--- “A ARTE DE VIVER PARA AS NOVAS GERAÇÕES”, --
de RAOUL VANEIGEM [ed. Conrad, coleção BADERNA]
(Num tô com a paciência necessária pra resenhar direito, mas largo aí embaixo alguns trechos desse ótimo livrinho baderneiro do Vaneigem. Achei esse um dos melhores livro da coleção BADERNA da Conrad. É pedrada pra todo lado contra a sociedade de consumo, o trabalho forçado e a vida gasta inteira na preocupação com a sobrevivência, mas tudo filosoficamente embasado e sem essa de "rebeldia sem causa" (causas para rebeldia há muitas...). O estilão de escrever do cara, bem nietzschiano, inspira e empolga. Vaneigem, se não me engano, foi um dos líderes estudantis da revolta francesa de maio de 1968 e uma das cabeças principais do movimento Situacionista junto com o Guy Debord. Ó só):
“Com a vinda de Cristo, nos libertamos não do mal de sofrer, mas do mal de sofrer inutilmente”, escreve muito justamente o padre Charles, da Companhia de Jesus. O problema do poder nunca foi o de se suprimir, mas o de se justificar a fim de não oprimir “inutilmente”. Acasalando o sofrimento com o homem, sob pretexto da graça divina ou da lei natural, o cristianismo, essa terapêutica doentia, desferiu o seu golde de mestre. Do príncipe ao manager, do padre ao especialista, do pai conselheiro ao psicólogo, é sempre o princípio do sofrimento útil e do sacrifício consentido que constitui a base mais sólida do poder hierárquico. Seja qual for a razão invocada – um mundo melhor, o paraíso, a sociedade socialista ou um futuro encantador -, o sofrimento aceito é sempre cristão, sempre.” (52-53)
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“Não é tanto a morte que aterroriza os homens do século XX, mas sim a ausência de vida verdadeira. Todos esses gestos mortos, mecanizados, especializados, roubando uma parcela da vida cem vezes, mil vezes por dia, até o esgotamento da mente e do corpo, até esse fim que já não é o fim da vida, mas uma ausência que chegou à saturação: é isso que oferece o risco de proporcionar um charme aos apocalipses, às mortes cruéis, totais e limpas. Auschwitz e Hiroshima são na verdade ‘a consolação do niilismo’. Basta que a impotência para vencer o sofrimento se torne um sentimento coletivo, e a demanda por sofrimento e morte pode se apoderar repentinamente de uma comunidade inteira. Conscientemente ou não, a maior parte das pessoas prefere morrer a sentir permanentemente a insatisfação de viver.”
(54)
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“Em uma sociedade industrial que confunde trabalho e produtividade, a necessidade de produzir é sempre antagônica ao desejo de criar. O que sobra de centelha humana, de criatividade possível, em um ser arrancado do sono às 6 da manhã, sacudido nos trens suburbanos, ensurdecido pelo barulho das máquinas, lixiviado e vaporizado pelas cadências, pelos gestos sem sentido, pelo controle estatístico, e empurrado no fim do dia para os saguões das estações (essas catedrais de partida para o inferno dos dias de semana e do fútil paraíso dos weekends), quando a multidão comunga na fadiga e no embrutecimento? Da adolescência à aposentadoria, os ciclos de 24 horas sucedem-se com seu mesmo estilhaçamento, como balas acertando uma janela: repetição mecânica, o tempo-que-é-dinheiro, submissão aos chefes, tédio, fadiga. Da aniquilação da energia da juventude à ferida aberta da velhice, a vida é estilhaçada sob os golpes do trabalho forçado. Nunca uma civilização chegou a um tal grau de desprezo pela vida. Afogada no desgosto, nunca uma geração sentiu uma tal raiva de viver. Aqueles que são lentamente assassinados nos matadouros mecanizados do trabalho são os mesmos que discutem, cantam, bebem, dançam, pegam as armas e inventam uma nova poesia. Já está se formando a frente contra o trabalho forçado; os seus gestos de recusa estão moldando a consciência do futuro. (...) De agora em diante as pessoas querem viver, e não apenas sobreviver.” (60-61)
“Em uma sociedade industrial que confunde trabalho e produtividade, a necessidade de produzir é sempre antagônica ao desejo de criar. O que sobra de centelha humana, de criatividade possível, em um ser arrancado do sono às 6 da manhã, sacudido nos trens suburbanos, ensurdecido pelo barulho das máquinas, lixiviado e vaporizado pelas cadências, pelos gestos sem sentido, pelo controle estatístico, e empurrado no fim do dia para os saguões das estações (essas catedrais de partida para o inferno dos dias de semana e do fútil paraíso dos weekends), quando a multidão comunga na fadiga e no embrutecimento? Da adolescência à aposentadoria, os ciclos de 24 horas sucedem-se com seu mesmo estilhaçamento, como balas acertando uma janela: repetição mecânica, o tempo-que-é-dinheiro, submissão aos chefes, tédio, fadiga. Da aniquilação da energia da juventude à ferida aberta da velhice, a vida é estilhaçada sob os golpes do trabalho forçado. Nunca uma civilização chegou a um tal grau de desprezo pela vida. Afogada no desgosto, nunca uma geração sentiu uma tal raiva de viver. Aqueles que são lentamente assassinados nos matadouros mecanizados do trabalho são os mesmos que discutem, cantam, bebem, dançam, pegam as armas e inventam uma nova poesia. Já está se formando a frente contra o trabalho forçado; os seus gestos de recusa estão moldando a consciência do futuro. (...) De agora em diante as pessoas querem viver, e não apenas sobreviver.” (60-61)
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“À medida que a automação e a cibernética nos permitem prever a substituição em massa dos trabalhadores por escravos mecânicos, o trabalho forçado revela pertencer puramente aos processos bárbaros de manutenção da ordem. O poder fabrica assim a dose de fadiga necessária à assimilação passiva dos seus decretos televisionados.” (64)
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“...a criatividade é por essência revolucionária.” (124)
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“O enterro prematuro é a lei do consumismo. A imperfeição é a pré-condição de uma obsolescência programada.” (124)
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“Tudo aquilo que você possui, por sua vez, o possui.” (167)
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REVEJAM o “CLUBE DA LUTA” com isso em mente: “A satisfação do consumidor não pode nem deve nunca ser alcançada. A lógica do consumo exige que se criem novas necessidades, mas é também verdade que a acumulação dessas necessidades falsas aumenta o mal-estar do homem confinado com cada vez mais dificuldade ao estado único de consumidor. Além disso, a riqueza em bens de consumo empobrece a vida autêntica [quer discurso mais Tyler Durden que esse?]. Empobrece-a de duas formas: primeiramente, dando-lhe a contrapartida em coisas; depois, porque é impossível, mesmo o querendo, apegar-se a essas coisas, já que é necessário consumi-las, ou seja, destruí-las. Disso provêm uma ausência de vida cada vez mais exigente, uma insatisfação que devora a si própria.
Na ótica orientada do consumidor, na visão condicionada, a ausência de vida aparece como insuficiência no consumo de poder e insuficiência de autoconsumo a serviço do poder. À ausência de verdadeira vida é oferecido o paliativo de uma morte a prestações. Um mundo que condena à morte sem sangue é na verdade obrigado a propagar o gosto de sangue. Onde reina o mal da sobrevivência, o desejo de viver espontaneamente pega nas mãos as armas da morte: assassinatos gratuitos, sadismo etc. A paixão destruída renasce na paixão de destruir.” (172)
(valeu aê, Renóqui, pelo empréstimo.)
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