sexta-feira, 14 de abril de 2006



Amós Oz - Contra o Fanatismo
(How To Cure a Fanatic, Ed. Ediouro)

Gostei muito desse livrinho do escritor israelense... lúcido, bem-humorado, simples, profundo, e pra lá de útil pra entender esse começo de século que (quem diria...) vem mais marcado pelo fanatismo que muito século da Idade Média... Recomendado.

”O fanatismo é mais antigo que o Islã, mais velho que o Cristianismo, que o Judaísmo, que qualquer estado, governo ou sistema político, que qualquer ideologia ou fé no mundo. O fanatismo é, infelizmente, um componente onipresente da natureza humana, um gene do mal, se quiserem chamá-lo dessa forma. Pessoas que explodem clínicas de aborto nos Estados Unidos, que queimam mesquitas e sinagogas aqui na Alemanha, diferem de Bin Laden apenas em escala, mas não na natureza de seus crimes.” (15)

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”O fanatismo é, com frequência, intimamente relacionado a uma atmosfera de desespero profundo. Num lugar em que as pessoas sintam que não há nada além de derrota, humilhação e indignidade, podem recorrer a várias formas de violência desesperada.” (17)

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”...o fanatismo está em quase todos os lugares, e suas formas mais silenciosas, mais civilizadas, estão presentes em nosso entorno, e talvez dentro de nós também. Conheço bem os antitabagistas que o queimarão vivo, se você acender um cigarro perto deles! Conheço bem os vegetarianos que o comerão vivo por comer carne! Conheço bem os pacifistas, alguns de meus colegas no Movimento de Paz Israelense, que estão dispostos a atirar na minha cabeça só porque advogo uma estratégia ligeiramente diferente sobre como fazer a paz com os palestinos. Mas é claro que não estou dizendo que qualquer pessoa que levante sua voz contra qualquer coisa seja um fanático. Não estou sugerindo que qualquer um que tenha opiniões fortes seja um fanático, certamente não. Estou dizendo que a semente do fanatismo brota ao se adotar uma atitude de superioridade moral que não busca o compromisso...” (24)

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”...todos os fanáticos têm uma atração, um gosto especial pelo kitsch. Muito freqüentemente, o fanático só consegue contar até um, dois é um número muito grande para ele. Ao mesmo tempo, descobre-se que, com muita freqüência, os fanáticos são irremediavelmente sentimentais. Freqüentemente, preferem sentir a pensar, e têm uma fascinação particular por sua própria morte. Eles desprezam esse mundo e anseiam trocá-lo pelo ‘céu’. O céu deles, no entanto, é geralmente concebido como a felicidade eterna do final dos filmes ruins.” (24)

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”...muito frequentemente, o culto à personalidade, a idealização de líderes políticos ou religiosos e a adoração de indivíduos sedutores podem perfeitamente ser uma outra forma difundida de fanatismo. O século XX parece ter dado excelentes mostras de ambos. Regimes totalitários, ideologias mortíferas, chauvinismo agressivo, formas violentas de fundamentalismo religioso, por um lado, e a idolatria universal de Madonna e Maradona, por outro lado. Talvez o pior aspecto da globalização seja a infantilização da espécie humana: ‘o jardim de infância global’, cheio de brinquedos e maquininhas, balas e pirulitos.” (27)

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”Creio que a essência do fanatismo reside no desejo de forçar as outras pessoas a mudarem. A inclinação comum de melhorar seu vizinho, de consertar seu cônjuge, de guiar seu filho ou de endireitar seu irmão, em vez de deixá-los ser. O fanático é uma criatura bastante generosa. É um grande altruísta. Freqüentemente, o fanático está mais interessado em você do que nele próprio. Ele quer salvar sua alma, quer redimi-lo, quer libertá-lo do pecado, do erro, do fumo, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares ou curá-lo de seus hábitos de bebida ou de voto. O fanático importa-se muito com você, ele está sempre ou se atirando no seu pescoço, porque o ama de verdade, ou apertando sua garganta, caso você prove ser irrecuperável. (...) O senhor Bin Laden e sua gente não odeiam simplesmente o Ocidente. As coisas não são tão simples. Em vez disso, creio que eles querem salvar suas almas, querem liberar vocês, nós, de nossos valores horríveis, do materialismo, do pluralismo, da democracia, da liberdade de expressão, da liberação feminina... Tudo isso – sustentam os fundamentalistas islâmicos – é muito, muito ruim para sua saúde. (...) Bin Laden essencialmente os ama. O 11 de Setembro foi um empreendimento de amor. Ele o fez para o bem de vocês, ele quer mudá-los, redimi-los...” (30-31)

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”Auto-sacrifício envolve, com muita freqüência, infligir sentimentos de culpa terríveis no beneficiário e, dessa forma, manipulá-lo ou mesmo controlá-lo.” (31)

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”Senso de humor é uma grande cura. Nunca vi na minha vida um fanático com senso de humor, nem vi uma pessoa com senso de humor tornar-se fanática, a menos que tenha perdido o senso de humor. Os fanáticos são, freqüentemente, muito sarcásticos. Alguns deles têm um senso de sarcasmo muito mordaz, mas não têm humor. O humor inclui a capacidade de rir de nós mesmos. O humor é relativismo, é a aptidão de vermo-nos como os outros podem nos ver, é a capacidade de entender que, por mais cheios de razão que estejamos e por mais terrivelmente equivocados que estejam os outros sobre nós, há sempre um certo aspecto disso tudo que é um pouco engraçado. Quanto mais você tem razão, mais engraçado fica.” (35)

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”...as pessoas podem tornar-se fanáticos anti-fanáticos, radicais antifundamentalistas, cruzados anti-Jihad.” (36)

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”Uma das coisas que torna o conflito Israel e Palestina particularmente difícil é o fato de que este conflito, o conflito árabe-israelense, é essencialmente um conflito entre duas vítimas. Duas vítimas do mesmo opressor. A Europa, que colonizou o mundo árabe, o explorou, o humilhou, esmagou sua cultura, o controlou e o usou como um quintal imperialista, é a mesma Europa que discrimou os judeus, os perseguiu, os enxotou e, finalmente, os assassinou em massa num crime de genocídio sem precedentes.” (54-55)

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”...para escrever um romance, você tem que ser capaz de referendar meia dúzia de sentimentos e opiniões diferentes, conflituosos e contraditórios, com o mesmo grau de convicção, veemência e empatia.” (94)

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”Como você usa sua voz? Suponha que é um homem de voz, alguém que tem uma caneta e pode utilizá-la. Bem, seria correto dizer que sangue está sendo derramado na esquina onde você mora, que não é hora de contar histórias de amor, de escrever histórias eruditas, sutis, complexas, experimentais, mas é hora de combater a injustiça? Sim, faço isto de vez em quando, e sempre me sinto um pouco traidor de minha arte, do refinamento, da ambivalência e do matiz. Ao mesmo tempo, se me sento em casa e trabalho nas várias alternativas sintáticas de uma certa frase, ou nos problemas idiomáticos de um certo diálogo, ou mesmo na relação melódico-musical entre duas frases no romance, há, muitas vezes, uma vozinha insistente dentro de mim que me chama de traidor. ‘Como você é capaz disso? Há pessoas sendo mortas a apenas vinte, quinze quilômetros de onde você se senta e escreve – como você é capaz disso?’ O que faz alguém em tal situação? De qualquer forma, você é um traidor. O que quer que você faça, ou é traidor de sua arte, ou é traidor de seu sentimento interno de dever civil.” (96)