sábado, 25 de agosto de 2007

:: continuando com minhas ridículas criancices... ::

PEQUENO INVENTÁRIO DE NOSTALGIAS (PARTE III)
- tema de hoje: programas de TV! -


ARQUIVO X - Vocês já estiveram no ginásio e sabem como é: naquela época, toda turminha borbulha em falatórios e fofocas sobre quem “gosta” de quem, quem vai acabar de namorarico com quem, quem está secretamente apaixonado por quem - um blá-blá-blá infernal sobre casinhos amorosos que pareciam nunca se concretizar. Ninguém era visto aos amassos ou aos beijinhos, mas formavam-se “casaizinhos” que a opinião pública acabava estigmatizando como amantes secretos. No meu caso, as más línguas da vox populi não paravam de dizer por aí que eu e a Fernandinha estávamos de caso. Eu, de caso com a princesinha que era filha da professora de Português e sobrinha da professora de Matemática?! Eu lá era louco de cortejar uma donzela tão bem protegida por aqueles dois monstros familiares, tão engajados em mantê-la imune a todas as más influências masculinas?!

Eu garantia a todo mundo que a Fê era só minha amiga, que a gente saía por aí pra jogar boliche e patinar no gelo, sim, mas nossas relações permaneciam longe de serem, digamos, “carnais”... A coisa chegou perto do insustentável quando a Rosiris começou a fazer comentários sarcásticos sobre minhas aventuras no Golden Shopping com sua sobrinha – isso para a classe inteira ouvir, me deixando mortificado de vergonha... A verdade sobre os meus sentimentos por ela eu não revelo assim, publicamente, entregando de mão beijada os mistérios do meu coração (hoho!) – é segredo de estado! Mas o fato é que a Fê era a maior das fãs de Arquivo X que eu conhecia. O fichário dela estava repleto de recortes do seriado, inclusive, se me lembro bem, o célebre letreiro dizendo: THE TRUTH IS OUT THERE. E acho que foi por isso que eu comecei a prestar mais atenção àquele seriado meio esquisitão e sombrio que passava na Rede Record, às sextas-feiras, no fim da noite. Comecei a ver Arquivo X tentando descobrir que graça a Fê via naquilo e também, se possível, inaugurar uma comunhão de gosto que não faria mal à nossa relação. Os meninos de 12 anos são mais espertos do que parecem!

Acabei viciado no negócio. Em comparação com os outros seriados americanos enlatados que passavam na TV aberta, naquela época, tipo o Barrados no Baile, o Melrose ou o Baywatch, o Arquivo X era muito mais adulto, sério, grotesco, visceral, punk. Não parecia coisa para criança. Assistindo aquilo a gente tinha a sensação de estar espiando por um buraco de fechadura proibido, descobrindo altas coisas que não deveríamos saber. Assistir Arquivo X enquanto o resto das crianças assistia as novelinhas da Globo ou aqueles ridículos seriados felizinhos dava uma sensação parecida com a que eu sentiria anos mais tarde ouvindo heavy metal enquanto todo mundo parecia atolado no pop, no pagode ou no axé.

Eu, com 11, 12 anos, morria de medo do Arquivo X – especialmente do Canceroso. O cara era sinistro. E as desventuras de Mulder & Scully me deixavam mais angustiado que qualquer filme de terror. Num tinha matanças, banhos de sangue, carnificinas ou psicopatas mascarados pulando sobre as mocinhas indefesas com facas afiadas para degolá-las, isso não. Mas você era capturado por aquele climão sombrio e soturno, pelo suspense bem-bolado, pela suspeita de impensáveis conspirações... Sem falar que o verdadeiro vilão da história parecia ser o FBI e todas as tramóias que os manda-chuvas lá faziam para esconder da humanidade toda a verdade sobre os aliens que, como só alguns poucos sabem, estão entre nós faz muito tempo.

Fox Mulder e Dana Scully se incorporaram ao meu imaginário e cotidiano. Na época, minha tendência era ficar muito mais do lado do Mulder, que acreditava piamente na existência de alienígenas, fenômenos paranormais, serial killers mutantes e astronaves que não podiam ser nada além de OVNIs - entre outras crenças anti-científicas. Pô, a irmãzinha dele tinha sido sequestrada pelos visitantes do espaço exterior muito tempo atrás e ele tinha provas empíricas das malevolências das forças não-terráqueas! Como é que o povo não acreditava e colocava apelidinhos sarcásticos no “Spooky” Mulder? Já a Scully, com aquele jeitinho cético dela, de quem acha que para tudo há uma explicação perfeitamente científica, sempre cautelosa e racional em seus relatórios para o FBI, me deixava com um pouco de raiva. Aí eu comemorava sempre que o Mulder conseguia convencer a Scully que há coisas que a razão não explica – aquelas que o diabólico governo federal americano resolveu silenciar e estocar nos mau-afamados Arquivos X - casos não solucionados.

Mulder & Scully, pra mim, são o grande casal televisivo de todos os tempos. Eles não tinham uma relação amorosa, claro, e dava até raiva de ver os dois mantendo tamanho decoro profissional (que fã de Arquivo X não esperou ansiosamente pelo episódio onde finalmente rolaria um beijo na boca?!), mas eram uma dupla da-que-las. Inesquecíveis, especialmente quando entravam juntos, lanternas e pistolas em punho, em ambientes mau-iluminados e mau-cheirosos, onde provavelmente se escondiam aliens prontos a devorá-los. Eu palpitava de pavor enquanto eles entravam no ninho do ET mutante assassino serial que estava roubando fígados humanos para alimentar-se durante suas hibernações. E quando a astronave sobrevoava o pobre Mulder e o raptava para fazer experimentos indefiníveis?! Eu ficava grudado na cadeira, perplexo. Era fódimais.

O Arquivo X me garantiu que era verdade aquilo que já sabia faz tempo: que os invasores do espaço não são verdinhos, com olhos esbugalhados e segurando arminhas laser, sempre cheios de intenções malévolas, como os ingênuos imaginam, mas estão – definitivamente estão! - entre nós, disfarçados de normais. O governo nega conhecimento, manda jatos derrubarem os OVNIs, silencia sobre os assassinatos cometidos por aliens, mas eles estão aqui em nosso meio, andando por nossas ruas, metidos em meio à multidão. Para deixar a história dessa nostalgia mais romântica e emocionante, direi algumas mentiras: depois de Arquivo X, eu ficava andando por aí e imaginando quais das pessoas com quem cruzava era um ET travestido de humano; ficava todo preocupado imaginando que, em algum dia do meu passado distante, eu podia ter sido abduzido por marcianos, e que só não me lembrava disso pois eles haviam me dado a Injeção de Amnésia e não havia marcas nem cicatrizes das operações feitas com meu pobre corpo; e comecei a achar que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia – e muito antes de ler Hamlet.