quinta-feira, 5 de outubro de 2006


UM DESABAFO E UM AMONTOADO DE SONHOS...

Tem dias que não tem jeito: é melhor me deixar quieto no meu canto, lambendo minhas feridas, que eu não quero papo com ninguém. Quero ficar sofrendo, na minha, sem consolo. Posso até fazer cara de dodói, meio que tentando capturar a compaixão dos outros, mas a verdade é que, se chegar perto, eu enxoto. Me deixem só com a minha dor – só quero um quarto com porta trancada pr’eu poder chorar o quanto eu quiser, até pegar no sono, até o mal-estar passar, até tudo por dentro secar...

Não sei se vejo mais sentido em qualquer coisa. Não sei se quero continuar frequentando essas aulas que assisto sem nenhum prazer, nenhuma empolgação, frente a professores que eu mal consigo admirar, me dando lições que não melhoram minha vida em nada... Por que é que minha ingenuidade tem sempre que ser assim tão judiada? Eu que imaginava que a filosofia poderia ser uma jornada de radical transformação espiritual, que eu beberia com fome e com entusiasmo as lições de sabedoria que cairiam das bocas dos mestres, que dia a dia sairia dali transformado, mais forte, mais sábio, sabendo melhor como é que se vive e quem é que eu sou... E hoje me sinto sem nenhum ânimo para, em todas essas noites, ir lá para o meu encontro marcado com os mortos. E os mortos-vivos. Todos comendo entediados – e eu também, claro, completamente entediado – esse amontoado de raciocínios gelados que podem até alimentar a cabeça e a vaidade, mas que deixam o coração murcho, murcho, murcho...

Não sei mais se quero saber de salas-de-aula, essas câmaras de tortura, essas prisões... Tô com fome de ar puro e de brisa matinal, de maresia batendo no rosto, de areia entre os dedos, de deitar na grama debaixo de árvores, olhando pro céu, e de flutuar no mar debaixo das estrelas e das nuvens... Tô hippie! Quero fazer iôga no bosque e fumar haxixe pra me conectar melhor com a Mãe Natureza! Encontrar o Brahman, atingir o Nirvana, esses troços todos... Queria uma rede estendida entre duas palmeiras, uma caipirinha nas mãos, só pra ficar lendo Osho, ouvindo Jack Johnson e vendo as meninas passando...

Não sei mais se quero saber de livros, de textos, de palavras difíceis, pensamentos complexos, toda a gabarolice intelectual... Não sei se aguento mais pessoas que só abrem a boca pra tentarem mostrar o quanto são inteligentes e capazes de lindas complicações racionais. Tenho essa fome ardente de aventura, de perdição, de beijos e abraços, de calores humanos, de insanas loucuras, de barulho rock and roll, de ficar tri-bêbado e dando risada de tudo, de perder a noção e a compostura, de conversar através das madrugadas, sem peias, sem travas, sem vergonhas, sobre tudo e sobre nada, até o Sol nascer (“milááááágre!”, gritam juntos os bêbados)...

E também não sei mais se quero saber de continuar tendo relações que ficam sempre à superfície, nas amenidades doces, na simpatia cuidadosa entre estranhos, sem nenhum esforço de perfuração e de intimidade, sem que nunca cheguemos a realmente nos conhecer nem muito menos conectar nossas vidas... Quero que desçam na minha alma – lá no lodo, lá na lama, lá no fundo... Não sei mais se suporto, mais uma vez, continuar andando pelo mundo sentindo como se nenhuma das pessoas ao meu redor realmente me conhecesse e compreendesse, sentindo que somente trombamos uns com os outros sem nunca estabelecer um vínculo mais fundo, sentindo mais uma vez como é difícil vencer os muros que erguemos para nos protegermos uns dos outros e que nos condenam, carcereiros de nós mesmos, à solidão e ao desamor... Life is so fucking lonely.

Não sei se quero mais esse blog. Pra que tanto esforço, tanta dedicação, tanto trabalho (escravo, aliás...), pra tão pouco aplauso? Vocês aí bem que podiam pagar um pouco de pau pra mim, de vez em quando (sem querer ser pidão, mas já sendo)! Pensam que não quero? Quero mais que tudo. E eu não sei se eu quero continuar aqui publicando meus textos escrotos que ninguém tem paciência de ler, feito um exibidinho que fica aí mostrando seus “conhecimentos” e sua “habilidade linguística”, sem sentir que eu faço qualquer diferença. Não sei se quero continuar sentindo como se qualquer coisa que eu escrevesse não tivesse absolutamente nenhuma consequência.

Não sei mais se quero trabalhar, eu que nunca trabalhei, inútil como poucos conseguem ser. Não tenho nenhum ânimo pra procurar trampo, “vender meu peixe”, fazer auto-propaganda... e também nenhum desejo de ser como os outros são. Nenhuma vontade, absolutamente nenhuma, de ser um empregado de alguma empresa, obedecendo a ordens, escrevendo o que me mandam escrever, robotizado por um cotidiano de produção capitalista, tudo pra no fim do mês enfiar na carteira um cheque e poder me divertir no shopping e no supermercado. Mesmo que fosse por um bom salário, sei que eu não gostaria. Num tenho absolutamente nenhuma vontade de vestir terno e gravata, passar meus dias emparedado em escritórios e redações, fingindo que acredito que dinheiro serve pra alguma coisa (can’t buy me looooooveee!) e que um emprego dá um sentido para uma vida.

Tenho vontade de ser pobre, boêmio e lunático, parecido com o Henry Miller em Paris, dormindo feito mendigo em praças públicas, sendo enxotado pelos seguranças quinêm vira-lata, gastando as madrugadas sentado nas sarjetas, com nada além de pinga barata e poesia como companhia... Quero uma vida de artista. Escrever o dia todo. Escrever bêbado. Escrever chapado. Escrever engolindo minhas próprias lágrimas, deixando fluir meu próprio sangue, sem pôr band-aid...

Quero experimentar drogas exóticas e perigosas, conquistar ao menos um abscesso pros meus braços tão castos, alucinar de ácido e ir assistir 2001 – Uma Odisséia no Espaço (ou Pokémon – menos chance de bad trip!)... Uma boa morte seria morrer de overdose (antes dos 30, evidentemente!), em um lugar cool e dark como Berlim ou Praga, em algum clubezinho tosco de punk rock, sentado na privada, seringa na carne, com meu cadáver sendo encontrado no dia seguinte à farra pelo faxineiro. Queria uma morte legal dessas. Morrer de velhice é muito demodê.

Queria que as pessoas ditas normais, pelo menos uma vez, chamassem as autoridades para me internar no hospício. Ia ser demais.

Também tenho vontade de colocar tudo o que eu tenho dentro dum quarto, banhar tudo em querosene e conclamar meu Tyler Durden para acordar e acender o fósforo. Queria não ter mais nada a perder. Nenhuma posse nesse mundo, nenhum centavo nesses bolsos, nenhuma casa nessa cidade, nenhuma algema nestes pulsos. A única coisa que eu não quero é continuar assim, sem nenhum amor nesse coração... e sem nenhuma coragem para viver meus sonhos, fazê-los acontecer, ao invés de sempre abaixar a cabeça, e dentro dela meus olhos molhados, pra me lamentar pela minha vidinha patética...

Não sei se tenho mais paciência para ter esperanças, para viver nessa eterna espera por um amor que nunca chega, nunca se concretiza, nunca me salva... Difícil contar o mesmo conto-de-fadas para um coração que, de tanto desengano e desencanto, já não se deixa enganar como fazia. “Um dia você vai achar essa menina, e ela vai te querer de todo o coração, vai te amar incondicionalmente, vai te entender por inteiro; será aquela que te completa, aquela que vai fazer sumir, pra sempre, esse buraco na tua alma...” E o coração rosna, nervoso, contra a velha lorota do “um dia...”, cansado das esperanças vãs e dos adiamentos, e exige: “quero agora! Quero hoje!” Mas hoje não tem, amigo... Hoje não tem...

No fundo, sou uma criaturinha simples e sem complicações, apesar das aparências (mas por que é que todos me olham como se eu fosse complicado?). Sou um animalzinho básico, simplório, que realmente precisa de pouco, apesar do infinito de seus sonhos... Tendo o que comer e beber, tendo oxigênio pra respirar, tendo um mundo pra habitar, enquanto minha vida durar (e fiquem sossegados: eu não tardo a entardecer...), acho que tudo de que eu preciso é um amor. Será que é pedir demais?

Estou pronto. Pronto pra devorar o mundo, esgotar a vida até a última gota, até a última loucura, até a última lágrima, até o último riso, até a última gota de sangue. Só preciso de alguém que me acompanhe no passeio – porque, como todo mundo sabe, sozinho não tem graça. Acho que só falta isso para que eu deixe tudo pra trás - tudo o que lembra morte em vida, tudo o que lembra tédio e resignação, tudo o que pesa nas costas e não satisfaz o coração! - para sair por aí, vagando leve como bolha de sabão, sem ter nada além de mim e meu amor, nada além do mundo pra experimentar, nada além da vida e minha fome de vivê-la...

Nada além de tudo.