quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
Postado por Unknown às 07:25 |
quarta-feira, 20 de dezembro de 2006
::: MEU 2006 :::
Fim de ano tem seu charme: é um bom momento pra parar tudo, olhar pra trás e meio que fechar pra balanço – ver se o ano deu lucro ou prejuízo, se foi da safra boa ou da podre, se entra na lembrança na sala das felicidades ou das desgraças... Quem sabe, se der, aprender umas lições com as experiências, quem sabe fazer uns planos de melhoras, quem sabe só curtir a viagem nostálgica pelos trilhos da memória, com o prazer de reconstruir tudo, escrevendo... Castelos de palavras erguidos pra cristalizar os momentos efêmeros...
Tá bom: eu já me conheço bem o bastante pra não poder confiar muito nas minhas “firmes resoluções” de fim de ano e naquelas promessas que me faço e nunca cumpro. Eu costumava fazer, todo fim de ano, uma lista mental com tudo o que eu teria que fazer melhor no ano que entrava. Mas a coisa só ficava de pé por muito pouco tempo... Entrava janeiro e os planos iam meio que ficando pra trás, e a vida meio que seguia de onde tinha parado...
Hoje, muda o ano, e pra mim é só isso: parece que nada mudou além de um dígito no calendário, e nada mais. E eu, como não sou supersticioso, num acredito mais que uma mudança de ano faça qualquer milagre, nem nunca senti como se um ano rompesse bruscamente a continuidade com o que acabou de acabar. Não penso na vida como se ela fosse uma centopéia, toda cortadinha em segmentos iguais, do mesmo tamanho, enfileiradas em fila indiana, tudo geométrico, certinho e bem dividido. Pra mim a imagem da vida é muito mais um louco continuum caótico, tipo uma montanha russa que anda sempre pra frente, em direção a novas curvas, novos abismos e novos loopings, sempre imprevisíveis. E eu acho meio bobo pensar que tudo vai melhorar, assim de repente, só porque no dia 31 a gente faz umas figuinhas, solta uns rojões, pula umas sete ondinhas e se convence de que vai ser mais feliz...
Então deixa o futuro pra depois. Acho que vale mais a pena recordar o passado, contar como é que foi, fazer o balanço...
* * * *
2006 foi um ano cheio de coisas novas. Depois de 4 anos morando em Bauru, sempre morando em república, sempre odiando o curso de jornalismo, eu estava de volta à cidade grande – e não sabia se ia gostar. Foi meu primeiro ano como verdadeiro paulistano – a primeira Mostra de Cinema que acompanhei de perto, os primeiros rolês por uma pá de “points” paulistas, a primeira visita à lendária Galeria do Rock (camisetas do Clash e do Ramones compradas com muito gosto!), minhas primeiras experiências com o Teatro Oficina... Sampa tem uma vida cultural e baladeira fervilhante, que eu só estou começando a descobrir, e que basta pra me fazer achar legal morar aqui, com mesmo com trânsito, poluição e PCC.
2006 começou muito mal, é verdade. Principalmente porque meu 2005 tinha acabado de modo trágico: eu tava no fundo do poço depois que meu TCC foi reprovado e todos meus planos pareciam ter ido por água abaixo... Todos os meus colegas estavam se formando, alegres e saltitantes, partindo para novas fases na vida e novas aventuras, e eu meio que fiquei pra trás, comendo poeira – e me sentindo pisado, humilhado, um pedacinho de lixo. Acho que nunca tive uma crise de auto-estima tão brutal quanto naquele tempo. E acho que nunca antes tinha sentido uma raiva tão mortal daquela faculdade maldita e de quase todos os professores. Entrei em 2006 de cabeça baixa, com o pé esquerdo, amaldiçoando a vida e quase fazendo planos de suicídio. Demorei pra me reerguer. E a cicatriz na alma vai ficar pra sempre.
Eu me lembro: passei boa parte do fim de 2005 meio angustiado, atormentado com o futuro, pensando que eu nunca mais iria viver anos tão bons quanto tinham sido aqueles em Bauru... de 2006 em diante começaria uma vida um pouco mais chata e um pouco mais dura: eu ‘taria de volta à cidade grande, na batalha por um emprego, longe dos amigos (uns que ficavam pelo interior, outros que se dispersavam por aí...), e tava com medo de que as coisas pudessem não se ajeitar tão bem. E eu meio que tomei a decisão, lá pelo meio do meu quarto ano como aluno de jornalismo na Unesp: quero continuar sendo um universitário! Meus 4 primeiros anos como universitário, morando no interior, longe dos pais, foram sim trimmassa, talvez os melhores da minha vida, ricos em experiências e lições - mas acho que me deixaram com gostinho de quero mais... E eu não achava que eu tinha aproveitado aqueles meus anos tão bem quanto deveria – então por que não mais quatro?
Continuo funcionário da VASP (Vagabundos Autônomos Sustentados pelos Pais) e vivendo somente dos empréstimos pedidos ao FMP (Fundo Monetário Parental) - uma das maiores dívidas externas que um filho já contraiu! Mas o bom de ser vagabundo e ainda viver de mesada é que não perco tempo com trampo e acabo tendo toneladas de tempo livre pr’eu fazer o que eu quero fazer – e em 2006 vi mais filmes e ouvi mais música do que em qualquer outro ano da minha vida.
2006 foi o ano em que eu mais vezes vi o dia amanhecer. Na maioria das vezes, estava chapado o bastante para, ao erguer do Sol, abrir um sorriso, abrir os braços e entrar no coro de bebuns: “milááááágre!”
Vi mais shows em 2006 do que em qualquer outro ano da minha vida – e cada vez mais acho que shows são uma das melhores coisas da vida, disparado. Mesmo quando eu estava meio deprê, meio down, com a mente pesada, tudo meio que desaparecia quando aquele som estupidamente alto despencava sobre mim, e a multidão começava a pular, e eu junto com ela, naquele amasso delicioso, naquele calor de derreter, no meio daquela grande suruba coletiva de lavar a alma... Ah, “o poder trans-humano da multidão”, como diz um dos slogan do Oficina! Pulei como um imbecil no Franz Ferdinand e no Hot Hot Heat. E me empolguei feito criança quando o Supergrass começou a tocar ROCK de verdade no Campari. E dancei feito clubber no Soulwax (já tri-bêbado e sendo sustentado pelo cara atrás de mim, algumas vezes, pra num despencar no chão!). E estive frente a frente com bandas fodíssimas das antigas – o Echo and the Bunnymen, o New Order, o Gang Of Four. E vi mais dois shows dos Los Hermanos, apaixonei de vez...
Quanto à nova república / pensão, o esquema é bem diferente de como era na inesquecível Buçalouca, em Bauru, onde eu morei todos os meus quatro anos de unespiano – primeiro numa casa da Benjamin Constant, depois ali na Duque. Em Sampa não rola muito aquele esquema foda: 6 ou 7 caras dividindo um casarão e pagando uns 100 paus de aluguel cada um, podendo fazer o que bem entender com a casa, inclusive transformá-la às vezes num chiqueiro, num puteiro ou numa boate. Em Bauru eu morava numa república estudantil de verdade, caótica, anárquica e bagunçada como tem que ser. Grande parte dos azulejos da cozinha e do banheiro estavam pixados – e vocês imaginam o nível do material... Os tradicionais gritos primais ecoavam pela casa, junto com as risadas, o barulho da TV e os tacos batendo nas bolas de sicuna... a louça acumulava na pia, e a sujeira pela casa sem faxineira, e os rangos eram sempre ultra-toscos, e a maconha ficava ali, dando às vistas de qualquer um, de vez em quando guardada no freezer, ao lado dos hamburgeres e dos steaks de frango...
Em 2006, perdi a vida em república, uma das coisas que mais me dá saudade de Bauru, mas pelo menos me esforcei pra conseguir algo minimamente parecido. Minha nova casa é mais “seriona”, mais “profissional”, a ponto de ser chamada de “pensão” ao invés de república. É um sobradão com 12 quartos individuais, todos apertados feito cela de prisão ou lata de sardinha. Eu tenho o privilégio de ter um dos únicos QUARTOS TRIANGULARES existentes no planeta Terra. Nessa pensão a maioria dos moradores é de USPianos, mas tem muita gente que nem dá muito as caras na casa – chegam à noite pra dormir, saem de manhã cedinho, e a gente nem vê direito. São o que a gente chama de “coadjuvantes”. A rotatividade também é grande: muita gente chega, fica umas semanas e vaza – tipo hotel.
Mas deu pra fazer amizades muito boas com umas 2 ou 3 pessoas da casa, que hoje são muito queridas: um certo japonês sociólogo que toca numa banda de pós-folk, curte Sergio Leone, bebe mais do que deveria e fica discutindo Nietzsche na cozinha com esse que vos fala, enquanto o macarrão não fica pronto; uma certa estudante de música, pianista de primeira, com Ouvido Absoluto e tudo, super gente boa, mas que acha um lixo todas as bandas que eu ouço :P; um certo cozinheiro (ok, ok: gastrônomo!) de Ourinhos que tá tentando virar estrela de tevê em programas culinários, e mais um povo aí...
(Detalhe bizarro: nossa casa fica no quarteirão dum buffet infantil chamado Fábrica da Alegria e em dia de festa nossa casa inteira, sem que um único cômodo seja poupado, fica inundada com a trilha sonora que embala as festividades... E vocês imaginam que a gente já tá ficando louco de tanto ouvir, às onze e meia da noite, belezuras como “lua de cristal, que me faz sonhar...” ou “Parabéns! Parabéns! Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!”, dentre outros sucessos xuxianos. A Fábrica da Alegria fabrica tanto ódio em nós moradores da pobre pensão da Dona Juju que estamos vendo de, ano que vem, fazer um atentado a dinamite. Alguém aí promete que me visita na cadeia?)
Em 2006, comecei o curso de filosofia da USP. E querem saber? A verdade pura e simples é que eu tô achando o curso um porre. Dá pra aguentar, dá pra levar, mas sim, é um porre. Mas, graças a deus, 4 anos de Unesp já me deixaram preparado para enfrentar aulas chatas e professores escrotos... A Unesp já tinha matado em mim qualquer esperança de que uma universidade podia me ensinar “coisas importantes” - então aconteceu o esperado. Tô no mesmo esquema que eu tava no curso de jornalismo, quando consegui a proeza de ser, sem dúvida alguma, o pior aluno da minha sala (e talvez só me forme em 2007!). Na USP, continuo levando tudo nas coxas, totalmente desencanado, faltando como adoidado e não prestando atenção em quase nada. Curiosidade: uns 90% desse blog é escrito durante as aulas! :P
Muitas vezes, vou pra aula mais pra assinar a lista no começo da aula, bater papo com os colegas e depois me mandar. Ser aluno do noturno piora ainda mais as coisas: eu não tenho muito saco pra ficar até as 11horas na faculdade. Eu contei: em todo o semestre lá das “Regras Para a Direção do Espírito” do Descartes (um porre), eu cheguei ao final de UMA aula; o mesmo vale para o semestre da “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” do Kant – UMA aula aguentada até o fim, também; mas o meu recorde mesmo foi com o Montesquieu – não cheguei ao final de NENHUMA aula! Tenho mó orgulho disso. E tenho duas desculpas muito boas: a primeira, claro, é que Monstesquieu é um mala e todas as pessoas que faziam seminários sobre Montesquieu não conseguiam fazer com que ele não fosse um mala; e a segunda é que a aula era de quinta-feira, dia da cervejada semanal no porão da Sociais e da festinha semanal na ECA. Cês acham que a gente ficaria na aula?
Depois que instalaram a mesa de pingue-pongue e de sinuca ali no porão do nosso prédio, aí que fodeu de vez! Eu e o Diogo fugíamos de QUASE TODAS as aulas pra tirar uns duelos sangrentos e ultra-disputados ali no salão de jogos, muitas vezes com a companhia duns malucos aí de Sociais, cuja única contribuição ao jogo era fazer uma névoa de maconha ficar flutuando no ambiente... Ê FFLCH, mon amour! :)
A única coisa que valeu a pena, de verdade, nisso de ter entrado na USP, foi ter conhecido certas pessoas e ter feito certas amizades muito foda. Curto de verdade a turminha da sala com quem eu me dei bem - Didi, Diogo, Cauê, Rodrigo, Débora, Eduardo, monte de gente... um povo muito firmeza, que topa até subir ladeiras de marcha ré, de madrugada, quase fundindo o motor do carro, papear sobre cinema trash e clássicos do terror, ficar a carona inteira pro ABC filosofando sobre qualquer coisa ou falando sobre rock, xingando os filósofos chatões que temos que ler, botando apelido, chamando de nojentos... :P
Em 2006 eu me apaixonei. Tinha tudo pra dar errado. E, é claro que, como é da minha vida que estamos falando, eu que nunca fui assim muito de ganhar, o mais provável é que fosse mesmo dar errado. E o que eu posso dizer é que, como esperado, não deu muito certo. Ela já tinha namorado, e morava longe de mim, e a gente só se via de vez em quando: um cineminha aqui, um showzinho acolá... rápidos encontros seguidos de longas separações, com os contatos feitos mais por scraps, e-mails e papos de MSN. Mas esses rápidos encontros sempre me deixavam o gostinho de quero mais... A gente se encontrava, e era sempre a mesma história: aquilo colocava lenha na minha fogueira e botava pra funcionar minha máquina de sonhos...
Uma amiga minha me disse esses dias uma frase genial: “Suspeito de um grau de parentesco próximo entreMurphy e o Cupido. Ou ao menos algum tipo de sociedade escusa...”. Casquei o bico, mas a piada não era só piada - tinha um fundo de verdade, como todos nós, perdedores, sabemos. Pois é... Talvez o próprio Murphy, essa divindade de vários rostos, tenha vários empregos, inclusive o de Cupido – e é ele, Murphy, que sai por aí disparando suas setas e semeando amores impossíveis, que sempre vão acabar dando em heartbreak...
Mas é tolice culpar tudo no Murphy. Por que a culpa não é minha por ter escolhido fazer o mais difícil? Por que é que eu fui me meter a me apaixonar por quem já tinha namorado? Era pedir pra me machucar... Era me meter em enrascada, na certa. Mas ia fazer o quê? Dessas coisas a gente não tem controle. Seria bom se coração tivesse interruptor – um toque de dedos e ele desligava, assim que começasse a sentir algo “inadequado”... Seria bom se coração fosse feito boca de fogão: daria pra regular a intensidade da chama, extingui-la ou exaltá-la com um mero girar de botão... Mas não. Coração é bicho selvagem.
Então lá fui eu, vítima de mim mesmo e do meu coração imbecil, e me meti a me apaixonar por uma menina comprometida, e ainda mais arriscando estragar umas das minhas melhores amizades. Porque ela era uma amiga, muito querida, das mais especiais que eu já fiz, mesmo que ela nunca tenha me considerado tão importante na vida dela quanto eu considerava na minha...
Por que aconteceu? Sei lá eu! Tem explicação? Talvez tenha acontecido simplesmente porque eu tava meio carente, sem energia, fraquejando, querendo pegar um pouco de força emprestada. Ou talvez eu seja meio como o Joel, do Brilho Eterno, que se perguntava: “mas por que diabos eu sempre me apaixonado por qualquer garota que me dá o mínimo de atenção?” Talvez foi a nossa troca de confidências, nossas longas cartas, lotadas de confissões, o que me deu a sensação de ter encontrado alguém que me conhecia, alguém me entendia de verdade, alguém que seria capaz de gostar de mim, do jeito que eu sou, sem tirar nem pôr – o que talvez tenha sido uma grande ilusão. Talvez fosse natural que a nossa amizade fosse se tornando algo mais – pelo menos em mim, acho que foi crescendo a idéia de como seria maravilhoso poder namorar minha melhor amiga... Talvez foi porque eu acreditei que ela ia me fazer imensamente feliz, e injetar litros de alegria na minha vida, direto na veia, e tudo voltaria a ser divertido, leve, gostoso - a vida teria de novo aquele saboroso sabor de infância... Ou talvez tenha sido tudo culpa daqueles olhinhos azuis que eu tinha até medo de encarar, pra não ficar enfeitiçado...
Talvez não exista porquê. Talvez não importe. Aconteceu porque aconteceu. Porque era ela, porque era eu...
Em 2006 sonhei até ficar bêbado de tanta fantasia. Me lembrei de como eu sou bestalhão com meu romantismo totalmente fora-de-moda e meu sentimentalismo totalmente piegas. Eu sou um romanticuzão de dar dó.
Vivi todos os transes... vivi aqueles dias em que ela parecia não sair da minha cabeça um único segundo. E aqueles dias tristes, quando eu ensopava o meu travesseiro pensando que ela nunca iria me querer, que a gente nunca ficaria junto, e que eu estava sendo ridículo de supor que era sequer possível... E aqueles dias bons, quando eu sonhava finais felizes e um grande caso de amor correspondido, e depois ficava pensando nos jeitos disso virar verdade... E aqueles dias de indecisão cruel que eu perdia perguntando: e aí, me declaro ou não? Conto pra ela tudo que eu tô sentindo ou continuo fingindo que somos só amiguinhos?
Em 2006 escrevi minhas primeiras cartas de amor: enormes, piegas, sentimentalóides, dramáticas, exageradas, com frases de novela mexicana e tudo... É incrível como uma paixão nos torna completamente ridículos. Brinquei sobre a sinceridade e arrisquei dizer tudo quanto fosse natural... Acho que eu tô tão pouco acostumado a falar sobre mim pras pessoas, a realmente desabafar tudo que eu tô sentindo, que quando a coisa acontece sai uma enxurrada... Sabe aquela pessoa que fica guardando tudo pra si, por anos e anos, até que chega uma hora que explode a rolha e sai um jorro de sentimentos lá do fundo da alma? Acho que foi mais ou menos esse o caso aqui – eu transbordei pra cima dela... e deve ter sido algo meio desagradável.
Foi uma chuva de confissões pra cima da pobrezinha. Um temporal. Com granizo, neve e ventania. E eu acho que devo ter exagerado na dose. Acho que nunca abri meu coração tanto assim com uma pessoa. Nunca tinha deixado alguém me conhecer desse jeito... E hoje não sei responder se valeu a pena. Talvez tenha sido ridículo da minha parte falar pra ela um monte de coisa que ela nem estava interessada em ouvir. Talvez seja bobagem minha isso de ficar me preocupando em ser sempre verdadeiro, até o fim. Talvez eu devesse ter me contido mais, me escondido mais, me calado mais, feito mais mistério. Talvez eu devesse ter aprendido a fazer propaganda de mim mesmo: esconder meus defeitos, a varrer pra baixo do tapete tudo o que tenho de ruim, pra depois vestir uma máscara atraente e sedutora, pra depois tentar convencê-la de que sou um baita dum cara... Mas não sei fazer isso. Não manjo nada de sedução. Não sei convencer ninguém de que eu sou um baita dum cara e que eu valho a pena. Nem a mim mesmo eu consegui convencer dessas coisas. Acho que a única coisa que eu sabia fazer era o que fiz: simplesmente dizer o que tava rolando. Tudo. Preferi abrir as comportas do coração e deixar tudo sair: fel e mel, paixão e medo, amor e mágoa... Em nome da sinceridade. Preferi contar pra ela tudo, absolutamente tudo o que estava rolando dentro de mim, ao invés de fazer joguinhos de mistério e de esconde-esconde... Não sei se fiz certo.
Acabei 2006 sozinho, claro. Ganhei pra minha enorme coleção mais um caso de amor não correspondido. Provavelmente perdi uma amiga, e uma das mais preciosas. Ficou só uma ferida, e um monte de sonhos que nunca se concretizaram, e esse desejo impotente, que agora eu tenho que arranjar um jeito de abandonar... Ficou também um pouco de mágoa, um monte de dúvidas melancólicas... Será que eu sou uma daquelas pessoas que é simplesmente impossível de amar? Que diabos eu preciso fazer pra conseguir me tornar especial pra alguém? Como é que pode eu ser tão pouco na vida de uma pessoa que, na minha vida, foi enorme, quase tudo? Quando eu digo “eu te amo” pra alguém, é isso que acontece: ela me vira as costas e sai correndo?
Oh well...
Sei que, ainda hoje, não consigo ouvir coisas como “Oh Well” da Fiona Apple nem “Pois É”, do Los Hermanos, sem que meus olhos fiquem molhados...
Em 2006 devo ter chorado mais do que em qualquer outro ano da minha vida. E isso não quer dizer que ele tenha sido o ano mais triste. Acho até que foi um dos mais felizes. Não vejo nenhum absurdo em dizer isso. Eu não acho que seja incompatível ser feliz e ser chorão, ser feliz e ser um romantico perdedor nesse meu estilo... Gosto de ser uma pessoa capaz de chorar. Existe alguma coisa mais horrível do que uma pessoa tão morta por dentro que nunca é capaz de derramar uma só lágrima? Lágrima é vida. É um testemunho de uma vida que pulsa, sensível, receptiva, reativa, aberta à experiência do mundo...
2006 acaba e eu ainda não sei responder à velha questão: “quem sou eu?” Pelo menos sei o que eu não sou e o que eu não quero ser – e isso já é alguma coisa.
2006 acaba e ainda não descobri qual o sentido da vida. Mas nem sei se é tão importante assim saber – se é que há algo pra saber. Pode ser que a doidinha não tenha mesmo sentido algum, mas mesmo assim ando achando que, apesar dos pesares, vale a pena ser vivida. E, aliás, nem temos muita escolha. Nascemos. Estamos aqui. Fazer o quê, né?! Vamos viver...
Em 2007 vou ver se vivo os hojes conforme eles vêm. E a luta continua...
segunda-feira, 18 de dezembro de 2006
Foi isso aê que eu me comprei como um auto-presente de Natal. :D
Tem tudo pra ser um livro meio tosco, meio bizarro, cheio de forçações de barra e interpretações mirabolantes. Mas deve ser interessante ver uns filósofos aí - nenhum de renome... - tentando ser mais bem-humorados e menos carruncudos do que é costume e botando os miolos pra funcionar pra refletir sobre os nossos queridos Simps. Pela minha olhadela rápida pelos capítulos, o livro tenta provar que Bart Simpson é um "pensador heideggeriano" (cuma???), analisa o "caráter ético" de Homer usando Aristóteles, usa o Mister Burns pra provar que o materialismo capitalista levado ao extremo não conduz à felicidade, faz semiótica com os gestos e mímicas da pequena Maggie, entre outras coisas semelhantes... Pode ser que seja um lixo. Mas quando eu vi esse trocinho lá no sebo, dando bobeira, por vinte e poucos paus, não resisti. Vou levar pra ler na praia, junto com as Piauís, que tô devorando com muito gosto, cascando o bico (que revista foda!).
Por falar em Simpsons, um troço que eu só me toquei faz pouco tempo: na abertura do desenho, o Bart está sempre escrevendo uma frase diferente na lousa como punição por suas traquinagens. Gosto de ficar imaginando que tipo de capetices o nosso caro Bartholomeu J. Simpson, eterno palhaço da turma, rebelde juvenil e preguiçoso inveterado, faz na escola pra ser punido pelo Skinner com a obrigação de escrever frases tais como...
- I will not draw naked ladies in class
- I will not yell "Fire" in a crowded classroom
- I will not encourage others to fly
- I will not Xerox my butt
- I will not hide behind the Fifth Amendment
- I will not sleep through my education
- I am not a dentist (relacionado com Loose teeth don't need my help)
- Spitwads are not free speech
- High explosives and school don't mix
-I will not spin the turtle
- I will not charge admission to the bathroom
- My butt does not deserve a website
- I am not the new Dalai Lama
- "The President did it" is not an excuse
- I did not win the Nobel Fart Prize
- I will not sell my kidney on eBay
- I cannot hire a substitute student
- I will only provide a urine sample when asked
- I am not Charlie Brown on acid
- We are not all naked under our clothes
- I will not lie in front of the school bus with ketchup on my face
:DDD
Postado por Unknown às 08:08 |
domingo, 17 de dezembro de 2006
(Achei que só fazer uma lista com os melhores filmes de 2006 era pouco - não faz jus a uma dúzia de filmes fodaços que vi esse ano, de várias épocas, estilos e nacionalidades... Então vai aí, agora, o...
:::: MELHORES FILMES VISTOS PELA 1a VEZ EM 2006 :::
(INDENPENDENTE DO ANO DE LANÇAMENTO...)
01. ADMIRAÇÃO MÚTUA (de Andrew Bujalski, EUA, 2006)
02. MEU AMOR DE VERÃO (de Pawel Pawlikowski, UK, 2004) [RT]
03. OS AMANTES DE PONT NEUF (de Leos Carax, França, 91) [RT]
04. NORMA RAE (de Martin Ritt, EUA, 1979) [RT]
05. FUNNY HA HA (de Andrew Bujalski, EUA, 2005) [RT]
06. VER-TE-EI NO INFERNO (de Martin Ritt, EUA)
07. O RAIO VERDE (de Eric Rohmer, França, 1986) [RT]
08. VÍCIO FRENÉTICO (de Abel Ferrara, EUA)
09. AMANTES - LOVE STREAMS (de John Cassavetes, 1984) [RT]
10. DECÁLOGO 6 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)
11. LUZ DE INVERNO (de Ingmar Bergman, 1962) [RT]
12. A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE (de Volker Schlöndorff)
13. MARIDOS E ESPOSAS (de Woody Allen)
14. OPENING NIGHT (de John Cassavetes, EUA)
15. PECADOS DE GUERRA (de Brian de Palma)
16. DECÁLOGO 5 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)
17. FRANKIE & JOHNNY (de Gary Marshall)
18. THE WAR ZONE (de Tim Roth, Inglaterra, 1995) [RT]
19. O GRANDE TRUQUE (de Christopher Nolan)
20. DECÁLOGO 1 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)
Postado por Unknown às 08:06 |
sexta-feira, 15 de dezembro de 2006
::: MEUS DISCOS PREDILETOS DE 2006 :::
Foi foda decidir, mas acabei ficando assim:
01. BELLE AND SEBASTIAN, "The Life Pursuit"
02. DAMIEN RICE, "9"
03. AUDIOSLAVE, "Revelations"
04. RAY LAMONTAGNE, "Till The Sun Turns Black"
05. GOMEZ, "How We Operate"
06. MARS VOLTA, "Amputechture"
07. BEN HARPER, "Both Sides Of The Gun" (CD 02)
08. THE EXPLODING HEARTS, "Shattered"
09. LISA GERMANO, "In The Maybe World"
10. BETH ORTON, "Comfort Of Strangers"
11. JOHNNY CASH, "American V"
12. JOANNA NEWSON, "Ys"
13. CARINA ROUND, "Slow Motion Addict"
14. GUILLEMOTS, "Through The Window Pane"
15. REGINA SPEKTOR, "Begin To Hope"
16. TV ON THE RADIO, "Return To Cookie Mountain"
17. WE ARE SCIENTISTS, "With Love and Squalor"
18. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "Howl Sessions EP"
19. BUILT TO SPILL, "You In Reverse"
20. M WARD, "Post War"
GUILTY PLEASURE DO ANO: Lily Allen e Pipettes.
Entrariam no TOP 20, mas são coletas, discos ao vivo ou remixes, então num vale:
- PJ HARVEY, "Peel Sessions"
- BRUCE SPRINGSTEEN, "Hammership Odeon, London 1975"
- BEATLES, "Love"
* * * * *
meus campeões dos anos passados, recapitulando:
2005: FIONA APPLE, "Extraordinary Machine" (versão Pirata)
2004: ARCADE FIRE, "Funeral"
2003: LOS HERMANOS, "Ventura"
2002: SLEATER-KINNEY, "One Beat"
2001: STROKES, "Is This It?"
2000: QUEENS OF THE STONE AGE, "Rated R"
1999: WILCO, "Summerteeth"
1998: NEUTRAL MILK HOTEL, "In An Airplane Over The Sea"
1997: RADIOHEAD, "Ok Computer"
1996: FIONA APPLE, "Tidal"
1995: RANCID, "And Out Come The Wolves..."
1994: JEFF BUCKLEY, "Grace"
1993: NIRVANA, "In Utero"
1992: SCREAMING TREES, "Sweet Oblivion"
1991: NIRVANA, "Nevermind"
1990: ALICE IN CHAINS, "Facelift"
1989: PIXIES, "Doolittle"
...etc e tal...
Postado por Unknown às 13:53 |
quarta-feira, 13 de dezembro de 2006
::: MELHORES MÚSICAS DE 2006 ::
(Me arrisquei a bolar uma coleta com as minhas músicas prediletas desse ano... Como o bom Rob Flemming já ensinava, se bem que falando sobre a arte esquecida de gravar fitinhas K7, há todo um processo complexo, regrado e minucioso de seleção q é preciso seguir pra acabar com uma coleta supimpa - mas isso, claro, é coisa de nerd musical. E claro que eu sou um baita dum nerd musical! :) Nesse caso, me impus certas restrições: não podia repetir a mesma banda no mesmo CD; tinha que pensar na transição de faixa a faixa, pra não estragar a coisa com contrastes muito brutais; e, para o bem da homogeneidade, foi melhor dividir a coleta em dois CDs, o primeiro mais róquenrol e barulhento, o segundo mais sossegado e melancólico... Aí vão, pois, algumas das minhas canções prediletas desse 2006, coletadas em dois discos:)
:: CD RÓQUE ::
01) BELLE & SEBASTIAN, "White Collar Boy"
02) EXPLODING HEARTS, "I'm a Pretender"
03) WE ARE SCIENTISTS, "Inaction"
04) PRIMAL SCREAM, "Nitty Gritty"
05) CARINA ROUND, "Take The Money"
06) STROKES, "Juicebox"
07) YEAH YEAH YEAHS, "Gold Lion"
08) AUDIOSLAVE, "Original Fire"
09) BEN HARPER, "Black Rain"
10) TWILIGHT SINGERS, "Underneath The Waves"
11) BLACK HEART PROCESSION, "The Spell"
12) FILM SCHOOL, "Pitfalls"
13) TRAIL OF DEAD, "So Divided"
14) SONIC YOUTH, "Incinerate"
15) TV ON THE RADIO, "Dirty Little Whirlwind"
16) MARS VOLTA, "Vermicide"
running time: 1h 02min 16s
:: CD SUSSA ::
01) CAT POWER, "Love And Communication"
02) GOMEZ, "Notice"
03) RAY LAMONTAGNE, "3 More Days"
04) BELLE AND SEBASTIAN, "Song For Sunshine"
05) JACK JOHNSON, "Upside Down"
06) DAMIEN RICE, "The Rat Within The Grain"
07) REGINA SPEKTOR, "On The Radio"
08) BETH ORTON, "Comfort Of Strangers
09) BEN HARPER, "Morning Yearning"
10) LOOSE FUR, "The Ruling Class"
11) RODDY FRAME, "The Coast"
12) JOHNNY CASH, "A Legend In My Time"
13) LISA GERMANO, "Red Thread"
14) BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "Feel It Now"
15) MADELEINE PEYROUX, "Smile"
runnning time: 54min 33s
Postado por Unknown às 12:02 |
terça-feira, 12 de dezembro de 2006
::: MEUS 15 LIVROS PREDILETOS,
dentre os lidos pela 1a vez em 2006 :::
1) STEFAN ZWEIG, "24 Horas na Vida de Uma Mulher e Outras Novelas"
2) HERMAN HESSE, "Narciso e Goldmund"
3) STEFAN ZWEIG, "Momentos Decisivos da Humanidade"
4) VLADIMIR JANKÉLÉVITCH, "La Mort"
5) FLÁVIO GIKOVATE, "Uma Nova Visão Do Amor"
6) ANTERO DE QUENTAL, "Sonetos"
7) PAUL EUGENE CHARBONNEAU, "Crônica Da Solidão"
8) STEFAN ZWEIG, "Medo e Outras Novelas"
9) ERNEST BECKER, "The Birth Of Death And Meaning"
10) WALT WHITMAN, "Folhas de Relva"
11) MIGUEL DE UNAMUNO, "Do Sentimento Trágico da Vida"
12) ALAIN, "Propos Sur le Bonheur"
13) DAVID GOODIS, "A Garota de Cassidy"
14) LESTER BANGS, "Reações Psicóticas"
15) IAN MCEWAN, "Enduring Love" (Amor Para Sempre)
Postado por Unknown às 17:01 |
segunda-feira, 11 de dezembro de 2006
:::: MELHORES FILMES
QUE EU VI, DOS LANÇADOS EM 2006 :::
01. ADMIRAÇÃO MÚTUA (de Andrew Bujalski, EUA) [RT]
02. O GRANDE TRUQUE (de Christopher Nolan, EUA) [RT]
03. THE PROPOSITION (de John Hillcoat, EUA) [RT]
04. OLHE PARA OS DOIS LADOS (de Sarah Watt, Austrália) [RT]
05. CANDY (de Neil Armfield, Austrália) [RT]
06. O HOMEM URSO (de Werner Herzog, Alemanha) [RT]
07. EU, VOCÊ E TODOS NÓS (de Miranda July) [RT]
08. OS INFILTRADOS (de Martin Scorcese, EUA)
09. CACHÉ (de Michael Haneke, França/Áustria)
10. MARY (de Abel Ferrara)
11. MATCH POINT (de Woody Allen)
12. MUNIQUE (de Steven Spielberg, EUA)
13. VÔO 93 (de Paul Greengrass)
14. O NOVO MUNDO (de Terence Mallick)
15. THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY (de Ken Loach, Irlanda)
16. A CRIANÇA (dos irmãos Dardenne, Bélgica)
17. O TEMPO QUE RESTA (de François Ozon, França)
18. CAPOTE (de Bennett Miller, EUA)
19. O CHEIRO DO RALO (de Heitor Dhalia, Brasil)
ainda não vi:
Volver, Fonte da Vida, Síndromes e um Século, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Babel, O Caminho Pra Casa, Dália Negra, A Dama na Água, O Céu de Suely, O Crocodilo, Pequena Miss Sunshine...
Postado por Unknown às 19:16 |
domingo, 10 de dezembro de 2006
Ano chegando ao final e desceu a vontade de fazer uma "retrospectiva cultural" com o que de melhor eu vivi nesse 2006 em termos de música, cinema e literatura. Um post por dia, nos próximos cinco ou seis dias, só com listinhas de MELHORES DO ANO. Pra começar:
:::::: MELHORES SHOWS DESTE 2006 :::::
01. FRANZ FERDINAND no Motomix
02. HOT HOT HEAT no NokiaTrends
03. LOS HERMANOS no Circo
04. SOULWAX no NokiaTrends
05. GANG OF FOUR no Campari III
06. ECHO AND THE BUNNYMEN no Citibank Hall
07. SUPERGRASS no Campari II (Atibaia)
08. LOS HERMANOS e CIDADÃO INSTIGADO no DirecTv Hall
09. MISSION OF BURMA no Campari II (Atibaia)
10. WE ARE SCIENTISTS no NokiaTrends
11. NEW ORDER no Via Funchal
12. RADIO 4 no Motomix
13. WALVERDES no Campari II (Atibaia)
14. THE BRAVERY no NokiaTrends
15. BIDÊ OU BALDE no SESC Santo André
16. ART BRUT no Motomix
17. LOS PIRATA no StudioSP
18. HURTMOLD no Circo
19. CARDIGANS no Campari III
20. MERCENÁRIAS no SESC Santo André
21. ANNIE no Motomix
22. SPACE INVADERS no Milo
23. LUDOVIC no Campari II (Atibaia)
...perdi: Daft Punk, Yeah Yeah Yeahs, TV On The Radio, Ladytron, Devendra Banhart, Patti Smith, Beastie Boys, Slayer, Deep Purple, entre outros...
...e quarta-feira inda tem JENS LEKMAN e HEEL ON WHEELS no StudioSP...
Postado por Unknown às 19:00 |
quinta-feira, 7 de dezembro de 2006
ELOGIO DA SEM-VERGONHICE
ou
minha primeira vez no Teatro Oficina
ou
inventário das minhas vergonhas
(uma egotrip.)
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Preciso urgentemente me tornar um sem-vergonha. Pode parecer um desejo estranho, quase como dizer “quero me tornar malvado!”, já que é tão comum que a gente use o tal do “sem-vergonha” pra se referir a uma pessoa “desprovida de caráter” – um canalha, crápula, cafajeste ou mesmo filho-da-puta... “Sem-vergonha” sempre foi adjetivo pra fazer juízo moral negativo: “Cê num tem vergonha na cara não, menino?”, diz a mãe quando se irrita com as sapequices e traquinagens do filho e sua falta de “virtudes éticas”... “Esse cara é sem- vergonha!”, cospem as “pessoas de bem” contra os políticos corruptos com milhões de dólares em bancos na Suíça... Ser sem-vergonha, pra quase todo mundo, não é boa coisa. Mas dá pra ver a coisa por outro lado e fazer da sem-vergonhice uma virtude, quase um ideal... Acabou de se tornar um tesouro que eu quero conquistar. Me explico.
Dia desses fui até o Teatro Oficina pela primeira vez, instigado pela recomendação de amigos de bom gosto e querendo deixar de ser o ignorantão que eu sou em matéria de teatro. Acho que é trauma de infância essa minha birra contra teatro: nas excursões da escola, a gente costumava ser levado pra ver troços tipo o Auto da Barca do Inferno, do Gil Vicente, e ficava lá, boiando feito prancha e não entendendo bulhufas do que os caras no palco tavam falando. E doidos pra que aquilo acabasse logo – porque a única coisa legal de excursão, óbvio, além de perder aula, era zoar no busão. Eu e meus amigos num curtíamos não aqueles atores falando daquele jeito todo falso, todo afetado, todo cheio de frescuras – Cavaleiros do Zodíaco era tão mais legal! E pelo menos a gente entendia as falas... Por que essa negada de teatro falava difícil assim? E pra quê todo esse drama? Sei que cismei que teatro era coisa chata e “elitista”: um monte de gente intelectualzona declamando textos complicados de um jeito todo espalhafatoso e artificial, e nada mais... Virou preconceito arraigado.
E o Teatro Oficina – bendito seja! - serviu como uma baita duma experiência pra meio destruir esses meus preconceitos contra teatro. Nem fui tão confiante assim que fosse ser tão legal – também tinha minhas suspeitas preconceituosas contra Os Sertões, do Euclides da Cunha, livro que eu acho “chato” sem nunca ter lido (apesar de ser ultra-recomendado pra qualquer jornalista...). Mas aquilo ali é um caldeirão de cultura brasileira, de folclore brasileiro; um lance caótico, mistura de orgia, farra, epopéia, sátira, tragédia e ensaio de antropologia; um lance dionisíaco, incoerente, excessivo, barulhento, perturbador; em uma palavra: trimmassa.
Tá, ainda tenho objeções ao lance do texto ser ainda bem contaminado com aquele intelectualismo todo (e aquilo lá com certeza não é teatro “popular”: é teatro pra elite cultural!); mas eu, sinceramente, nem fiquei encanado com o texto – tinha muita coisa mais legal pra observar e curtir: coisas pegando fogo, um monte de gente pelada, umas guerras estrondosas, uns batuques tribais fuderosos, sem falar na formidável Vagina Falante... enfim, um monte de coisas bizarras, intensas e fascinantes desfilando sem parar frente aos meus olhos arregalados, naquele palco-pista em forma de ladeira...
A interação com o público torna tudo excitante e “perigoso”. No Oficina você num pode ficar quietinho no seu canto, não querendo ser incomodado, porque a qualquer momento pode ser solicitado a ir pro palco e improvisar de coadjuvante. E os atores não são lá muito “respeitosos” com o público, não. Um dos atores lá, uma hora, chegou na maior cara-dura e simplesmente lascou um beijo na boca duma moça toda bonitinha que estava bem na minha frente. Achei falta de respeito, mas ela não pareceu se incomodar. Na hora do “ócio-cio-cio-cio...”, os atores puxaram uma boa galera pro palco, deitaram o povo em lençolzinhos e ficaram ali, em carícias altamente íntimas – alguns atores, bem sacanas, se “aproveitaram” das meninas dum jeito que achei até meio “abusivo”, mas deve ser meu moralismo pequeno-burguês falando. A própria integridade física do público nem é garantida. Eu, por exemplo, na hora em que começou uma luta de espadas, com umas faíscas voando pra todo lado, tomei uma bela duma FAISCADA NA CARA, na bochecha direita, não muito longe do meu olho... Na hora quase me revoltei, pensando: “Porra, que falta de respeito! Eu podia ter ficado cego numa dessas...” Mas logo comecei a achar aquela ATMOSFERA DE PERIGO ali dentro como algo ultra-excitante: dentro do Oficina, você não sabe se vai sair inteiro ou com pedaço faltando. A qualquer momento, um ator pode vir e te dar um beijo, sentar no teu colo, te puxar pra farra ou abaixar suas calças e marcar seu bumbum como se você fosse um boi.
Mas o que mais me impressionou, de longe, e é aqui que eu queria chegar, foi a sem-vergonhice dos atores, ou seja, aquela completa falta de pudor... Muitos dos atores ficam completamente pelados durante grande parte da peça e não parecem nem minimamente constrangidos com o fato de que um público enorme pode ficar completamente à vontade pra olhar para seus pipis, bunbuns e xoxotas. E eu fico admirado, pasmo e até meio que “invejoso” ao presenciar pessoas capazes de se deixarem ver desse jeito – porque eu, com certeza, seria completamente incapaz de fazer algo do tipo. Ficar pelado em cima dum palco, tendo que cantar e dançar e correr pra cima e pra baixo, debaixo do olhar de um monte de desconhecidos? Eu hein! Tô fora...
Mas aquilo mexeu comigo, me deixou matutando, me deu até uns “complexos de inferioridade”. Aqueles atores do Teatro Oficina me deixaram me sentindo meio insatisfeito comigo mesmo, querendo me transformar, me auto-revolucionar, me libertar, me tornar uma pessoa mais louca, mais genuína, mais solta, mais desreprimida, mais viva – em uma palavra: mais LIVRE. Do quê? Da vergonha. Do pudor. Do medo do ridículo. Das proteções todas que tenho pra escapar à revelação ao olhar do outro.
Porque eu tive a certeza absoluta, olhando aquilo, que eles eram pessoas mais livres do que eu. Tinham descoberto algum segredo ou truque que eu não conheço e que os deixava muito melhor equipados pra viver a Vida Fodona do que eu... Por quê? Porque eles são sem-vergonha! No bom sentido de ser sem-vergonha! Porque eles sabem se dar ao olhar, e curtir o lance de serem olhados. E nem se trata de gente que, digamos... tem genitálias imponentes (caspiche?) ou corpo sarado... Tem uns caras ali com pipizinho de criança e minas ali que são tábua de passar roupa. E mesmo assim eles estão ali, nuzinhos em pêlo, e porque querem. E isso só me faz admirar ainda mais a coragem deles... é muito mais compreensível que as loironas peitudas dos filmes pornô não vejam muito problema em se exibirem ao olhar com seus corpões, mas aqui é diferente: são pessoas normais, com corpos que não são necessariamente bonitos... e de onde tiram um despudor tão grande? E por que é que eu sinto tanta admiração por eles, pela liberdade deles?
Eu sempre fui muito envergonhado. De tudo. Tenho mil e uma histórias pra contar das coisas antipáticas que eu faço pra fugir de foto, de filmagem e de todo tipo de apresentações públicas. Nunca curti apresentar seminário, fazer pergunta pro professor, fazer discurso em assembléia ou ser o centro de atenções frente ao bolo de aniversário. Pra dizer numa frase: não gosto de aparecer. Ou será que gostaria de gostar, mas não consigo?Aí vão algumas confissões no...
[1] – FOTO. Nunca gostei muito de ser fotografado. Tenho umas fotos de infância legais, mas da adolescência pra frente eu comecei a odiar sempre que alguém me queria fotografar. Fugia. Me escondia. Teimava que não dava. Tinha certeza que eu ia sair feio, horrível, repugnante. Tinha certeza que ia me sentir sem-graça ao ver o troço revelado. E, rebeldinho que só eu, não queria dizer “cheeeeeese” na hora do click - porque “era muita falsidade” e eu não gostava de”pose”. Achava ridículas as pessoas vestindo sorrisos falsos na cara só pra aparecerem bonitos na foto, fingindo que estavam muito mais alegres do que estavam de verdade. Eu, como protesto, ficava emburradinho e com cara de bravo. E aí, claro, saía ridículo na foto e queimava o filme. Até hoje, não sei como fazer um sorriso falso. Mas de vez em quando, em momentos especiais, quando estou me sentindo muito bem junto a certas pessoas e quero levar comigo uma lembrança, até peço pra que me tirem foto. Mas sempre fico sem graça e inseguro, com medo de sair feio. Saio sempre com cara de bocó. E quando eu peço que me enviem as fotos tiradas, as pessoas, com a maior piedade, pra me pouparem do espetáculo horrível de me mostrarem a mim mesmo, nem me mandam! (Essa foi pra você, senhorita M.! Saí tão feio assim na foto do Campari que cê nunca me quis mostrar, né!? :()
[2] – FILMAGENS. Se de câmera fotográfica eu já fujo como os zumbis fogem da luz do Sol, imaginem de câmeras de vídeo... O-d-e-i-o ser filmado. Lembro da minha época em Bauru, quando tive que passar pelo tormento diabólico de dois semestres obrigatórios de Jornalismo Televisado, sendo quase obrigado a aparecer na telinha segurando o microfone e fazendo reportagem. A Profa. Maria Helena, não sei porquê, meio que se engraçou comigo e tava sempre tentando me convencer a abandonar a timidez. Eu que ficaria tão bonitão ali na tela... Eu que tinha uma voz POSSANTE para ser apresentador... Mas num teve jeito de me convencer e, claro, foram as pessoas mais saidinhas e extrovertidas e “aparecidas” da sala que viraram os apresentadores (se eu me lembro bem, a Giovana, o Edison, o Turolllo, o Joel...). Eu fugia das aulas. E quando ia às aulas eu fugia das câmeras. E quando a professorinha vinha tentar me seduzir, fugia da professora... Cara mais antipático! Se era pra ter um cargo no telejornal, eu queria ser produção! Atrás das câmeras, por favor! Eu trampo de carregador de cabo, de faxineiro de estúdio, de abanador de apresentador em dia de calor, qualquer coisa! Mas não me filmem! :)
[3] – COISAS DA ESCOLINHA. Fui o tipo de criança que tinha quase que uns ATAQUES DE PÂNICO, no 1o grau ou no ginásio, quando alguma professora maldita tinha a crueldade de fazer uma chamada oral, escolher alguém pra ler um texto em voz alta ou fazer um exercício de matemática na lousa. Meu medo era tão grande que me aconteciam todas aquelas bizarras e repentinas transformações físicas comuns aos tímidos e acanhados: começava a tremer como se estivesse de sunga no Pólo Norte; as mãos viravam cataratas de suor; minhas orelhas começavam a arder feito pimenta; o coração parecia que ia explodir, tamanha a taquicardia... Nunca tive problemas de avermelhamento facial, como têm todas as moçoilas recatadas nos romances clássicos que a gente lê, que sempre coram e ruborizam quando são olhadas pelos rapazes galantes... Mas é a única coisa que me foi poupada: me coloquem pra ser olhado por um público qualquer, e eu, apesar de não ficar com a cara vermelha, tenho tremedeira, suarão, orelha vermelha, taquicardia, sem-gracice, gaguejação e tiques nervosos... o pacote inteiro!
[4] – BANHOS EM LUGARES PÚBLICOS. Morro de vergonha de ficar pelado em lugares públicos. Tenho pesadelos recorrentes nos quais a pior coisa que acontece não é um ataque de um assassino ou de um bicho-papão, mas o fato de que eu me descubro nuzinho em pêlo numa piscina de hotel ou numa praia. É terrível. Eu lembro da época que eu fazia natação na TEM Esportes de São Bernardo no Campo, um pouco por necessidade de curar meus problemas de coluna (escoliose braba...), um pouco por gosto mesmo. Na hora do banho eu tinha vários pudores exagerados. Num queria nem morto que me vissem pelado, até porque na época eu era um pré-adolescente (ou nem isso...) que provavelmente ainda nem tinha pêlos púbicos e cujo pipizinho de criança ainda não tinha realizado os devidos aumentamentos, se é que me entendem... :P Eu entrava no chuveiro de sunga, saí do chuveiro todo enrolado na toalha, e na hora de me vestir fazia todo o esforço do mundo pra não deixar ninguém ver nada. Claro que ninguém estava olhando e tentando ver. Mas eu mesmo assim escondia. Era mó alívio voltar a estar com roupas.
[5] – ABORDAGEM LASCIVA DE ESTRANHAS. Eu nunca vou conseguir ser nada parecido com um garanhão, um Don Juan, um “pegador”. Porque eu simplesmente não sei como é que se faz pra abordar meninas interessantes, charmosas, lindas e tesudas que encontro por aí. Eu simplesmente não tenho a cara-de-pau. Normalmente não consigo achar nenhum bom pretexto pra começar uma conversa – os que penso em usar me parecem todos ridículos e sacanas. Tenho medo que me achem um canalha, um tarado ou um mulherengo. Normalmente não sei direito como puxar papo com desconhecidas, especialmente se é uma garota deslumbrante – fico sempre meio acanhado.
Enfim, eu sou um desastre completo. Minha personalidade é uma mistura nojenta de timidez, covardia, medo da rejeição, falta de auto-confiança, complexo de inferioridade, repressão sexual e melancolia crônica por carência afetiva.
Mas chega de confissões, por hora, que eu já tô com vergonha.
* * * * * *
Voltando ao fascínio do Oficina...
Sendo assim do jeito que eu sou, eu sempre invejei um pouco essas pessoas exibicionistas que conseguim curtir e se deliciar com o fato de que estão sendo olhadas – como aqueles atores do Oficina, tão seguros e confiantes em cima do palco, que simplesmente amam ser o centro das atenções... Por que é que eu não consigo? Eu tenho certeza: eu me sentiria terrivelmente desajeitado e sem graça se fosse chamado a subir num palco e ficar ali, debaixo do olhar de dúzias de olhos: pra mim nunca seria uma experiência agradável. Eu estaria rezando pr’aquilo acabar logo, pra que eu pudesse voltar pras sombras... as sombras: minha casa, meu lar, meu lugar...
E isso me faz matutar: o que é que incomoda tanto no olhar do outro a ponto de eu fugir dele desse jeito tão medroso? E claro que a resposta quase certa é: devem ser as nóias com a auto-estima, claro... É sempre com uma certa incerteza e insegurança que eu “enfrento” uma pessoa por nunca poder ter certeza do que é que eu represento pra ela. Os psicólogos lacanianos diriam coisas como: “a principal fonte de ansiedade para o sujeito é o modo como ele aparece no Desejo do Outro” ou algo parecido. E é bem isso. Acho que o ser humano, em geral, nóia (that’s the verb to noiar, folks!) muito com esse lance da Opinião Alheia e tá sempre a encanar: o que será que os outros vêem quando olham pra mim? O que será que sentem por mim? O que desejam de mim? O que é que eu sou dentro dessa pessoa X, da pessoa Y? Que tipo de imagem eles têm de mim?
Olhem o que diz um dos meus filósofos prediletos sobre esse assunto:
"Em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, quase sempre levamos em conta, antes de qualquer coisa, a opinião alheia e, após um exame apurado, iremos notar que dessa preocupação surge quase a metade de todas as aflições e angústias que já sentimos; pois ela está no fundo de todo o nosso amor-próprio...O único meio de nos livrarmos dessa insensatez universal seria reconhecê-la distintamente como tal e, para esse fim, esclarecer para nós mesmos que a maioria das opiniões costuma ser totalmente falsa, invertida, errônea e absurda na cabeça dos homens. Sendo assim, por si só, elas não são dignas de consideração."
SCHOPENHAUER, Aforismos Para A Sabedoria de Vida
Pois bem... quase todos nós vivemos nessa “insensatez universal” que é a preocupação com a opinião alheia, fonte de “quase metade de todas as aflições e angústias que já sentimos”. Todo mundo sabe o que é, e todo mundo já sentiu, aquele medo maldito de que a pessoa não vá gostar de você, não vá gostar da tua cara, não vá te achar bonito ou agradável ou simpático... O medo lazarento de que ali, dentro do outro, surja uma imagem de nós que não é a que queremos ver...
É como se cada outro fosse como um espelho onde vemos refletida nossa imagem – mas cada outro é um espelho diferente, que nos fornece uma imagem diferente, às vezes distorcida, às vezes desagradável, às vezes indiferente, às vezes adorável... Acho até que as pessoas de quem gostamos, no fundo, são as pessoas que, como espelhos de nós mesmos, nos refletem uma imagem de nós como nós queremos ser... Você gosta de uma pessoa quando gosta de como você aparece na consciência dela. Você gosta de quem tem uma imagem de você que coincide com a imagem que você deseja ver...
* * * * *
Em certos momentos, pelo menos no teatro com intenções mais “provocativas” e que se preocupa pouco em “respeitar” o público, os atores costumam fazer aquele “joguinho” de fixar o olhar nos olhos de uma certa pessoa. Sabem como é? No Oficina acontece de vez em quando: o ator pára frente a frente com a pessoa e fica encarando, impassível, imperturbável. Nessa hora ocorre aquela inversão de papéis: quem olhava agora é olhado; o espectador é meio que obrigado a sentir na pele o que o ator está sentindo o tempo todo – a sensação de ser olhado, devassado, perfurado pelo olhar... E é quase uma regra geral: as pessoas no público se sentem meio constrangidas e sem graça quando são “escolhidas” pra serem “encaradas” assim (eu também não curto muito não!)... A tentação de desviar o olhar é enorme. O desejo de que o ator pare com aquilo também é grande. E quando a “brincadeira” termina é quase um alívio... E isso não dá o que pensar?
Por que eles fazem isso? Qual o sentido? Que efeito eles querem atingir com essa “brincadeira”? Querem só nos deixar incomodados e sem graça? Querem só esfregar na nossa cara que eles são muito melhores e mais seguros de si por conseguirem suportar o olhar alheio, e tirarem o maior prazer exibicionista disso, enquanto que nós não temos esse talento nem esse prazer? Talvez eles queiram nos convidar a sermos mais fortes, mais livres, mais genuínos, vivendo sem a trava paralisante do “o que os outros vão pensar?”
Porque com certeza há uma espécie de “exibicionismo” que é saudável e recomendável, um exibicionismo que não é só vaidade, que não se baseia só em falsidade, mas que é algo diferente: essa linda capacidade que alguns tem de se revelarem nus – nus de corpo, nus de alma... – ao olhar do outro. O meu psicólogo predileto, Ernest Becker, costumava dizer que a “hipersensibilidade à opinião alheia” é algo quase patológico, que a auto-estima é fundamental para que a pessoa possa agir alegre e livremente no palco do mundo e que é essencial ter a “habilidade para exibir um ego que os outros possam valorizar” (“put forth an ego that others can value...”). Leiam The Birth And Death Of Meaning, é um baita dum livro.
Por isso toda essa Experiência Oficina soou pra mim quase como um convite à libertação... Do quê? Dessa vergonha maldita. Dessa insegurança. Desse medo da exposição ao olhar do outro, à mente do outro... Eles dizem: você não precisa ser bonitão, sarado, ter o corpo mais lindo desse mundo; pode sim senhor ficar pelado e não ter vergonha de ter o corpo que tem! Não tenha vergonha de quem você é, e de assumir quem você é, e de se deixar ver como você é! Essa deliciosa liberdade de não ter medo do ridículo. Essa deliciosa liberdade de poder dizer: “foda-se o que os outros vão pensar! Foda-se se eu vou parecer ridículo aos olhos deles! Foda-se essa escravidão da timidez, da covardia, do medo! Quero ser eu e me deixar ser eu! Quero viver e me divertir e dançar e rolar no chão e berrar my guts out e fazer coisas loucas, e foda-se se não gostarem!”
Pois então: eu preciso urgentemente me tornar um sem-vergonha!
Abaixo o pudor!
Avante, Oficina!
Viva a sem-vergonhice!
:D
sábado, 2 de dezembro de 2006
domingo, 26 de novembro de 2006
"Para ficar sábio é preciso ser discípulo da morte.
É preciso olhar para o abismo face a face, para compreender que o outono já chegou e que a tarde já começou. Cada momento é crepuscular. Cada momento é outonal. Sua beleza anuncia seu iminente mergulho no horizonte.
São apenas duas as coisas que a morte nos diz de sua beleza crepuscular, resumo de toda sabedoria: Tempus fugit, portanto, Carpe diem."
RUBEM ALVES, As Cores do Crepúsculo
- um tributo -
Sem sombra de dúvida, A Sete Palmos foi a melhor série de TV que eu já vi - a que mais marcou, a que eu mais adorei (sem reservas! incondicionalmente!), a que tem os personagens mais queridos... Pra quem não conhece, apresento: criada por Alan Ball (o roteirista vencedor do Oscar por Beleza Americana) e produzida pela HBO americana, a série retratou a vida de uma família dona de uma casa funerária. Foram 5 temporadas, 63 episódios, alta qualidade all the way. A Sete Palmos falou sobre a vida e sobre a morte, sobre o amor e ódio, alegrias e tristezas, tragédias e comédias, sempre de um modo poderoso, intrigante, corajoso, inteligente, sensível, reflexivo, poético, bem-humorado, doloroso e mais trocentos outros adjetivos do Bem... Pra mim, isso aqui é infinitamente superior a 98% de tudo o que é produzido na TV atualmente. Mais que isso: foi uma das melhores coisas que eu já vi em termos de audiovisual. Mais ainda: é uma das OBRAS DE ARTE que eu mais admiro dentre todas que já conheci, incluindo aí literatura, música, cinema, pintura e tudo mais. Se A Sete Palmos fosse um filme (um filme de 63 horas de duração!), seria o melhor filme que eu já vi.
* * * *
Morrer é muito fácil. Ficar imaginando todos os diferentes modos de morrer é uma experiência que pode ir até o infinito. Um vaso que se rompe no meu coração. Um tijolo que despenca de uma construção. Um carro em alta velocidade que me pega desprevenido numa esquina. Uma bala perdida achando um alvo na minha cabeça. Um vírus, bactéria ou ameba que, de uma hora para outra, invade e corrói por dentro o meu corpo. Um assalto na esquina de casa e uma punhalada no meu peito por uma nota de 10 reais. Um tropeção e minha cabeça se chocando contra uma quina. Morrer é tão, mas tão fácil...
É simples assim: de repente, sem aviso, sem volta, tudo pode se acabar... Estaremos vestindo o paletó de madeira, clientes de ouro de uma casa funerária, prontos para sermos jantados por microorganismos em nossa fedorenta morada eterna, debaixo da terra... C'est fini.
Verdades cruéis que seria preferível esquecer, certo? Verdades que é melhor enterrar, não notar, não reconhecer... Mas não: A Sete Palmos não permite essa cegueira. Quem entra nesse universo vai ter que se confrontar com a Morte - porque ela, aqui, é Onipresente. Quem penetra no universo de Six Feet Under tem que olhar face a face pro abismo. E quem sabe isso não é importante?
Os começos de episódio, todos eles, sempre retratam uma morte - algumas vezes com uma crueza total, algumas com um humor negro sutil... - acabando por constituir um repertório imenso de mortes. Mortes estúpidas e absurdas, repentinas e cômicas, bizarras e angustiantes... mortes de todos os jeitos. O efeito geral, quase sempre, é nos fazer sentir na pele aquela terrível angústia de sentir: caramba, como a vida é idiota! Como nossos corpos são frágeis! Como é fácil morrer!
Six Feet Under tem esse lado meio "sádico", revoltado e completamente anti-kitsch: é o tipo de obra de arte que quer trazer à tona, sempre, tudo o que a vida tem de difícil, de absurdo, de grotesco e de revoltante. E isso numa série de TV americana é um prodígio. Quase um milagre. Porque existem poucas coisas mais kitsch em todo o domínio da produção cultural contemporânea do que os seriados americanos, falando em geral: eles conhecem com perfeição a arte de varrer pra baixo do tapete tudo que é feio, sujo ou angustiante...
E uma das coisas que me dá asco na maioria das séries de TV e nessas nojentas sitcoms e novelinhas americanas é que tudo ali é asséptico, higiênico, limpinho; tudo feito só para divertir; tudo pensado como mero passatempo. Não foi feito pra mudar a vida de ninguém nem pra servir como expressão espiritual de um artista criador; foi feito pra ver, fazer rir e esquecer. Tudo volátil.
Eu sou um chatão, eu sei, mas não consigo ver lá com muito bons olhos algumas séries super adoradas que um monte de gente fica babando ovo por aí. Por exemplo, pra pegar dois pesos-pesado: Friends e Sex And The City. Consigo curtir as duas, claro - não sou assim tão metido a profundo que num goste de uma idiotices de vez em quando. Dou minhas risadinhas com elas. Passo alguns minutos legais frente à telinha. Mas é só.
Friends, pra mim, depois de um tempo, ficou parecendo uma asquerosa festinha histérica de uns yuppies burguesinhos irritantes. Me deixa meio puto tudo que é alegrinho demais... Me irritam aquelas risadas falsas a cada 15 segundos, no fim de quase todas as falas, nos induzindo a responder com riso ao riso, como ratos de laboratório (estímulo -> resposta, estímulo -> resposta...). No mundinho artificial de Friends, ninguém nunca sofre de verdade, ninguém nunca morre do nada, ninguém passa fome em todo a galáxia e não existiram nem Auschwitz, nem Hiroshima, nem Guerra do Iraque nem mortalidade infantil monstruosa na África nem nada de FODIDO. E aqueles putos sempre têm uma frasezinha espertinha e engraçadinha para dizer! Sempre ficam exibindo como eles são cools e simpáticos! A vida não é assim. A minha pelo menos não é. E nem tenho vontade que seja. Deus que me livre de desejar uma vida parecida com a de Ross, Chandler, Monica e todo o resto daqueles personagens uni-dimensionais, mecânicos e yuppiezados...
Já o Sex and The City (mas eu devo dizer que só assisti uma meia dúzia de episódios, depois enchi o saco...), quase sempre está muito contaminado com um certo cinismo que me dá um nojo danado. Não gosto de ver o mundo como um gigantesco açougue onde tudo é sexo, vaidade, ambição, falsidade, competição, sedução e luta por popularidade... E tem todo aquele lance do glamour, do mundo da moda e da alta costura, umas burguezices nojentas que me dão engulhos... Aquilo lá é um "retrato da nossa geração"? Uma geração que acha que o Amor não existe, que tudo é "pegação" e que homens e mulheres só devem usufruir dos corpos uns dos outros, e nada mais? Se essa é minha geração, i want out! Não gosto de ver o "romantismo" reduzido à piada e o cinismo erguido ao status de "coisa cool". E aquelas minas, tifalá, como conseguem ser um pé-no-saco... Aquela tagarelice toda, aquelas fofoquinhas, aqueles risinhos bestas! Não dá nem pra comparar o quanto eu AMO a Claire Fisher, a Brenda ou mesmo a Maggie de A Sete Palmos em comparação com as 4 chatinhas do Sex and the City.
Enfim: pra mim essas séries americanas, em geral, soam afetadas, artificiais, fúteis, metidas a espertinhas, mas sem profundidade, sem veracidade. Eu nunca consigo acreditar que aquelas coisas em Friends ou Sex and The City são pessoas de verdade: eles são construções fictícias. Elas cheiram a farsa. E eu não gosto deles nem um pouco quanto comparados com o quanto eu gosto dos Fisher.
No fim, quando acabo de ver um Friends, um Seinfield, um Sex and The City ou um Lost, fico achando que todas essas séries (e quase todas as outras, claro...) são ridículas, babacas e completamente falsas e superficiais quando comparadas com A Sete Palmos. Porque A Sete Palmos é a COISA REAL. A Sete Palmos não é televisão: é OBRA DE ARTE. A Sete Palmos não é entretenimento, diversão ou passatempo: é a VIDA retratada como ela é, cruamente, sem disfarces, sem concessões. A Sete Palmos é tudo o que a televisão deveria ser se prestasse.
* * * * *
A Sete Palmos é uma obra de arte que leva até a obsessão a mania de lembrar ao espectador aquelas verdades amargas da existência que preferimos ignorar. Todos vamos morrer um dia - eu, você e todo mundo que nós conhecemos. E os que não conhecemos também. E os que ainda vão nascer. E não podemos escolher a hora ou o jeito de nossa morte. Não podemos exigir um adiamento, uma sobrevida, uma nova chance... Ao contrário do que Bergman pôde imaginar no clássico O Sétimo Selo, quando a morte vêm não dá pra convidá-la prum jogo de xadrez e ficar enrolando: ela já chega dando xeque-mate.
O bom é que Six Feet Under nunca cai na "morbidez", no niilismo, na negação da vida. Muito pelo contrário: isso aqui é uma obra de arte afirmativa, que glorifica os esforços humanos para superar as dificuldades, transformar relacionamentos, viver de modo mais genuíno, mais verdadeiro e mais compassivo. E principalmente isso: Six Feet Under luta contra a REPRESSÃO DA MORTE nas nossas vidas. Porque é importante saber. Rubem Alves diz bem, e Camus com certeza iria concordar: "Pra ficar sábio é preciso ser discípulo da morte". É preciso manter na consciência que nosso tempo é pouco e que podemos morrer a qualquer momento - porque só aqueles que sabem que vão morrer conseguem aproveitar direito a vida que têm. Quem se acha eterno pode sempre ir deixando pra depois...
E eu acho que a arte já realizou algo de muito importante se conseguiu enfiar na nossa alma a angústia de saber que vamos morrer - essa angústia é uma angústia benéfica, criadora, vivificante! Six Feet Under faz essa benfeitoria: não nos deixa esquecer jamais, em um só episódio, que o cemitério ou o crematório é o destino final de todos nós; que um dia será o nosso corpo que estará ali naquela mesa de casa funerária, sendo embalsamado, retocado e preparado para a última exposição antes do banquete dos vermes; que somos criaturas passageiras, viajantes num barco que naufraga, e que não há tempo a perder.
O Rubem Alves tem uma frase que eu acho genial e que frequentemente me voltava à mente enquanto eu assistia A Sete Palmos: "os olhos dos vivos tocados pela morte são puros", diz ele, "porque a morte faz desaparecer do quadro tudo o que não é essencial". E isso é o mais genial nessa série e nesses personagens, ainda mais por se tratar de uma série americana, sendo que a América é o paraíso da futilidade e da superficialidade: o fato de que eles não tem nenhuma paciência ou gosto por bobagens ou por um estilo de vida baseado em "passatempo e diversão"; nada aqui cheira minimamente à complacência para com a sociedade de consumo ou com a indústria cultural que nos quer rindo como idiotas frente à televisão enquanto o Primeiro Mundo enraba o Terceiro e deixa 2 bilhões de pessoas na miséria. Os personagens de A Sete Palmos são "puros", no sentido Rubem Alves da coisa, porque a morte lhes ensinou o que é importante e o que não é.
Outra coisa: poucas séries na história retrataram relacionamentos amorosos de um jeito tão verossímil, com personagens tão densas e diálogos tão bons. O namoro e casamento de Nate e Brenda, por exemplo, é como que uma versão revitalizada e moderna do Cenas de um Casamento do Ingmar Bergman, a mini-série de 6 capítulos que o genial diretor sueco escreveu e dirigiu nos anos 70. Nate e Brenda passam pelo céu e pelo inferno, pela hostilidade mais raivosa até o entendimento mais completo, da mesma maneira que Johan e Marianne, os protagonistas de Bergman, experimentavam as diversas marés do relacionamento. E aí fica claro que uma das maiores vantagens que as séries possuem sobre os filmes é a possibilidade de acompanhar personagens por um longe período de tempo, retratando relacionamentos humanos de longa duração, o que o cinema, pela concisão que é exigida pelo meio, normalmente não permite.
A Sete Palmos não tem nada de consolador - mas é claro que a função das grandes obras de arte nunca foi consolar, dizer que a vida é magnífica e que tudo vai acabar dar certo. Pra isso inventamos a religião e a televisão - ou melhor, quase tudo na televisão. E eu adoro o modo como em nenhum momento dessas 5 temporadas e desses 63 episódios A Sete Palmos se torna "subserviente" ao público. Nunca há a preocupação de passar uma mensagenzinha consoladora e "edificante". Nunca se cria uma solução conveniente, um final feliz, uma resolução perfeita. Não.
O modo como alguns dos personagens principais são massacrados por tragédias e sofrimentos é completamente sem remissão. Essa é uma série que tem os culhões de matar alguns de seus personagens principais com a maior falta de compaixão pelo público - que vai ter que sofrer, sim senhor! A morte de Lisa, a doença de Nate, o sequestro de David, as várias desilusões amorosas da Claire, tudo é sofrimento absurdo e sem justificativa. Dá até pra dizer: Six Feet Under é uma obra de arte existencialista. Merda acontece, e não tem nenhum sentido. As pessoas sofrem, e esse sofrimento não tem porquê. C'est la vie. Se Albert Camus estivesse vivo e curtisse ver televisão (eu duvido: ele tinha muito bom gosto pra querer perder tempo com bobagens...), curtiria A Sete Palmos.
No fim, fica a mensagem: ei, pessoas, vocês não passam de pedaços de carne condenados a apodrecer, vivendo na sala de espera da morte certa, e tudo o que temos, de verdade, pra passar por esse mundo sem cair no completo desespero somos nós mesmos - só temos uns aos outros, o amor e a compaixão entre nós, e só daí tiramos nossa força.
Viva hoje como se você fosse morrer amanhã! Porque, desculpa te lembrar, mas pode ser que realmente morra...
Postado por Unknown às 19:13 |
i love her so fucking much...
Num é uma das fotos mais foda que cês já viram?
Ah, que saudades que eu já tô desses cabelos laranja da Claire, daquele Caddillac verde-melão que ela dirigia, daqueles comentários sarcásticos de adolescente rebelada, dos acessos de mau-humor, das crises de choro, da raiva contra o mundo inteiro, da melancolia... Essa mina é demais. Meu modelo de mulher de verdade. Acho que vou ressuscitar um antigo costume: o das namoradas imaginárias (mas como assim, "antigo"???) . E eu a Claire vamos ser felizes juntos... Ela vai picotar as fotos que tirar de mim pra me fazer de mosaico. Ela vai me dar de presente um pé de cadáver em todos os meus aniversários. Ela vai rolar comigo na grama, à meia noite, dia de lua cheia, sem medo da lama e do sereno. Ela vai abandonar as tendências lésbicas por minha causa. E no Natal, quando eu ficar emburradinho, como sempre fico com todo esse papo de Papai Noel e presépios com o menino Jesus, ela, minha soul sister, vai me alegrar dizendo: "In hell it's always Christmas!". Ah, Claire...
Postado por Unknown às 12:02 |
sexta-feira, 17 de novembro de 2006
Me sinto um pouquinho ridículo nessa minha pretensão de escrever um texto sobre o amor, cheio de filosofagens pretensiosas, eu que, confesso, tô muuuuito longe de ser um “sucesso” em matérias de conquistas sentimentais, relacionamentos duradouros e harmonias divinas com as outras pessoas. Tenho algum “direito” de falar algo sobre esse assunto com a minha experiência de vida tão rasa, tão limitada? Não é muita ambição não? Porque, tenho que confessar, meus únicos amores perfeitos foram com namoradas imaginárias, minhas declarações de amor normalmente são inúteis e sou um baita mestre na arte de amar em vão... Um loser pra ninguém botar defeito. Quase um Simpson. Então por que vou me meter a escrever um texto enorme sobre o Amor?
É que nossos erros, nossas lutas e nossos esforços talvez nos ensinem mais do que nossas vitórias; e pegar estradas erradas, de algum jeito, acaba nos dando uma dica sobre qual é a estrada certa. E eu, que tenho poucas certezas na vida e nem sei direito quem é que eu sou, quis me sentar pra colocar no papel isso que o título aí em cima já diz: “as lições que a porra dessa vida me ensinou sobre o amor”. Pelo menos pra compartilhar um pouco das “coisas mais importantes” que eu já aprendi – e por que diabos as pessoas em geral não escrevem sobre isso, e isso principalmente? Queria muito ler mais textos que contivessem uma espécie de “síntese” da experiência de vida de uma pessoa, mas sem que a coisa virasse aquela porcariada de livro de auto-ajuda, nem algo moralista/prescritivo onde a pessoa fica dando conselhos e dizendo: “faça como eu!”.
Esse texto aqui é um monte de “generalizações” que eu fiz com as minhas experiências pessoais, o que quer dizer que, muito possivelmente, essas coisas não vão valer pra todo mundo e que muita gente nem vai reconhecer muito dos sentimentos que eu exponho aqui. Não vou ficar contando detalhes biográficos da minha vidinha, então o texto pode acabar soando um tanto “abstrato” e “impessoal” - mas tudo vem do coração e da minha experiência vivida; não foi nada que li num livro ou que aprendi de alguém - foi a professora Vida que me fez pensar e sentir desse jeito... Espero que alguém tenha a paciência pra ler issaê e depois, quem sabe, possamos ir pro bar pra trocar umas confidências e umas gargalhadas em meio das cervejas e das bitucas.
* * * * * *
Todo mundo já deve ter vivido, mesmo seja na infância ou pré-adolescência, aquela doença alucinatória que é uma paixão. Eu, pelo menos, tinha o mau hábito de cair apaixonado à primeira vista por meninas adoráveis, e depois ficava meses só sonhando com alguém com quem eu nunca tinha falado uma palavra sequer. Depois, claro, o amor morria sem nunca ter "acontecido": eu não só não existia pra ela, como o choque seria terrivelmente brutal se eu fosse lá conhecer a pessoa real que serviu de molde pro meu sonho... Que decepção que ia ser!
Essas paixonites juvenis nos ensinam bem o quanto o "amor-paixão" pode conduzir à cegueira, o quanto ele pode fazer a gente se afundar inteiro na ilusão, o quanto pode nos fazer perder completamente a noção da realidade... E, claro, como pode doer - e doer terrivelmente. Pelo menos no começo da vida, quando as ingenuidades ainda existem em estado puro e as paixões são mais fortes, não conseguimos ver a outra pessoa como ela é: vemos só o que queremos que ela seja.
E lá se vai nossa imaginação, voando... E usamos a fantasia pra “preencher” nossa amada com todas as características que desejamos que ela tenha – embelezamos, distorcemos, retocamos... É como fabricar mentalmente uma pessoa perfeitamente adequada aos nossos maiores desejos e necessidades. E o desejo é tão grande de que essa pessoa que imaginamos exista de verdade que somos levados a acreditar na nossa própria criação. A pessoa real, muitas vezes, fica escondida atrás da nossa idealização – nem conseguimos enxergá-la. Tanto que, às vezes, quando volta um pouco do senso de realismo, a gente para e se pergunta: “mas o que é que eu amo, é ela? Ela mesmo, exatamente como é, sem tirar nem pôr? Ou é o sonho que tenho dela? A imagem dela que eu tenho no altar do meu coração enlouquecido? O sonho de tudo que ela poderia ser pra mim? O sonho da felicidade que ela me traria?"
Mas aos poucos a realidade vai se impondo. Muitos amores, claro, que nascem envoltos na ilusão, sem que as pessoas se conheçam de verdade, vão acabar morrendo. Porque o contraste entre a pessoa real e a pessoa idealizada, quando é muito brutal, mata na hora um amor. E muita gente nunca vai conseguir perdoar a pessoa amada por não ser tudo aquilo que sonhou, e logo o que era amor vai se transformar em ódio e mágoa. Deve ser por isso que existe aquela thin line between love and hate...
Mas alguns amores vão conseguir sobreviver às desilusões – e ilusões e desilusões existem em todos eles. E talvez se tornarão amores muito melhores sem essas ilusões todas. E eu acredito que o único amor verdadeiro seja o amor surgido após o extermínio completo das ilusões que você tem sobre o outro, quando você consegue conhecer a pessoa de verdade, cruamente, sem idealizações, sem embelezamentos - e ainda assim continuar amando. Esse me parece o aprendizado mais importante: aprender a amar as pessoas como são e não como gostaríamos que fossem. E pela primeira vez na vida tô meio que me sentindo capaz disso.
O amor, pelo menos na minha experiência, também tem muita relação com a esperança, com um futuro todo doce que sonhamos pra nós mesmos... E isso é um perigo - pelas decepções imensas que isso pode nos causar. Porque não é só a pessoa presente que amamos, mas as possibilidades que essa pessoa “contêm”. Que amor nasceria sem essa esperança de que a vida iria melhorar se estivéssemos junto com a pessoa amada? Que amor consegue nascer sem o combustível que é dado pela imaginação de futuros melhores e mais felizes?
Claro que a gente ama a presença da pessoa, a companhia da pessoa, mas também ama o futuro que imaginamos com ela. Isso ficou muito claro pra mim no último dos meus amores: amei a idéia do que a gente poderia viver juntos, amei o sonho de todas as risadas que riríamos até arrebentar, todos os choros que choraríamos um no ombro do outro, de todas as memórias que iríamos compartilhar, de todas as alegrias que iríamos experimentar, todas as tristezas que iríamos nos consolar, de todos os problemas que juntos iríamos enfrentar, de todos os shows que juntos iríamos pular, de toda essa vida que iríamos juntos viver... Foi tudo um sonho, um imenso sonho, um amontoado de sonhos se sucedendo e empilhando... Sim! Mas esses sonhos foram combustível para um amor que eu não posso chamar de sonhado – foi amor real...
* * * * *
Eu sei: o medo de amar é muitas vezes muito maior do que a vontade de se entregar. É preciso uma enorme coragem pra se arriscar a algo que não tem garantias de que dará certo. Por isso muita gente vai preferir a prudência de nada ousar, e vai preferir a “segurança” e o “conforto” ao invés da aventura e do perigo. Porque o amor é uma aposta e um perigo, é claro: nunca há a certeza de que vamos ganhar.
Mas, nesse caso, acho que ficar prevendo catástrofes e imaginando todas as possibilidades de desastre não serve para nada – só pra nos paralisar, nos engessar e nos fazer perder uma chance maravilhosa de renovar e melhorar a vida. O pessimismo, nesse caso, me parece um crime que uma pessoa comete contra si mesma – e um crime que eu cometi contra mim mesmo por muitos anos. Por imaginar que um relacionamento não dará certo, ou por medo de que talvez viria a se machucar, a pessoa desiste de início de se entregar a um amor, sem nem antes ter sequer tentado fazer ele acontecer e funcionar. Pelo medo de que “não vai dar certo”, a pessoa fica de braços cruzados, derrotada de antemão, sem fazer o mínimo esforço para que dê certo. Todo pessimista tem um pouco de preguiçoso e de medroso – fica profetizando desgraças só pra se dispensar de agir e de se esforçar.
E assim muitos de nós nunca teremos a ousadia de apostar num amor - e ele vai ficar pra sempre preso naquele triste espaço do universo que é a Galáxia das Possibilidades Não Concretizadas... E aquele amor vai ficar lá e apodrecer, à espera do salto que não demos, ao alcance da mão que não estendemos, aguardando inutilmente pela coragem que não tivemos e pela sábia loucura que não ousamos...
É sempre o maldito do medo de nos machucarmos que nos faz ser esses covardezinhos patéticos que perdem muito de bom na vida porque não agüentam a idéia de sofrer um pouquinho - ou um monte, não importa. Temos medo de nos conectar muito fortemente a alguém e depois ter que passar pelo sofrimento indescritivelmente doloroso de perder esse alguém - pela morte, pelo murchamento do sentimento, pela distância, pelo tempo, não importa. E é sempre assim: quem já se machucou demais com uma perda desse tipo fica com um “trauma”, cria um “mecanismo de defesa”, acaba por erguer uma parede contra novos amores... Meio que pensa: “pra que vou me ligar a alguém, se essa conexão está condenada a ser destruída, cedo ou tarde? Pra que me ligar, se isso, no futuro, vai me fazer sofrer?”
Mas quer dizer então que a possibilidade remota de um sofrimento futuro deve nos fazer desistir de algo que pode nos fazer a vida - a vida presente! - maravilhosa? Sou mais o estilo de vida “deixa o amanhã pra amanhã, viva o que é bom hoje!” Sou mais a coragem de quem aceita encarar o sofrimento, se entrega à aventura, ao invés de ficar sempre com o pézinho atrás, protegido atrás da fortaleza... “Life is pain! Get used to it!”
* * * * *
Tem também outra coisa. Me parece cada vez mais claro que uma pessoa com uma auto-estima baixa demais, que está sempre se auto-recriminando e se achando um lixo, nunca vai conseguir concretizar um amor de verdade. E olha que eu sei do que eu tô falando... O que, pensando bem, me parece uma das coisas mais tristes da vida: justamente as pessoas que mais necessitam de amor são as que tem mais dificuldade em consegui-lo. Precisam ser amadas para conseguirem se amar; mas para serem amadas, precisariam já se amar, pelo menos um pouco. Como escapar desse círculo?
Não sei se você, caro leitor, é aquilo tipo de pessoa narcisinha o bastante pra sempre olhar no espelho e se cumprimentar com um “e aí, bonitão?!” Mas a minha experiência de vida é bem diferente, e acho que eu não estou assim tão sozinho... Porque tem dias que a gente acorda, se olha no espelho e simplesmente não gosta nem um pouco do que vê. Tem vezes que a gente se contorce de nojo frente ao nosso próprio rosto e nosso próprio corpo, como se tivéssemos frente a um rato ou uma barata, e se sente feio. Tão feio, tão sem graça, tão sem sal, que saímos pelo mundo sem ter a mínima confiança de que alguém conseguiria nos amar. Quem amaria algo assim tão insosso, tão horrível, tão sem charme?
E, claro, acontece também de nos sentirmos feios por dentro – quantas vezes não nos achamos uma pessoa assim tão boa, assim tão nobre, assim tão simpática, assim tão inteligente, quanto um monte de “gente melhor” que vemos ao nosso redor? E que direito temos, então, de pedir por um amor que sentimos não merecer?
Mas esse sentimento tem algo de muito positivo. É um sofrimento terrível, claro, um dos mais desesperadores que eu já conheci: achar-se tão feio, por dentro e por fora, a ponto de achar que o amor dos outros nunca poderia nascer... E acho que isso não tem nada a ver com ser “feio de verdade” ou realmente não ter “virtudes”, porque muita gente que é considerada “bonita” e “boa” sente-se, por dentro, como se fosse feia e má.
Mas esse sofrimento, como todo sofrimento, pode servir como uma excelente mola propulsora que nos empurra para uma transformação, uma evolução, um progresso pessoal. E cada vez me parece mais certo que uma pessoa só cresce sob a pressão do sofrimento e que ninguém aprende a viver direito sem antes ter sofrido, e sofrido pra caralho. Pelo menos no meu caso, esses sentimentos horríveis de falta de confiança e de auto-estima me empurraram no caminho da auto-superação. Meio que passei pela fase chorona do “eu-não-mereço-o-amor-dela” (buááá), do “ela-nunca-vai-ser-feliz-comigo” (buááá), do “nunca-vou-satisfazer-todas-as-expectativas-e-desejos-dela” (buááá), e passei pra outra coisa. Surgiu um desejo, muito mais positivo, de me melhorar, de tentar ser a cada dia uma pessoa melhor, mais generosa, mais justa, mais gentil, mais preocupada com os sentimentos e necessidades dos outros, mais correta, mais simpática, mais doce, mais amável... tentar ser o melhor que eu posso ser para que enfim possa merecer esse amor que eu peço...
Tem uma cena que eu nunca esqueci do “Melhor é Impossível”, aquela comedinha romântica adorável com o Jack Nicholson e a Helen Hunt. Eles estão num restaurante, e ela, irritada por estar com um sujeito que parece completamente rabugento, frio e insensível, pede a ele que tente – pelo menos tente! - fazer um elogio pra ela. E ela se surpreende – positivamente! – quando ele diz: “You make me wanna be a better man....” E pelo menos isso o amor costuma fazer por nós (ou pelo menos fez isso por mim): nos dá esse desejo de melhorar. Então obrigado, amor... pelo menos você fez isso por mim: me fez crescer ao me fazer desejar ser um homem melhor! E espero ter conseguido, pelo menos um pouco. E espero continuar tendo a vontade de seguir subindo.
(Aliás, abrindo um parênteses filosófico: Não conheço nenhum jeito melhor para instigar o desejo pela vida virtuosa no coração dos homens do que fazer nascer neles esse desejo de merecer ser amado. Me parece muito mais eficiente como uma mola propulsora do que o tal do “imperativo categórico” e do “respeito desinteressado pela lei moral”. Porque, sejamos realistas: a gente só faz o tal do Bem porque queremos ser admirados e amados. Simples assim. Por isso que eu concordo com os filósofos que dizem que o fundamento da ética é o desejo de adquirir o sentimento de DIGNIDADE. E o que é se sentir digno além de se sentir digno de ser amado?)
* * * *
Outra coisa: em matérias de amor e em todas as outras matérias, acho que convêm não ser lá muito ingênuo e não alimentar esperanças exageradas. O velho mito romântico/platônico de que existe em algum lugar a minha “metade perfeita”, com quem o encaixe seria perfeito como o de uma chave numa fechadura, que me faria completamente pleno e feliz, é obviamente uma idiotice, um sonho ridículo, uma quimera impossível de concretizar... Já tô grandinho demais para acreditar em paixões constantes e perpétuas, em grandes casos de amor recíproco e sem brigas, em “fusões” místicas deliciosas que duram toda uma vida... Isso é tudo conversa fiada. A vida é mais difícil. Mais que isso. A vida é FODA. E foda pra caralho. Mas eu não gosto de coisas fáceis. Qual seria a graça? Life is so fucking hard, but i wouldn’t have it any other way...
Sou daqueles que acha que 95% dos casamentos não tem porra nenhuma a ver com o amor – e que, se ele existiu no começo, foi substituído por um imenso TÉDIO, pela INÉRCIA, pela SUPORTAÇÃO. Pessoas casadas normalmente não se amam: se suportam. Acho cômico que alguém ache que é porque as pessoas se amam que elas continuam casadas! Rá! Até parece... É quase sempre porque estão acostumadas com isso, estão seguras e confortáveis com sua infelicidadezinha cotidiana, pois não querem se aventurar – enfim, porque já estão meio mortas por dentro.
E também acho que uns 90% dos namoros por aí não tem nada a ver com grandes amores recíprocos. Muitas vezes é só vaidade, só diversão, só uns relacionamentozinhos patéticos. Como disse bem um amigo meu dia desses, muito cara por aí usa a namorada como um “trofeuzinho” que ele desfila por aí, pra mostrar pro mundo sua “posse” – tudo vaidade...
Mas eu não sou completamente descrente. Me considero ainda razoavelmente romântico – ainda ouço Teenage Fanclub com muito gosto, ainda sou fã de Antes do Pôr-do-Sol e ainda acredito que o futuro ainda me reserva um grande amor correspondido. Não sei se vai ser com a pessoa por quem eu passei os últimos meses caidinho e fascinado, mas eu tô tendo a coragem de ser otimista e acreditar que, cedo ou tarde, ainda vou encontrar alguém que me quer.
Acredito sim num amor que possa ser duradouro, mutuamente gratificante, que permita que as duas pessoas tenham suas vidas independentes, mas que permita também que seus destinos se cruzem, se mesclem, se unam... um amor que talvez seja muito mais próximo da amizade do que desse lance todo possessivo e grudento das “paixões”. Faz muito tempo que eu acho que o ideal, de verdade, não é “comer a gostosona”, não é arranjar uma namorada ultra sexy e que todos os homens invejariam, não é ter um relacionamento com a pessoa por quem você sente maior atração física e tesão – não. Pra mim, o ideal seria namorar a minha melhor amiga. E se a minha melhor amiga acontecesse de ser uma mulher bonita, tanto melhor! :)
Mas esse amor aí, duradouro e mutuamente gratificante e que conserva a independência das duas pessoas, eu acho que só pode nascer depois de muita luta, muita convivência, muito esforço dos dois lados, muito conhecimento mútuo, e, principalmente, MUITA VERDADE. Acredito que um amor de verdade só existe entre duas pessoas que se dizem toda a verdade, que sabem tirar as máscaras uma frente à outra, que sabem confiar e serem confiáveis o bastante para que uma intimidade possa se estabeleçer. Só assim vão ser capazes de se conhecer e de se compreender – e compreender, pra quem é sábio o bastante, é sempre o primeiro passo para perdoar. E perdoar, talvez, um dos maiores pré-requisito para amar...
É preciso perdoar o outro por ser somente o que ele é, e não o sonho que dele tivemos. Perdoar o outro por não poder nos dar a Felicidade assim, de mão beijada, como uma graça dos céus. Perdoar o outro por ele não fazer a vida inteira dele orbitar ao nosso redor. Perdoar o outro por nunca poder dissipar completamente a nossa solidão – porque é outra ilusão acreditar que o amor é capaz de matar, e matar pra sempre, a solidão. Ela sobrevive, retorna, volta pra nos visitar, cedo ou tarde... porque a solidão é um boomerang. Mas o amor é o antídoto - e o único.
* * * * *
Nada nesse texto chega perto de ser, de verdade, uma “certeza” - e eu ainda tenho muitas lições a aprender da porra da vida. Mas pelo menos tem algo que eu posso dizer de coração, com toda a convicção:
Cada dia eu sinto mais que, no fundo, a única coisa que realmente importa é o amor daqueles que viajaram conosco, encosta abaixo, nessa estrada zigue-zagueante e vertiginosa da vida... a única coisa que realmente vale a pena é o amor dos que nos acompanharam nessa aventura maluca e incompreensível que vamos enfrentando, cambaleando, pela Terra... a única coisa que conta é o amor dos que nos testemunharam viver! Sem isso a vida não tem o menor sentido.