quinta-feira, 11 de junho de 2009

:: beba com responsabilidade! ::


TRUE BLOOD - 1a Temporada - Tá: à primeira vista parece uma baita bobagem. A sinopse da série nos faz temer uma enojante clicheria ou mais uma "podreira" sanguinolenta sem muito sentido. Depois de Nosferatu (o de Murnau e o de Herzog), do Drácula de Coppola, de pencas de livros de Anne Rice, Bram Stocker, Stephen King e Allan Poe, de Buffy - A Caça Vampiros e Blade - O Negão Que Mata de Vez Os Mortos, alguém ainda tem os colhões para se meter a fazer um seriado sobre VAMPIROS? Já não fizeram mil e cacetada de "obras" (se é que merecem esse título!) sobre dentuços chupadores-de-sangue, zumbis, mortos-vivos, dráculas, lobisomens e todo a corja das aberrações do além-túmulo? Será que esse pessoalzinho da Pop Cultura made in the USA não se cansa de gastar milhões de dólares com sangue artificial aos litros e violência gratuita às pampas?

Mas calma lá! "True Blood", o viciante seriado novo da HBO (que sempre manda bem: quem viu Deadwood, Six Feet Under, In Treatment, Os Sopranos etc. que o diga!), pode ser rejeitado fácil pelos desavisados como mais um besteirol de terror americano, mas acreditem: é uma deliciosa criação da teledramaturgia estadunidense. É a nova empreitada do genioso e esclerosado Alan Ball - roteirista vencedor do Oscar por "Beleza Americana" e a grande mente por trás de "A Sete Palmos" (que eu considero, disparado, a melhor série da década).

"True Blood"
só na superfície é sobre vampirismo. No fundo, a treta é mais embaixo. À parte os Contos Macabros - que me dão uma baita saudade do tempo em que eu assistia, lá pelos 12 anos de idade, ao "Contos da Cripta" nas madrugadas da Band - é um endoidecido american-way-of-life chronichle, que versa sobre alcoolismo, vício a entorpecentes, indústria da pornografia, exorcismos e excomunhões, crianças abusadas por parentes e mais uma pá de tretas do Lado Sombrio da Vida.

No mundo não-tão-ficítico-assim da série, os vampiros de fato existem, têm caninos pontiagudos, vestuários góticos, paixão por ambientes mau-iluminados e estão obviamente louquinhos por um sanguinho humano. Mas a grande sacada aqui é: por acaso os humanos são menos sedentos por sangue do que eles? That's the point. A série desmistifica um pouco: os vamps não pegam fogo ao se depararem com um crucifixo, não derretem com água benta e são imunes ao alho. Mas um pouco da velha mística vampiresca é reiterada: essas criaturas, mortas há muito tempo atrás e deixadas a vagar pela Terra, não se alimentam e não suportam a luz do Sol. Sua única nutrição? Sangue humano. Mas as caridosas autoridades, para evitar a guerra e retirar os pescoços dos ainda-vivos do "Cardápio", trataram da coisa com muitíssima classe: INDUSTRIALIZARAM O SANGUE HUMANO. Você pára em qualquer boteco, qualquer loja de conveniência, qualquer farmácia, e ali está, ao lado da Coca Cola, da bomba de gasolina da Shell ou das fraldas para o Bebê essa belezura: TRUE BLOOD, uma garrafinha long-neck, servida quentinha, com sangue humano fresquinho. Um desbunde!


Desse modo, não há guerra civil entre os vivos e os mortos - mas sim uma tentativa de convivência pacífica e ordenada num mundo onde vamps e não-vamps são iguais aos olhos de Deus e igualmente amparados pelo colo maternal da Mãe América. A sociedade inteira discute publicamente a questão do preconceito contra os vampiros, que por vezes são expulsos de bares cristãos por serem considerados presenças malsãs. Mas reclamam como se fossem parte de qualquer minoria racial ou étnica: "Discriminação contra vampiros é crime punível pela Lei no magno estado da Louisiana!", protesta um vamp. Porque vampiro também é gente, pô!

A humana que sabe muito bem disso chama-se Sookie Stackhouse, uma loirinha boazudinha e com poderes paranormais ("escuta pensamentos" - é mole?!?). Ela é garçonete num bar-e-bilhar um tanto porralouca do Sul americano, lá onde a intolerância racial é historicamente mais pronunciada, e onde os vampiros não são assim tão benquistos. A bela, diáfana e louríssima Sookie (vivida por Anna Paquin, que foi vencedora do Oscar por "O Piano" quando era pirralha) vai se encantar pelo Vampiro Bill - um galã charmoso, irresistível e extremamente pálido de 173 anos de idade e que morreu na Guerra Civil Americana, em 1862, lutando pelo Sul caipira contra o Norte opressor.

Tá achando que é pouco? Alan Ball ainda nos reserva muitas surpresas neste seu novo FREAK SHOW. Pra vocês verem o naipe da coisa, é só dizer que há um personagem, de nome Lafayette, que é nada menos que um Negro Homossexual Cozinheiro Porra-Louca e Boca-Suja que é nas horas livres um Traficantes de Drogas e um Michê (mas só dá o rabo para vampiros, e não em troca de dinheiro: recebe em sangue-vampiresco!). Já o irmão de Sookie, Jason Stackhouse, é um junkie ninfomaníaco, burro feito uma porta, que arranja uma namoradinha neo-hippie e "conectada à Gaia" ("a Terra é um imenso organismo e tudo está interconectado", etc. etc. etc.), com quem causa por aí em busca da DROGA DA ESTAÇÃO: vamp-blood, a experiência mística-psicodélica que deixa o LSD, o ecstasy e a ayahuasca no chinelo.

Alan Ball, sem vergonha, chama o seriado de "popcorn TV for smart people" - e taí uma ótima definição para essa pipoquice televisiva irresistível. A grande "sacada" do seriado é ser altamente curtível como mero entretenimento - e, puta que o pariu, que maestria eles têm em acabar um episódio nos deixando sedentos pelo próximo, como se fôssemos vampiros famintos! - ao mesmo tempo que é sagaz e denso o bastante para agradar espectadores mais exigentes. O mundo de True Blood, afinal de contas, não é assim tão "imaginário" quanto parece: que um seriado de temática tão "fantástica" possa soar "realista", fazendo uma crônica social deliciosamente impregnada de humor negro, talvez seja sintoma de que vivemos num planeta que, não muito diferentemente do microcosmos de True Blood, está também infestado de sanguessugas.