terça-feira, 30 de setembro de 2008

:: perguntas ::


me diga, a rosa está nua
ou tem apenas esse vestido?

por que as árvores escondem
o esplendor de suas raízes?

por que choram tanto as nuvens
e cada vez são mais alegres?

o que ainda paga o outono
com tanta nota amarela?

as lágrimas que não choramos
esperam em pequenos lagos?

que distância em metros redondos
há entre o sol e as laranjas?

não crês que os dromedários
guardam luas em suas gibas?

não a semeiam no deserto
com persistência clandestina?

e o mar não está emprestado
à terra por curto prazo?

não teremos que devolvê-lo
com suas marés à lua?

canta a terra como um grilo
em meio à música celeste?

não será nossa vida um túnel
entre duas vagas claridades?

ou não será uma claridade
entre dois triângulos escuros?
.
.
.

a quem posso perguntar
que vim fazer nesse mundo?


(pablo neruda. o livro das perguntas.
tradução de ferreira gullar.)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

:: gritos, gritos intermináveis! ::


Falei sobre os 2 showzaços sensacionais do Medeski, Martin & Wood em Sampa lá pro Grito! As fotinhas são do Marcelo Costa e o videozin lá embaixo ficou uma tosqueira só - num dá nem idéia do quanto foi FÓÓÓÓDA a piração astronáutica-vanguardística-hipnótica desses três malucos aí em cima. O Bernies gravou tudo em MP3 e logo vamos disponibilizar as 1h50min do Domingão no Deprê-diando.

Falei também sobre a comédia brazuca - meio ana-maria-braguiana e meio nelson-rodriguesca (ahn?!) "Estômago". Mas acho que forcei a barra, tentando meter devaneios sociológicos espertinhos e um tanto descabidos na resenha. Não sei se ficou lá muito bom, mas... A única desculpa é que os deadlines eram apertados e escrevi ambos os textos em menos de 50 minutos, num domingo de madrugada, logo depois do show. Próxima matéria: o TRIUNFAL RETORNO do Teatro Oficina. Tio Zé Celso, aí vou eu!

domingo, 21 de setembro de 2008

:: redação inquieta ::



DEVANEIOS SOBRE "REDAÇÃO INQUIETA",
LIVRO DE GUSTAVO BERNARDO


"Ler bem pode ajudar a viver, porque o sujeito se informa, se identifica, se transfere, principalmente se anima. Mas o que leva as pessoas a escrever é uma angústia diferente destas: a angústia de riscar um destino, interferir na história, se colocar no campo de jogo.

Logo, ler não é condição para escrever, mas sim munição para viver, e para escrever também. A atitude de ler é metonímia da vontade de entender o mundo. A atitude de escrever, por sua vez, é metonímia da pretensão legítima e transcendente de transformar o mundo."


Esses dias tive uma das mais intensas “alegrias de sebo” dos últimos tempos - aquela euforia quase carnavalesca por encontrar, numa prateleira não muito promissora, uma pérola em meio à lama. Eu, que ando perambulando quase diariamente pelas dúzias de sebos da Av. Pedroso de Morais, que fica pertinho do trampo, deparei com um livro que muito procurei e achava que nunca iria encontrar. Tava ali, abandonado e carente, sem chamar a atenção de ninguém, disponível por uma dúzia de módicas unidades reais, o Redação Inquieta, do Gustavo Bernardo – a obra que contêm um dos textos que mais me marcou na vida, nos áureos tempos juvenis onde eu ainda tinha a sensação de penetrar em certas páginas como se passassse por um portal em direção a um reino todo de sabedoria.

O texto “Espelho” (leia abaixo) caiu em minhãs mãos uns 10 anos atrás, num velho xerox que o professor Robinson Bucci, vulgo Tibúrcio, passou pra turma no primeiro ano do colegial, prodigalizando elogios às idéias ali contidas. Gostei naqueles tempos, gosto até agora: um texto de estimação. Acho tudo o que ali se diz extremamente pertinente e profundo - e melhor: dito em linguagem simples e límpida, compreensível por qualquer um. Acho mesmo que os livros que lemos, os textos que escrevemos, podem (e devem!) servir de espelhos, clarificando mais ou menos a resposta para as perguntas fundamentais: “quem sou eu? De onde vim? Pra onde vou? Que diabos estou fazendo aqui?” Questões irrespondíveis, mas enigmas inevitáveis.

Na época em que li este texto pela primeira vez, eu ainda não tinha um Diário e provavelmente, se me perguntassem, diria que achava isso uma baita coisa de maricas, de desocupados ou de menininhas sentimentalóides – e por que eu me ocuparia com algo tão besta? Quando era pivete, sempre tinha me saído bem nas redações escolares, e às vezes era até convidado pra transcrevê-las nuns cartazes enormes, decorados com borboletinhas, sóizinhos e outras viadices, que ficavam colados na parede da sala para dar um “bom exemplo” para os que escreviam mal. Mas disso nunca me gabei - me envergonhava, até. Nunca tinha me preocupado muito com isso - só escrevia se obrigado, na prova ou na lição de casa - e não tinha ambição alguma de me tornar escritor, que me lembre. Só ficava feliz de passar com 10 em Redação com tanta tranquilidade, enquanto era um trabalho de Hércules não ser chutado para a recuperação em Matemática...

Anos depois, quando as angústias e solidões da adolescência foram se acumulando, as dúvidas existenciais se exacerbando, as dores de amor desesperando, me vi procurando de repente este auxílio tão imprevisto: o do papel. Como quem descobre uma nova droga, um novo remédio, um novo brinquedo genial, descobri que eu podia fazer magia dentro de mim mesmo escrevendo. E bastava escrever: não precisava mostrar aquilo pra ninguém. Não precisava ser admirado pelo que tinha composto. Não escrevia pedindo por palmas. Como quem chora no escuro de um quarto trancado e depois se sente mais leve, eu escrevia minhas intermináveis e piegas dores até que tudo por dentro ficasse mais leve e pacificado.

Aliás, foi uma excelente precaução esta, a de manter tudo bem guardadinho no esconderijo... “Acontece de pensarmos borbotões de coisas, e se expressarmos o borbotão todo nos internam rapidinho” (pg. 36). Se alguém me tivesse roubado o Diário adolescente, eu provavelmente teria passado uma temporada adolescente no hospício ou no Prozac. As ôtoridades se assustariam. Mamãe e papai ficariam chocados. A diretora da escola provavelmente pediria minha transferência, achando que eu tinha uma personalidade muito Columbine e que qualquer dia podia entrar na sala com uma metralhadora e fazer miséria numa carnificina daquelas...

Se eu não escrevia para ser lido, então pra quê? Escrevia pelo desabafo, pelo transbordamento, pela liberdade de dizer tudo aquilo que me afligia, me revoltava, me indignava, me fascinava, me desconcertava, me oprimia - e que eu, na Sibéria da adolescência, sem muitos amigos, sem namorada e sem nenhum diálogo familiar, não tinha pra quem dizer. Era o meu modo de não explodir. O meu modo de não me matar. A única coisa que deve ter me impedido de imitar Kurt Cobain e Ian Curtis, de quem eu era tão fã quando tinha 16 anos de idade, deve ter sido a descoberta da catarse psíquica imensamente purificadora que um Diário realmente secreto possibilita. Foi ele que me impediu de morrer. E foi ele que me permitiu viver melhor. Tão melhor.

Não vai entender isso quem nunca escreveu uma carta de suicídio. Se eu já? Muitas. Não que eu tenha preparado o revólver, a cicuta ou a forca e tenha me posto a escrever um bilhete de despedida. Não foi assim. Mas sempre que cheguei ao fundo do poço, na maior das fossas, consegui me reerguer assim: escrevendo, como um maníaco, toda aquela bile negra que me contaminava a alma, tudo o que eu nunca tinha dito a ninguém, tudo o que ninguém nunca tinha se interessado em receber, com uma intensidade tamanha que só consegue aquele que não acredita mais que exista um amanhã. Hoje tenho uma teoria maluca: os suicidas só se matam pois não sabem escrever boas cartas de suicídio. Pois uma boa carta de suicídio, com um desabafo realmente extremo, uma tempestade do inconsciente genuinamente chovida, salva e purifica. Os céus nublados da minha alma, eu os limpo através da chuva de palavras.

“O diário corresponde, na fala, à conversa com os próprios botões. (...) A conversa consigo mesmo, da qual as crianças são mestras, indica claramente a presença de uma falta. Um tanto paradoxal esta expressão: 'presença de uma falta'. Porém, precisa. A falta que todo homem carrega consigo o tempo todo, tanto dos outros quanto daquele que ele podia ser mas ainda não é, se faz uma presença viva, perceptível no papo das crianças com seus amigos imaginários, no sonho dos adultos com seus desejos frustrados, na insônia dos apaixonados em suas camas de solteiro. A falta que todo homem carrega consigo o tempo todo é aquela que explica e dá sentido a boa parte dos seus atos e lapsos. Eis a palavra, testemunhando a ausência e a falta. A falta depositada nos diários testemunha a falta do autoconhecimento e, é claro, a necessidade de auto-afirmação. Mas não nos falta apenas conhecer-nos. Falta-nos conhecer a todos e tudo.” (31)

E foi mais ou menos assim que finalmente entendi perfeitamente todo hino em louvor ao “Diário” que tinha feito o Professor Bernardo. Que isso de ter um Diário não significa escrever dia-a-dia o que se comeu no café-da-manhã ou a cor da camiseta que se vestiu - futilidades assim nunca vão salvar ninguém. Mas sim derramar os recantos mais profundos da mente sobre aquela tela branca do papel, onde vai ficar desenhada uma imagem que talvez sirva como espelho - ou mesmo como bóia deopis do naufrágio. Descubro quem sou ao escrever-me. A sensação é a que fui um desconhecido de mim mesmo até que, dessa massa confusa e escura de sentimentos e memórias e desejos, conseguisse algum tipo de ordenação e de faxina e de purificação – através da escrita. E isso se tornou um vício – um lindo vício. Mais terapêutico que o divã. Mais essencial que pão.

"Quem faz diário escreve para se afirmar, para se equilibrar frente aos desafios do dia - desafios propostos pelo outro, ou pela rua, ou mesmo por suas dúvidas mais íntimas. Escreve para se responder quem é. Ao fazê-lo, empresta uma forma a sentimentos confusos, e a partir de então descobre o que sentia, pois o gesto de escrever lhe disse."

Perfeitamente dito: dou forma a sentimentos confusos e descubro com clareza o que sentia com confusão – pois o gesto de escrever me conta sobre mim. Frente a isso, que bestice parece aquele pedaço de vidro refletor que tenho no banheiro e que só me deixa ver minha casca, meu embrulho, minha superfície! O que vejo no espelho é mero muro, casulo, casco que me esconde, como se eu fosse a tartaruga e ele o que, sólido e opaco, me reveste e recobre. É no que escrevo que eu te fato me espelho. E aí que me procuro. Mesmo que o “quem sou eu?” permaneça eternamente irrespondível. Como conhecer um rio sempre movente, que não se imobiliza para facilitar o serviço do investigador? Seria mais fácil entender as estátuas e as pedras. Mas prefiro o destino de nunca me entender por completo, podendo estar sempre no meu rastro, Sherlock Holmes do meu próprio mistério, vivendo a vida livre das correntezas e das cachoeiras, e em eterno estado de perplexidade.

* * * * *



Sobre Redação Inquieta: eis um livro de um professor de redação, que o escreveu com um certo propósito didático, o que eu confesso não ser a coisa que mais instigue uma leitura. Mas eu o recomendo com entusiasmo. Nele o prof. Bernardo pretende devanear sobre a arte da escritura, sempre com uma visão altamente crítica de todas as fórmulas prontas e receitinhas culinárias que pretendem ensinar alguém a escrever. Ele não cai na arrogância fácil do professor sabido que vai reclamar do quanto os alunos conseguem ser incrivelmente imbecis nas coisas que escrevem, articulando mal o pensamento, repetindo frases feitas ou enchendo lingüiça de modo descarado. Que a situação seja um tanto desesperadora, não há dúvida, como mostram os “bestialógicos” que mostram alguns dos mais incríveis deslizes da moçadinha no vestibular. Na Internet se encontram muitas frases hilárias que o pessoal tem escrito por aí - como as seguintes, minhas prediletas do momento:

- “Batuta é aquela varinha que os maestros usam para ameaçar os músicos, caso estes toquem errado.”
- “Ecologia é o estudo dos ecos, isto é, da ida e vinda dos sons.”
- "As plantas se distinguem dos animais por só respirarem à noite."
- "O Chile é um país muito alto e magro."
- "A arquitetura gótica se notabilizou por fazer edifícios verticais."
- "Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor."

Claro que a culpa é generalizada, aponta ele. A culpa é da escola, “que fragmentou o conhecimento em disciplinas estanques” e que adotou um sistema de avaliação behaviorista: “a nota é igual ao torrão de açúcar e/ou ao chicote do urso amestrado. Quem enquadra se enquadra – que o digam os carcereiros, presos nas mesmas grades dos seus presos.” A culpa é da família, “que lê nada e escreve nada de nada, e depois reclama da juventude que não lê”. A culpa é do Estado, “que encosta a educação no canto das verbas, censura as poucas palavras que escapolem das universidades e dos artistas, e depois faz ironias sobre a geração da gíria”. E a culpa é do analfabetismo e da falta de leitura, males ainda tão difundidos.

“Não existe hábito de leitura porque a maioria do povo é analfabeta, ou semi-analfabeta. Não há bons livros por isso também, e pelo perigo que trazem os bons livros. Não há dinheiro para comprar pão ou livros porque vivemos num regime onde são muito secundários o direito de escolher e a liberdade de decidir, tanto quanto a de desejar. Falta de dinheiro e falta de interesse pelo mundo e pelos livros são sintomas de um grande desrespeito humano institucionalizado. A instituição do desrespeito, que "escolhe" por nós todos e a todos interdita o desejo, é o nervo da questão - e não a falta de tal ou qual hábito.”

A culpa também é a noção de que escrever é um dom ou depende da possessão por essa entidade completamente ilusória que se chama de “inspiração”. E a culpa é também da separação entre teoria e prática. “No século passado, Marx observava que o ser humano , em geral, não existe numa situação de contemplação: o modo normal do homem existir é o de uma contínua intervenção ativa no mundo. (...) A tarefa de interpretar o mundo não é anterior nem posterior, mas parte intrínseca da tarefa maior de modificá-lo.” (22-23)

A culpa também é da superficialidade da nossa expressão, sempre tão cheia de frases-prontas, sentenças populares, gírias comuns, como se só soubéssemos usar cédulas gastas, de tanto que passaram de mão em mão, sem nunca encontrarmos uma linguagem plenamente nossa, individual, idiossincrática, adequada à nossa insubstituível e só-por-nós-mesmos-expressável individualidade. “Nós preguiçosamente colhemos as sentenças emprestadas (ou furtadas) do meio à volta.... Resulta que o problema real não é apenas a dificuldade de escrever, mas sim a dificuldade mesma de PENSAR PELA PRÓPRIA CABEÇA.” (pg. 70).

Por isso o Prof. Gustavo defende o RASGO e o MERGULHO. “As primeiras sentenças que fluem da cabeça e do braço são as que se encontram na superfície de nós. São aquelas que nos transmitiram desde pequenos, as que ouvimos e lemos à volta, as que não são nossas mas estão coladas em nós. Se elas forem rasgadas, surgem outras, que devem vir de outro lugar: um lugar em que as falas do mundo se transformaram no cadinho fervente de um ego, e desde então são outras falas: as falas daquele ego. Rasgar a superfície é rasgar os traços de dependência social e mental” (pg. 38). Isso implica em RESISTÊNCIA e INSISTÊNCIA: “Resistência aos que nos querem tirar a voz para pôr no lugar uma de papagaio. Insistência no rasgar as palavras superficiais, no escarafunchar as nossas, especiais.” (pg. 40)

No fundo, Gustavo Bernardo parece assinar embaixo do que disse Nietzche: “De tudo o que se escreve, só aprecio aquilo que foi escrito com o próprio sangue”. Como discordar? “Escrever com sangue vem a ser viver o que nos corre nas veias, pondo-nos para fora, pondo-nos para o outro. E pôr sangue fora dói. Colocar a verdade pulsante que nos dá sentidos assim, para fora, dói. (...) E não nos cabe fugir da dor. Necessário se faz dialogar com ela, quase amigavelmente, de forma a, ao menos, tocar na verdade andando, pulsando. (...) O sangue do sujeito que sangra – metonímia da pessoa que se busca, independente do que possa encontrar em si, falando aos outros o que aprendeu a se dizer. Recusando repetir. Recusando se dissolver no rebanho.” (118)

Isso significa também a defesa de um discurso extremamente pessoal, que quebre completamente com a ilusão de “impessoalidade” que normalmente se pede da escritura, como quando se condenam os alunos, mesmo aqueles que tenham idéias brilhantes, só por terem dito “eu acho que...” ou por usarem abundantes pronomes pessoais da 1a pessoa do singular. O direito de um eu expressar sua individualidade e sua diferença deve ser defendido com unhas, dentes e verbos! “A luta política pela igualdade abstrata entre os homens, entre os sexos, entre as nações, pode estar nos afastando de uma luta mais radical, mais totalizante, mais importante: pela sobrevivência das diferenças, em todos os níveis possíveis.” (148)

E é aí que o livro sobe até dimensões éticas, passando a ser bem mais do que um compêndio de sugestões sobre a arte de escrever, atingindo uma especulação filosófica instigante que dá o que pensar sobre a megalomania humana, o pavor da diferença e a necessidade de uma auto-crítica constante. Deixo o trecho abaixo como mais um aperitivo de um livro que vale a pena devorar:

“Quanta arrogância, a deste bichinho bípede. À época dos descobrimentos, quando a Europa resolveu se espalhar pelo mundo, essa arrogância transformou-se em genocídio. A 'raça' européia, caucasiana, se pôs como o centro da espécie humana, num etnocentrismo de consequências claras. Frente a outras raças e outras culturas, a postura não foi de curiosidade, mas de pavor – como podia existir a diferença? Não podia, não devia. A tarefa central tornou-se a de exterminar as diferenças. As diferenças religiosas, pela violência da catequesa católica. As diferenças culturais, pela violência da escravidão e da servidão. As diferenças corporais, pela violência do álcool e das doenças 'civilizadas'. As diferenças em si, pela violência genocida, que exterminou em poucos séculos os astecas, os maias, os tupis, os guaranis, através de todas as armas referidas – pólvora, álcool, catequese, micróbios.

Creio que o pavor da diferença permanece. Vejo-o na expressão do nosso pensamento. Redações que tomam a sua própria existência reduzida como padrão universal, quando o autor decide que o seu umbigo é o centro do mundo e se recusa a investigar, a duvidar, a admitir a própria perplexidade.

Certo, é muito difícil pensar para além da experiência própria. Mas o problema não é esse. O problema está no colocar a própria experiência como a total, a central. O problema é não admitir a perplexidade. Daí, cada redação fica parecendo uma bíblia sagrada que deve ser aplaudida e seguida sem contestação pelos leitores embasbacados.

Junto com a tradição antropocêntrica, nós herdamos a arrogância. Podemos enfrentá-las, tradição e arrogância, construindo a cumplicidade entre os escritores e os leitores. Escritores se esforçando para explicitar as marcas da sua individualidade, diluindo os indicadores megalomaníacos através da auto-ironia, da preocupação auto-crítica, observando cuidadosamente os próprios preconceitos. Leitores se esforçando para se deslocarem da posição passiva, boquiaberta, buscando se relacionar com o texto e com os escritores de frente, ironizando criticamente seus conceitos complicados e seus preconceitos atrapalhados.

Mais difícil e mais importante do que criticar a ideologia alheia é observar e desvendar a própria ideologia. Saber que se fala não de um lugar desinteressado e neutro mas sim de um lugar exato, interessado, nada neutro: o lugar da nossa classe social, da nossa idade, do nosso sexo, da nossa riqueza e pobreza, do nosso conhecimento e desconhecimento, da nossa história pessoal, da tensão entre as nossas resistências e as nossas rendições.”
(205-207)

:: o papel-espelho ::


"E S P E L H O"
de Gustavo Bernardo


"Dizem que as perguntas fundamentais são quatro. Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Afinal de contas, o que estou fazendo aqui?

Se quisermos as respostas absolutamente certas, então todas elas serão irrespondíveis. Porém, se admitirmos a resposta "andando", esclarecendo um pouco ao mesmo tempo que se continua duvidando, então estaremos sempre respondendo - e sempre perguntando.

Quem sou eu? O que é "eu"? Talvez algo assim como um feixe de acontecimentos, em movimento permanente, em parte equilibrado, em parte compreensível, em parte enevoado, com todas as partes querendo e precisando equilibrar e compreender o todo. Esforço semelhante ao da bruxa madrasta: "espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?".

O maldito espelho sempre responde que sim. Sempre existe alguém ou algo melhor e mais bonito do que nós - pelo menos, aquele que um dia poderemos ser, ou aquilo que um dia poderemos falar ou fazer.

O primeiro livro que a gente lê é um dos primeiros espelhos. Onde se procuram respostas para as quatro perguntas e, em especial, para a primeira. Onde se encontra alguma coisa, mas não as respostas definitivas. Daí, alguns abandonarão a leitura para tentarem outra linguagem, enquanto outros continuarão lendo, continuarão procurando por ali. Até começarem a perceber que na outra ponta dos livros esteve um escritor, e que parte das respostas ansiosamente procuradas talvez esteja no próprio esforço de escrever as dúvidas.

Esta passagem é importante. Ler é um movimento extremamente passivo - mas um movimento, porque mexe com as imagens interiores, guardadas, reprimidas, acrescentado-lhes outras e transformando as que o leitor já traz consigo. Escrever, por sua vez, é um movimento extremamente ativo, fazendo imagens, trazendo outras ao mundo e modificando-lhes a forma - na direção de um estilo pessoal.

A relação entre escrever e ler, entretanto, vem sendo posta como mecânica, de ligação direta, levando à idéia de que uma pessoa que leia muito necessariamente escreve bem. Isto é falso.

A tese de que ler leva diretamente a escrever é defendida por aqueles que enxergam na falta de hábitos de leitura o grande problema da expressão do aluno e do povo. Como se hábito de leitura fosse a condição sine qua non para o sujeito se expressar. O raciocínio é entortado, tomando efeito por causa.

Não existe hábito de leitura porque a maioria do povo é analfabeta, ou semi-analfabeta. Não há bons livros por isso também, e pelo perigo que trazem os bons livros. Não há dinheiro para comprar pão ou livros porque vivemos num regime onde são muito secundários o direito de escolher e a liberdade de decidir, tanto quanto a de desejar. Falta de dinheiro e falta de interesse pelo mundo e pelos livros são sintomas de um grande desrespeito humano institucionalizado. A instituição do desrespeito, que "escolhe" por nós todos e a todos interdita o desejo, é o nervo da questão - e não a falta de tal ou qual hábito.

A expressão "hábito", aliás, me parece plena de conotações behavioristas e fascistas. Transfere um problema humano para uma esfera mecânica, desprovida de consciência e de desejo. Os hábitos são transmitidos por imitação e por pressão, dispensando as pessoas de escolherem este ou aquele comportamento, dispensando-as do direito e dever de escolher e decidir por si.

Ler muito não pode levar a escrever. Pode levar a ler bem - o que será muito importante, claro. Ler bem, por sua vez, pode ajudar a viver, porque o sujeito se informa, se identifica, se transfere, principalmente se anima. Mas o que leva as pessoas a escrever é uma angústia diferente destas: a angústia de riscar um destino, interferir na história, se colocar no campo de jogo.

Logo, ler não é condição para escrever, mas sim munição para viver, e para escrever também. A atitude de ler é metonímia da vontade de entender o mundo. A atitude de escrever, por sua vez, é metonímia da pretensão legítima e transcendente de transformar o mundo.

Se me contra-argumentarem afirmando não existirem escritores sem leitura, concordarei com a evidência e discordarei desta lógica. De fato, não deve haver escritor que não leia, porque não há aquele que transforme o mundo sem entender o que se lhe oferece. Entretanto, a recíproca não é verdadeira. Há os que lêem muito e entendem um tanto, mas preferem não intervir, inertes e omissos inclusive por opção. Há os que lêem muito e entendem muito mas nunca escreveram nada. Quem escreve, então, sem dúvida lê. Mas quem lê, na dúvida, lê mais um pouco - e não escreve.

Num paralelo tragicômico, diria que o Brasil tem 120 milhões de espectadores de futebol e pouquíssimos jogadores decentes do mesmo esporte. Num paralelo patético-acadêmico, lembraria aos professores de Português quantos procuramos os cursos de Letras pensando alimentar uma vocação difusa para a Literatura, mas, de tanto ler as obras capitais e as resenhas fundamentais, encostamos a pena para ler mais e mais, desenvolvendo uma brutal auto-crítica, melhor dizendo, uma poderosa auto-censura que enferruja a pena - que enferruja o desejo.

Portanto, ler e escrever são esforços na direção do espelho - esforços diferentes. A pergunta de quem sou eu permanece. E o ato de escrever, como sabe quem faz diário, é outra forma de tentar responder.

Quem faz diário escreve para se afirmar, para se equilibrar frente aos desafios do dia - desafios propostos pelo outro, ou pela rua, ou mesmo por suas dúvidas mais íntimas. Escreve para se responder quem é. Ao fazê-lo, empresta uma forma a sentimentos confusos, e a partir de então descobre o que sentia, pois o gesto de escrever lhe disse.

Neste sentido, escrever tem a ver com mágica. Como fazer do papel um espelho, mas um espelho às nossas ordens. "Espelho, espelho meu, existe alguém mais angustiado do que eu?" Ao escrever, me revelo - revelo a mim mesmo que posso organizar as palavrinhas, donde que posso organizar o que as palavrinhas nomeiam, e donde que posso organizar, construir, montar o mundo novo também. Revelo-me a extensão do meu poder, ou seja: a extensão dos meus possíveis. Em suma, a extensão da minha utopia.

O ato de escrever, antes de tudo, é um legítimo ato de auto-afirmação. E "auto-afirmação" não é coisa ruim, pejorativa, como dizem os que não gostam de ver os outros se afirmando. A afirmação de si mesmo é a primeira condição para responder à primeira pergunta. Quem não se afirma é o oprimido, é o submisso, o que encontra caído no chão à espera das ordens."

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Falei sobre 'Ainda Orangotangos' na nova edição do Grito! Vê lá.

sábado, 13 de setembro de 2008

:: pertencer é viver ::


Pertencer

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço.

Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

:: sugestão ::



"if you don't kiss me right now
i'm gonna scream!"


(minha vida sem mim)

"Em razão da fraqueza de nossa natureza", escreve Espinosa, "é necessário amar algum objeto e nos unir a ele para existir". Somos fracos demais para vivermos sós. Fracos demais para nos bastarmos. E mesmo egoístas demais para sê-lo absolutamente. Amar apenas a si? Isso seria amputar-se do mundo e da humanidade, fechar-se no próprio espelho, na própria miséria, nas próprias angústias. Não amar nada? Isso seria viver sem alegria, sem prazer, sem desejo - seria já estar morto. É o que nossos médicos chamam de melancolia, no sentido psiquiátrico do termo (não mais a "felicidade de estar triste", que faz parte da condição humana, mas a "perda da capacidade de amar", como dizia Freud, que conduz apenas ao nada), não tanto uma filosofia, ainda que niilista, mas uma patologia. Doença mortal, urgência psiquiátrica: o suicídio, se não houver tratamento, é um perigo a curto prazo. Não se pode viver sem amor, e essa fraqueza é nossa força, e essa força - o poder, o conatus, a alegria - é a única fraqueza que vale". (André Comte Sponville)

terça-feira, 9 de setembro de 2008

:: palhinha - liga das senhoras católicas ::

É noise! "Hot Kiss", da Juliette Lewis, na nossa esporrenta versão. Diz se a Paula não merece o apelido de Paulette Lewis?! =)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

:: os filmes de agosto ::



144. O OLHO DO DIABO (de Ingmar Bergman, 1960 [dvd]) - 7.8
145. IT'S BAD FOR YA (de George Carlin [divx]) - 7.5
146. A ÚLTIMA CARTADA (The Score, de Frank Oz [dvd]) - 5.5
147. MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO (de Daniele Luchetti, Itália, 2008) - 8.0
148. O MISTÉRIO DE LULU [2a] (Lulu On The Bridge, de Paul Auster [dvd]) - 8.1
149. RATATOUILLE (da Pixar/dir: Brad Bird [dvd]) - 8.0
150. EM BUSCA DA VIDA (de Jia Zhang Ke, China, 2008 [dvd] - W/O
151. O ASSASSINATO DE UM PRESIDENTE (de Niels Mueller [dvd]) - 8.5
152. O JOELHO DE CLAIRE (de Eric Rohmer, França, 1971 [divx]) - 8.2
153. AMISTAD (de Steven Spielberg [dvd]) - 7.6
154. AINDA ORANGOTANGOS (de Gustavo Spolidoro, BR, 2008 [HSBC]) - 9.0
155. A COUNTRY DOCTOR (de Koji Yamamura, Japão, 2007 [curta-anime]) - 8.5
156. TRACEY'S FRAGMENTS (de Brucen McDonald, Canadá, 2007 [divx]) - 8.8
157. CÃO SEM DONO (de Beto Brant, Brasil, 2007 [dvd]) - 8.5

ouro: AINDA ORANGOTANGOS
(cinema pãnque e hilário - Porto Alegre é mesmo um lugar do caralho!)

prata: TRACEY'S FRAGMENTS
(ellen page é musa! filme foda sobre a fase da vida que mais nos reduz a cacos e em que mais queremos que o mundo se estilhace. fazia tempo que não se produzia uma obra tão empolgante sobre a adolescência.)

bronze: CÃO SEM DONO
(solidão, carência e desolação encontrando , a duras penas, o amor e a redenção. belo drama pé-no-chão que o beto brant adaptou de daniel galera.)


menção honrosa: O ASSASSINATO DE UM PRESIDENTE
(santo sean penn. ô nêgo foda!)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

:: my solar eclipse (quase um hai-kai!) ::

SUPER-PODER

ó todo-poderoso Sol,
pensas que és colossal e ubíquo?!
nem tanto! te eclipso com um pisco.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

:: shyness ::

:: coração de coelho ::


Ask

Shyness can stop you
From doing all the things in life
You'd like to

So, if there's something you'd like to try
If there's something you'd like to try
ask me, ask me, ask me
i won't say no - how could i?


os tímidos, somados, podem até ser uma multidão. mas não evitam com isso a solidão. não é seu estilo montar uma gangue, uma trupe, uma turma. assim, se sentem mais sós do que na verdade estão. insistindo em baixar os olhos quando merecem andar de cabeça erguida. teimando em pedir desculpas por coisas que não precisa. inclusive por existir. como se fosse crime. como se fosse feio.

talhados como argila por medos infantis que criaram um adulto de mentira, que esconde atrás de uma carne grande uma alminha ainda mirim. lembra? do ataque epilético quando a professora chamava para recitar a tabuada? das taquicardias tremendas quando era para ler o texto frente aos olhos cruéis da classe? ou da completa sem-gracice quando estourava um inoportuno pum? ou do acanhamento no canto, a procura pelas sombras, o desejo de anonimato e de apagamento, como se você quisesse passar pelo mundo sem ser notado, e depois sair pela porta-dos-fundos, bem de fininho?

lembra? da sua linguinha bem guardada dentro da boca, silente por excesso de ebulição mental, contida porque se se abrisse ia ser vulcão em erupção, lava e chama pra todo lado, e que sempre fazia com que algum tio babaca e ruidoso viesse te perguntar: 'mas o gato comeu sua língua'? e aquele temor supersticioso de chegar frente a qualquer das pequenas deusas por quem você se apaixonava e pra quem não conseguia a proeza de dizer um mero "oi"? quanta dificuldade para roubar o primeiro beijo. inesquecível por ter sido a coroação de uma longa e cansativa busca. o que para outros é ninharia, pra ti foi epopéia.

os tímidos? os que têm essa mania de nunca estar com os portões escancarados. sabe-se lá quem vai entrar! melhor se precaver. como o Teatro Mágico do Hermann Hesse, a alma dos introspectivos traz em sua porta uma placa que informa: ENTRADA PARA RAROS. são pouquíssimos os que recebem a chave para entrar em nossa bem-protegida cidadela interior. prezamos muito este playground que temos, lá no fundo escuro de nós mesmos, para permitir que qualquer vândalo entre e nos deprede os sonhos. um certo amor por esse refúgio de solidão onde podemos ir nos esconder e não sermos achados por ninguém. um certo gosto por um verniz de mistério, por funduras insondáveis, por abismos incognoscíveis. uma avareza espiritual que nos deixa agarrados ao que temos e não queremos compartilhar. um certo pânico de que nossa alma, vista nua, seja feia como o corpo de uma velha putrescente.

lembra? lembra dela, na sua cama, querendo descansar das avalanches de beijos com a cabeça sobre o seu peito? procurando o sono no lugar mais inadequado. "edu, você tem coração de coelho...". lembra? faltou a brincadeira de dizer: "ah, amoreco, é péssima idéia tentar dormir com os ouvidos colados no meu tórax. uma barulheira dos diabos! como ser vizinho de um baterista de hardcore. e é você, você que me põe assim, desembestado, frenético."

lembra? do que tanto costuma se repetir? pelo medo de estragar o que já é tão bom, você se furta de conseguir o que é ainda melhor. É a solução de quem não quer perder o que já tem - e fecha a mão pro que há de vir. No reino das pequenas delicadezas, das agradáveis ternuras, sem o salto para o amor total. ah, amiguinho, se você quiser embarcar no amor levando uma mala lotada de certezas, me desculpe: vais apodrecer no porto. Neste barco só se sobe sem garantias na bagagem, sem mapas no bolso. É preciso se lançar, sabendo que depois não se saberá o caminho de volta pra casa. Mas pra quê querer voltar ao familiar ao invés de se deixar arrastar?

e depois vc chora e sorri, triste e feliz, se aceitando e se odiando. contente por ser tímido, louco de raiva por ser covarde, só contando - ah, triste aritmética! - as oportunidades perdidas. é o que trás lágrimas aos olhos: tudo aquilo que ficou no horizonte, à espera do salto que não deu, do barco em que não subiu, da loucura que não ousou. a nojeira que é continuar um ser que se conjuga na primeira pessoa do singular. e a comum melancolia por aquele paraíso, imaginado, perdido, inalcançado, que ficou ali, intocado, a um beijo de distância.