quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

* O screening-log 2006 já começou. E o meu médico tá muito preocupado com essa minha cinefilia, acha que eu tô exagerando, que é quase doentio... São coisas do Tédio, doutor! São coisas desse janeirão tonto sem nada pra fazer, dessa pessoa tonta que eu sou e que precisa se embebedar com ilusões, dessa realidade tontíssima que sempre me dá vontade de fugir... Às vezes eu fico brigando comigo mesmo - é um dos meus esportes favoritos - porque ao invés de viver a minha vida eu fico olhando através da janelinha indiscreta todas essas outras "vidas" que o cinema nos oferece - eu, voyeur da "vida" alheia, sem vida própria, sonhando ser o que não sou nem nunca serei. Fico me perguntando: será que num tem muito de fuga da realidade nessa obsessão cinematográfica? Não há o desejo de habitar num mundo mais satisfatório, mais cool, mais compensador, menos decepcionante, do que este aqui, fedido e tonto, onde eu estou? Será que eu não assisto tantos filmes, muitas vezes, pra tentar me convencer que a vida é do jeito que ela é nos filmes? E também isso: será que me faz bem ficar observando essas "pessoas" sempre tão heróicas, tão bem-sucedidas, tão vencedoras, que costumam protagonizar os Grandes Sucessos do Cinema? Às vezes parece que isso só me deixa mais insatisfeito comigo mesmo, como se eu me envergonhasse por não ser tão cool quanto certos personagens que eu queria ser, como se eu me odiasse por não viver uma vida que se pareça com a deles... Uma coisa que me acontece frequentemente é sair de um filme, principalmente aqueles americanos que são bons mas são ruins, me sentindo muito fracassado, achando que minha vida é muito besta e que as pessoas que eu conheço são muito sem graça. Porque nada na minha realidade é tão cintilante, espetacular e recompensador quanto é nos filmes... Eu não acendo meus fósforos na sola do meu sapato, como faz o John Wayne; eu nunca faço a Loura Escultural cair perdidamente apaixonada por mim, à primeira vista; eu não salto de pontes em chamas com meu carro à alta velocidade para salvar as criancinhas dos sequestradores; eu não fico dependurado em abismos; eu não me salvo das explosões sem nenhuma queimadura; eu não desarmo as bombas-relógio um segundo antes da catástrofe; eu não mato um exército inteiro de japas malucos com minha Hatori Hanzo; eu não salvo o mundo do Mal com meu heroísmo e minha coragem inabalável; eu não vivo uma vida onde aconteça muita coisa... Não, eu não sou nada parecido com um personagem de filme: sou muito mais medroso do que todos eles, muito menos sedutor, muito mais inseguro, muito menos heróico... Caraca, eu sou mesmo um fodido! Ou melhor: sou somente humano. E que triste coisa é ser somente humano, quando tantos "outros" são sobre-humanos!

* Cês lembram do COL? Eu adorava o COL. O COL mudou a minha vida. Foi o COL que me fez começar a escrever de verdade, sem ser por obrigação das professorinhas de redação do colégio, pois eu tinha uma enorme vontade de ser igual aos COLunistas. Era um imenso prazer, naqueles velhos tempos, abrir a minha caixa de e-mail e encontrar por lá uma edição fresquinha do zine da gauchada. Pena que acabou, mas é bom que tenha acabado. Como diz o mojo no EPITÁFIO deles lá, "as coisas boas sempre acabam. por isso são boas. coisas ruins duram pra sempre. são eternas, tipo o paraíso cristão, onde ninguém fode nem faz artê." Como num tô com muita coisa pra fazer ultimamente, ando lendo umas edições antigas do COL (garimpem vocês também) e encontrando muita coisa legal nele - e muita nostalgia em mim. Tipo esse texto, do Cardoso, em modo excepcionalmente sério e provocativo, que eu lembro que causou um grande impacto. Parecia coisa escrita diretamente pra mim. E era um monte de soco na minha cara, só pra me fazer acordar. Ó se num é de sentir saudade:

Você é útil? Não. É apenas mais um entre tantos milhões sentado atrás de uma tela de computador olhando um monte de luzes brilhando e sentindo-se útil ao repassar uma mensagem sobre o novo vírus que se reproduz sozinho. Ah, mas não é só essa a sua utilidade. Em que consiste a sua utilidade? Você escreve e muitas pessoas lêem o que você escreve. Muitas outras simplesmente ignoram o que você escreve e algumas delas até são teus amigos. Você é útil? A sua existência é indispensável? Por quê? Porque você vai a shows e assiste filmes e depois é capaz de emitir opiniões. Porque você aparece nos jornais e revistas e alguns programas de tv.

Você realmente acha que isso é ser útil? Você não é burro. É um rapaz bem alimentado que estudou a vida toda em colégios particulares e não perdeu todo seu tempo querendo aprender a jogar futebol. Você teve poucos problemas de saúde e goza do auge da sua forma física. Mesmo assim, você não é capaz de correr por mais de cinco minutos sem ter falta de ar. Todo esse tempo sentado em salas e quartos lendo livros te deu grande conhecimento. Você faz um bom uso desse conhecimento?

Então você é útil? Que revolução você propõe com suas atitudes? O que você desperta nas pessoas? Você é um calmante ou uma anfetamina? Sua autoreferência me cansa. Onde está a sua vida, o seu pulso, a sua verve? Em que mesa de bar você trocou seu inconformismo por esse lixo açucarado, essa autcomiseração adolescente? Você é um indolente. É ineficiente. Se você é tão útil porque não vejo movimento? Transformação? Auto-conhecimento? A vida não é um retrato barato das notas do showbiz nem se baseia em conceitos mal elaborados por estudantes universitários. A vida não é um quarto e um modem conectado.

Você é útil pra quem? Pra todas aquelas camisinhas dentro de todas aquelas bucetas que não te disseram nenhuma palavra de amor? Pra todas essas pessoas sem rosto que se penduram na tua sombra querendo alívio do sol? Pra tua família que quase não te vê porque tu só quer saber do teu umbigo? Quem te disse que esse é teu direito? Quem te deu algum direito? Quem te disse qualquer coisa? De que você tem medo? Quem te disse pra ter medo?

Você é útil? Que esforços você faz para a manutenção da paz? Porque você não pára de comprar maconha se sabe que isso sustenta o tráfico? Porque não pára de entupir sua mente com torpor de álcool se sabe que isso não te dá vantagens? Porque não se alista no exército e viaja em missão de paz à Etiópia? Porque não se junta à Brigada ou ao Corpo de Bombeiros? Porque não presta vestibular no próximo ano pra Medicina e monta uma clínica para quem não pode pagar? Porque não se apresenta como voluntário em uma escola de inglês ou informática na favela? Nem vamos tão longe: porque você não pesca seu peixe, não planta seu alface, não cria seu gado? Porque você prefere tv à cabo a uma tarde na orla? Porque não tem um filho e lhe dá um rumo? Porque prefere uma existência de ovelha a dar murros em ponta de faca? Não há revolução sem sangue.

Pra quem você é útil além de você mesmo?


* Meu Tédio também tem se divertido a fazer listinhas lá no Rate Your Music, que é uma espécie de Orkut Musical. Tenho garimpado bastante no Soulseek por bandinhas punk - new wave - pós/punk - riotgirll desconhecidas, porque faz tempo que eu creio nos diamantes que estão escondidos no underground dessa ceninha. Algumas das minhas bandas do coração são dessa área: o Sleater-Kinney, o Fugazi, o Saves The Day, o Distillers, o Save Ferris... Então aproveitei pra fazer minha listonha com os MELHORES ÁLBUNS PUNK DE TODOS OS TEMPOS, que serve também como um "EU RECOMENDO!". Eu ia colocar o Simple Plan na lista mas fiquei com vergonha. Cês iam me achar MTViado demais.

* DLMSONGS com o novo do STROKES e o novo do NEW PORNOGRAPHERS. Dois discões de duas bandas que, daqui a cinquenta anos, vão estar nos livros de História do Rock como Clássicas da Década 00. Eu acho mesmo que os Strokes, se continuarem no mesmo ritmo, vão ser para a nossa geração o que os Beatles foram para a geração dos anos 60. Sem zoera.

* Eu sempre quis saber: Adão e Eva tinham umbigo?