, virava: "É pica é pica é pica! É rôla é rôla é rôla! Pau - no - cu! Dudu Dudu Dudu!" Isso era "bonitinho"! - para usar uma das palavras prediletas da Line e que eu comecei a usar direto, por contágio.

Lembro também de antigas superstições que me foram transmitidas: no aniversário alheio, se eu adivinhasse exatamente o ponto em que a faca ia entrar no bolo, era sinal de que eu seria muito bem-quisto pelos deuses da Ventura e da Sorte; se o primeiro pedaço me fosse endereçado, era sinal de que eu era pessoa queridíssima pelo aniversariante; e, claro, à cada 17 de Agosto, o assopro das velas coincidia com um desejo murmurado de forma muda e secreta para as Deidades Fornecedoras de Presentes Transcendentes. Única ocasião no ano para tais pedidos, já que nunca fui muito de ver estrelas cadentes cruzando o céu e ao Noel os pedidos eram muito mais materialistas - "intrancendentes", para usar uma das palavras prediletas do Nelson Rodrigues.

Deve ter sido a rabugice da adolescência que me fez começar a achar aniversário uma imensa bobagem. Quando eu me tornei macabro, sinistro e fã de Joy Division, nos velhos tempos dos meus 15 e poucos anos, comecei com o velho discurso rabugento: "mas comemorar aniversário pra quê?! Não passa de um passo mais rumo ao túmulo, de um ano a menos para viver, de um degrau a mais na escada que conduz à velhice, ao apodrecimento e ao cemitério! E achava uma graça as pessoas espertas que, ao invés de "parabéns" e "muitas felicidades", dedicavam ao desafortunado aniversariante um sarcástico "meus pêsames...".

Pois nesse 2007, Querido Diário, o meu níver seria tão insosso quanto foram todos os outros nos últimos anos. Garanti que não queria festa. Não quis pedir presente caro. Já abuso demais das finanças familiares com o meu desemprego. Tratei da data com o meu constumeiro desleixo, um pouco fingido, claro, como quem diz: "cês acham que sou bobo de me preocupar com essas infantilidades?!" Não esperava nada desse dia - só que passasse logo e eu continuasse a minha vida. E, caráculas, agora que olho pra trás, penso: mas que DIA DO CARALHO foi aquele! Um níver DOS INFERNOS, é verdade, mas deus-me-livre dum níver celestial... seria a pior coisa do mundo. Uma gravura descritiva do meu aniversário não ficaria muito diferente da capa do disco do Birthday Party que eu pus aí em cima.

Devo meus mais sinceros agradecimentos à Line e ao Alê - sem eles meu 17 de Agosto teria sido mais insosso que pão sem manteiga ou batata cozida sem sal. Com a presença deles, foi um níver bacaníssimo e um dos dias em que eu mais dei risada nesses últimos tempos . Duas pessoas queridas pra caralho na minha vida, pode crer. Claro que também merecem menções honrosas como artífices de dia tão jovial uma garrafinha de Ypióca, que foi a alegria da looonga madrugada do 16 pro 17 (uma private party duca na minha toca cicerolândica!), uma outra garrafa de cachaça Chico Mineiro (alegria de outra longa noite, no fim do 17), e da première de Simpsons - O Filme, fonte segura e infalível de alegria. Também fiquei contente com scraps e torpedos, por mais clichês que sejam. Perdôo quem se esqueceu de mim ou ficou com preguiça de fazer um agrado - eu também não tenho a mínima consideração com os outros em seus nívers.

Vou te dizer, Querido Diário (mas vê se faz segredo: se muita gente ficar sabendo, o perigo é eu ser considerado um alcóolatra - bico fechado, por favor! Vou já te pôr um cadeado!) - fazia tempo que eu não ficava desse jeito, retardado de tanta pinga, rindo à toa de qualquer bobagem, ouvindo clássicos dos Mutantes e ouvindo mil comentários alinescos absolutamente impagáveis e deliciosos. Não sei como o resto da casa não nos matou a pancadas ou não exigiu a nossa expulsão da república depois do barulho imperdoável que ficamos fazendo até o amanhecer. Aconteceu até o impensável (juro que não foi alucinação): "Edu, pára de falar por 2 minutos, por favor, que eu tô passando mal, não aguento mais dar risada... (E quinze segudos depois:) Já passou?! [hohoho!]"

Rolou de tudo para deixar o dia pitoresco: o imbecilzão aqui, de tão mau-acostumado que está de ir em shoppings (aqueles nojentos e asquerosos templos de São Nike, como diria Zero Quatro - e sim, eu tô lá na comuna do Orkut "É tudo culpa do Capitalismo!"), esse tolo aqui, dizia eu, acabou perdendo o carro no estacionamento do Eldorado. Nisso que dá não anotar nem o piso nem a área onde estacionou. Mas não digo que não foi uma inesperada diversão aquela boa meia-hora andando como baratas-tontas pelos subsolos daquela joça, em busca da caranga perdida, comentando sobre Simpsons e sendo semi-zoados pelos guardinhas, que provavelmente nunca viram criaturas tão tapadas como nós.

Rolou também de o gás acabar justo no dia 17 de Agosto na casa da Jusseta (e vocês pensavam que Murphy iria me poupar de seus "cumprimentos" nesse dia tão feliz?!), e acabou saindo como rango um tosquérrimo macarrão de microondas que vai ficar na memória muito mais gravado do que se eu tivesse comido em algum restaurante grã-fino. Rolou d'eu desobedecer os mandamentos maternos e dirigir bêbado por aí, se bem que por poucas quadras - sorte que eu, nesse estado, nunca tenho a péssima idéia de brincar de GTA da Vida Real. E depois rolou de chegar em Santo André no Sábado, dia 18, para a tradicional comemoração de família, que eu sempre acho de um tédio só, carregando atrás de mim a ressaca acumulada de dois dias de cachaceira braba e sem a mínima vontade de ficar fingindo entusiasmos falsos ou sorrindo para as fotografias. Querem me deixar ser soturno em paz, por favor? O que fiz? Tomei mais uma ou duas latinhas, mais uma duas Long Necks, para curar ressaca com ressaca. E também pra ver se funcionava o velho dito popular que sugere que o mundo (e as pessoas nele) fica muito mais interessante a partir do terceiro drinque. Tô achando que é verdade mesmo.