terça-feira, 24 de janeiro de 2006

da série: DISCOS DA MINHA VIDA.




T E E N A G E
F A N C L U B
"Grand Prix" (1995)


ALERTA VERMELHO: RESENHA ALTAMENTE GONZOLÓGICA.


A adolescência é engraçada - e não somente pelo pipoco das espinhas pela cara, dos pêlos pelo corpo e da Vozona de Macho na garganta, mas pelo monte de contradições e desejos conflitantes que fazem essa época tragicômica da vida: que adolescente sabe ao certo o que quer ser? Tô achando muito interessante olhar pros meus Teenage Years através dos discos que mais marcaram - o que acaba por revelar também altas contradições musicais... Eu, por exemplo, parecia dividido em pelo menos dois "eus" (mas é claro que eram muitos mais): um lado meu tinha aquele ímpeto rebelde e iconoclasta e se sentia atraído pelas Bestialidades Sonoras, aquelas que tinham aquela indispensável característica: eram capazes de fazer todas as "pessoas normais" ficarem loucas de raiva e reprovação - e com dor de ouvido, claro. Já a tendência melancólica, a inevitável tristeza que por vezes dominava, solicitava algo de mais doce, carinhoso, amável... Na minha prateleira de CDs, conviviam então os discos do Slayer, do Iron Maiden e do Nirvana com os do Belle and Sebastian (ai que vergonha!), do Radiohead e do Teenage Fanclub... Os primeiros, ouvidos no volume máximo, pra infernizar os vizinhos e a família, só pra dar provas de rebeldia. Os segundos, secretamente apreciados no escuro, com fones-de-ouvido e por vezes vergonhosas lágrimas inseguráveis. Através da música, era dada a mensagem para o mundo lá fora: ou te ensurdeço, ou não te escuto...

O Teenage Fanclub foi uma dessas bandas que mais marcou a minha adolescência, uma das que eu adorei com mais fanatismo, uma das que fizeram aqueles anos um pouco mais suportáveis, um pouco menos sombrios... E marcou também por todo o sacrifício que foi preciso fazer pra conseguir esses discos. Nesses tempos totalmente internetizados em que vivemos, quando conseguir um disco é bico (bastam alguns cliques no Soulseek e alguns minutos de espera), dá até uma certa saudade dos velhos tempos em que era uma dureza achar e comprar discos de bandas alternativas. Foram poucas as bandas que tomaram mais a minha grana do que o TFC, mas hoje tenho um baita orgulho desses meus quatro originais, todos importados, que na época valiam cerca de 35 pilas cada, uma verdadeira fortuna... Quanta moeda no porquinho, e quantos recreios em greve de fome, e quanta mesada-de-pai guardada com ardor religioso, só pra que eu tivesse o prazer de conseguir essas bolachinhas... E que prazer, é claro, ouvi-las depois do "martírio"!

Eu suspeito que aquilo que os jovens dos anos 60 descobriram ouvindo Help!, Rubber Soul, Sgt. Peppers ou Pet Sounds, eu descobri ouvindo Grand Prix, Bandwagonesque e Songs From Northern Britain. O quê? A banda pop perfeita. Com tudo redondinho e impecável, sem uma nota fora de lugar, sem uma sujeirinha ou fedôzinho pra incomodar: música praticamente impossível de não curtir de cara, sem pensamento, sem juízo, na simpatia mais espontânea possível... Depois da experiência Teenage Fanclub, tirei pra mim uma lição que uso até hoje pra julgar a música: se eu tenho que PENSAR pra decidir se uma banda é boa ou não, essa banda tem muita chance de não ser realmente boa. Com o Teenage Fanclub eu nunca precisei pensar: gostava e pronto.

Esse quarteto escocês, que nunca explodiu comerciamente em lugar nenhum (e que mesmo nos EUA é banda pequena, que nem tem certos de seus discos lá lançados), conseguiu compensar a falta de sucesso com a conquista de um séquito de fãs extremamente fiel. São poucas as pessoas que chegam a conhecer o Teenage Fanclub; mas dessas poucas, são muitas as que passam, daí em diante, a chamá-la de Banda da Minha Vida...

Os caras foram pescar nos anos 60 e 70 as maiores inspirações para o seu power-pop guitarrento e doce, erguendo, em plena década de 90, um monumento estupendo em homenagem aos seus heróis do passado: principalmente os Quatro Bês Fundamentais (Beatles, Beach Boys, Big Star e Byrds), mas também Neil Young, Gram Parsons, Badfinger, entre outros. O nome da banda já entregava: o Fã-Clube Adolescente compunha melodias grudentas em adoração ao pop-perfeito do passado, com nenhuma intenção "revolucionária" ou "vanguardista". E confesso que por vezes eu chegava a pensar que o que eles fizeram, muito mais do que somente um ato de adoração a grandes bandas antigas, era... superação.

Sim: cheguei a me convencer, com aquela tradicional pagação-de-pau exagerada característica de todo fã, que o Teenage Fanclub tinha superado qualquer banda dos anos 60 em termos de perfeição pop. Hoje já não tenho tanta certeza, e nem me importo em ter - afinal, não é preciso escolher entre o Teenage Fanclub e os Beatles, por exemplo, quando se pode ter os dois... O fato é que o TFC permanece ainda hoje como a principal referência do Revival do Power Pop nos anos 90, e é banda ainda insuperada por tantas outras bandas que tentaram fazer o mesmo (Posies, Matthew Sweet, Cosmic Rough Riders, Shins, Sloan, Ash, Brendan Benson...). E permanece o mistério: como é possível que o Teenage Fanclub, essa banda tão irresistível, não tenha vendido milhões de cópias e se mantenha ainda hoje como uma banda cult de baixas vendagens?

Grand Prix, segundo a opinião quase unânime dos fãs, é a obra-prima - se bem que haja quem prefira o lado mais "sujo" dum Bandwagonesque ou Thirteen, discos com um peso maior nas guitarras distorcidas, ou os discos mais "fofos" e baladeiros que virão depois, como Songs From Northern Britain e Howdy!. Mas Grand Prix, com sua produção cristalina, com suas guitarras menos feedbackadas e microfonadas, com seus vocais perfeitamente harmoniosos, com seu trabalho de equipe muito bem coordenado, é onde está reunida toda a verve dos Teenages. Um disco um tanto "humilde", sem dúvida, que não quer salvar o mundo, fazer espetáculo, revolucionar o rock ou instaurar uma nova vanguarda - e retrô, também, e sem nenhuma grande ousadia... Mas eu não vejo como reclamar de um disco desses: inspiradérrimo, apaixonado, sincero, borbulhante de vida e de sentimento...

Era 1995, na metade de uma década um tanto cínica e sombria, que tinha sido dominada até então pelo niilismo anárquico e suicida de Kurt Cobain e pelo punk ensombrecido de Seattle. Tempo de sombras. E o Teenage Fanclub ousou cometer um disco que ninguém ousava então: cheio de silly love songs cantadas sem um pingo de ironia, de cinismo, de rebeldia ou de escuridão. Esse quarteto de Glasgow, composto por jovens bem-educados e certinhos, não tinha nada a ver com a imagem do rock-star cabeludo, fedido, bêbado, auto-destrutivo e comedor de groupies... Eles chegaram mostrando que havia espaço para a doçura e para a delicadeza no rock dos 90. "Música de mariquinha!", alguns vão dizer... Mas quem disse que só os Machões marcam a história do rock? Bobagem. Na década da descrença, o Teenage Fanclub veio e disse, sem vergonha: acreditamos no Amor, na Honestidade e na Gentileza! Divindades que estavam, naquela época, tão fora-de-moda... Fora-de-moda, sim, mas a moda é algo que não dura: e as divindades cultuadas pelo Teenage, no fundo, são atemporais e sempre terão seus cultuadores. E eu não me importo de estar entre eles.

Tudo bem que há momentos não-tão-perfeitos em Grand Prix, principalmente por causa das músicas do Raymond McGinley, o menos talentoso dos três compositores da banda. Sempre achei que o Norman Blake e o Gerard Love teriam feito melhor se tivessem barrado as composições de Ray, as três que menos gosto no disco ("Verisimilitude", "Say No" e "I Gotta Know"). Apesar de serem perfeitamente audíveis e agradáveis, elas empalidecem em comparação aos grandes clássicos, que são mesmo da dupla Blake e Love (ouso dizer: o equivalente noventista ao Lennon e McCartey do passado). Infelizmente, Raymond não é o George Harrison do Teenage Fanclub. Minhas prediletas, até hoje, são "Sparky's Dream", com seu idealismo romântico exagerado, "I'll Make It Clear", com sua ingênua simplicidade, e, óbvio, o clássico dos clássicos, "Neil Jung", talvez a melhor pepita da história do power pop e séria candidata à Música da Minha Vida...

E as letras, que muito crítico sério considera o ponto mais fraco do Teenage Fanclub, podem mesmo parecer um amontoado de clichês românticos: à primeira vista, os escoceses não trouxeram nada de extremamente original ao formato, usado e re-usado e tre-usado, da canção de amor. Mas nunca me importei muito com isso. Tudo parecia sincero, e era o que importava. E eu me lembro bem o quanto os caras do Teenage Fanclub conseguiam, por vezes, expressar exatamente o que eu tava sentindo: decepção por não conseguir concretizar certos platonismos ("It gives me pain when I think of you / And the things together we'll never do..."); cansaço e melancolia derrotista ("You're tired, and you're broken / Your true feelings remain unspoken / You couldn't hide behind your name"...); sonhos amorosos bobalhões ("Just someting simple and unaffacted / We're getting closer than we expected..."); sem falar nas frases aparentemente bobocamente românticas, mas que, num tinha jeito, eu gostava ("Love is easy to define / Mine is yours and yours is mine / Through the pain, through the pain...").

Sim, já cheguei a desprezar o meu Teenage Fanclub, a achar que era uma banda "bonitinha demais pra ser verdade", a encostar os CDs no fundo da gaveta e deixá-los tomando pó... "Lixo kitsch! Música de marica!", dizia nos meus momentos mais rebeldes. Mas o fato é que sempre que eu ponho algum disco deles pra ouvir, e em especial o Grand Prix, isso me faz um bem danado: a vida fica instantaneamente mais leve, mais fácil, mais simples. Sem falar do prazer da memória: talvez os momentos de maior alegria da minha adolescência inteira tenham se dado ouvindo o Teenage Fanclub, esse refúgio musical contra as tempestades do mundo... Se eu pudesse escolher morar dentro de um disco, tipo me exilando numa Casa de Música, esse seria provavelmente o meu escolhido. Como não posso, me contento em ir até esse Poço de Doçura que é o Grand Prix e pegar pra mim, vez ou outra, um pouco de alegria - com meu balde furado... ;-)