segunda-feira, 23 de outubro de 2006

da série: FILMES DA 30ª MOSTRA DE CINEMA DE SP

"O GRANDE TRUQUE" (The Prestige), de Christopher Nolan [EUA, 2006, 130']. O filme acabou e eu já tava louco pra ver de novo. E isso num costuma acontecer com tanta frequência, ainda mais quando se trata dum filme que fui ver com expectativas altas (ou seja: com alta possibilidade de decepção!) e exigindo nada menos que uma obra-prima dum diretor de quem eu já era fã confesso. Saí imensamente satisfeito: extremamente excitante esse avanço vertiginoso numa trama que vai se complicando mais e mais; legal demais esse quebra-cabeça fílmico que parece que vai ganhando novas peças enquanto nós o vamos montando; massa pra caralho esse monte de reviravoltas e surpresas que vão mudando, repetidas vezes, toda a nossa idéia do que aconteceu anteriormente...

Só no Vertigo - Um Corpo Que Cai, o clássicão do Hitchcock, eu me lembro de me ter sentido tão boquiaberto por uma trama que não pára de surpreender - e nem cheguei a me irritar com os "absurdos" do roteiro e as partes "ficção científica" e "forçação de barra". O Grande Truque é cinema de entretenimento de primeira qualidade, conduzido com mão de mestre por um dos mais talentosos dos jovens cineastas desse mundo, atuado com perfeição por um quinteto de atores principais irrepreensível (Christian Bale, Hugh Jackman, Michael Caine, Scarlett Johansson e David Bowie! Uau!), com um roteiro que deixa a gente besta e pensando: "como é que esses putos conseguem pensar em tudo isso?". Que filme foda!

Eu, que sou fã confesso e declarado de Amnésia (Memento), um dos meus 10 filmes prediletos em todos os tempos e um dos poucos que eu sou capaz de assistir uma dúzia de vezes sem enjoar, só admiro mais o gênio de Chris Nolan depois de ter assistido esse O Grande Truque - sem falar que curti muito mais do que eu esperava o Batman Begins que ele comandou (talvez meu filme de super-herói predileto...) e o Following, seu filme de estréia, um thriller genial.

O Grande Truque, que estréia nos cinemas comerciais em 3 de Novembro, é mais uma prova cabal do gênio desse jovem inglês que tem tudo pra se tornar um dos maiores Mestres do Cinema hoje vivos. Sério. O filme funciona perfeitamente como uma diversão estilosa, um eye-candy saboroso, um hollywoodiano de classe, mas não deixa de possuir "outros níveis", mais profundos, para agradar os espectadores mais exigentes. Vale como uma análise penetrante de vícios humanos como a inveja, a obsessão e a competitividade doentia; vale como um retrato de personagens "mascarados" cujas vidas estão todas envoltas na necessidade de iludir o mundo (um ponto de contato com "Amnésia"); e, claro, como uma filosofagem bacana sobre todo o lance da mágica e do poder dela sobre nós.

Dá até pra estabelecer um paralelo de "mensagem" entre O Grande Truque e Amnésia, uma espécie de "moral da história" que é bastante similar nos dois filmes: o fato de que eles nos acusam, a nós humanos, a todos nós, de preferirmos as ilusões confortáveis e radiantes às verdades cruéis e árduas. Toda a atração da mágica não está em qualquer verdade que ela nos conta, é claro, mas na ilusão que ela induz - o que é bastante óbvio numa arte cujo sinônimo é "ilusionismo". Mas o que falta sublinhar é: nós gostamos de mágica justamente porque nela somos enganados, ludibriados, iludidos; e se soubéssemos a verdade, se o truque nos fosse desvendado, tudo iria, num piscar de olhos, perder completamente a graça.

Claro que temos uma imensa curiosidade para saber como é que esses caras, os mágicos, aparentemente sobre-humanos e eleitos pelos deuses, conseguem fazer todas essas coisas espantosas - mas essa curiosidade, se satisfeita, só nos decepcionaria. É por isso que David Blaine era muito mais legal que o Mister M - cês num acham? De qualquer jeito, Chris Nolan insiste nessa mensagem de que nós fugimos da verdade e procuramos a ilusão - e usa um filme sobre mágica como um exemplo supremo de um domínio onde a verdade não tem graça. Quem soube prestar atenção ao Amnésia também sabe que no caso de Lenny, o personagem principal, a fome de (auto)ilusão também é o que o move e a grande maioria de seus atos é uma tentativa de não descobrir a verdade sobre si mesmo e sua vida.

Quem já aprendeu um ou outro truque de magia e já conseguiu fazê-lo com sucesso na frente de alguém sabe bem o tamanho do "barato" que dá esse tipo de coisa... e não são poucos os que tem sonhos infantis - eu tinha os meus... - de se tornarem mágicos quando crescerem. Fácil ver porquê: a gente imagina o imenso poder que teria sobre os outros se tivesse em mãos esses segredos: a capacidade de ser admirado, de ser tratado como alguém "especial", detentor de capacidades sobre-humanas, quase um semi-deus... Talvez por isso, numa das últimas cenas do filme, quando os dois mágicos inimigos estão em seu último duelo, Angier diga a seu opositor que toda essa luta e sacrifício não tinha sido só por ambição ou por egotismo; era uma luta por conquistar, no olhar do público, aquele brilho, aquela chama, aquela inexplicável alquimia que faz com que eles vejam a vida como algo de fascinante e cheio de magia...

Não sei se foi consciente e intencional, mas O Grande Truque também pode nos fazer estabelecer uma analogia - até meio clichê - entre o cinema e a mágica. E talvez Chris Nolan considere seu papel de cineasta quase como o de um mágico, tentando fazer com que surja em nós, através desse espetáculo de imagens em movimento e de acontecimentos extraordinários e inacreditáveis, aquele gaze of amazement que é o que tantos cineastas procuram instigar no público... E, falando por mim, ele conseguiu ser imensamente bem sucedido: poucas vezes saí do cinema tão envolto na famosa "magia do cinema". Como diziam os Pixies: "I'm amazed!"

(9.3 / 10.0)

p.s.: Ver o rostinho da Scarlett Johansson, com aqueles olhinhos verdes mortíferos, aqueles beiços carnudos e aquelas pintinhas charmosas, projetada gigante numa tela de dezenas de metros, é uma porra duma EXPERIÊNCIA ESTÉTICA de tirar o fôlego... Dava vontade de levantar do assento e gritar pro projecionista dar um PAUSE só pra gente ficar uns 5 ou 10 minutos admirando a Scarlett no freeze. Pô, tem nêgo que fica olhando meia hora pra Monalisa, aquela baranga... por quê não 10 minutos de CONTEMPLAÇÃO dessa outra obra-prima, Miss Johansson? Ela é a Marilyn Monroe da nossa geração! :D