domingo, 9 de abril de 2006



CAMPARI ROCK II
8 de Abril de 2006 - Atibaia/SP

Walverdes - Ludovic - Cachorro Grande - Mission Of Burma -
Nação Zumbi - Ira! - Supergrass - Fixxer + McCarthy


Got a low, low feeling around me,
And a stone cold feeling inside!
I just can't stop messing my mind up,
And wasting my time, ooooh!

Got a low, low feeling around me,
And a stone cold feeling inside,
I've got to find somebody to help me,
I'll keep you in mind!

SUPERGRASS, "Moving"


Que aventura... Saí de casa à uma da tarde, logo depois de um almoço pra lá de reforçado no Bandeijão Central da USP, e me mandei pra rodoviária da Barra Funda pra pegar a galera (altos reencontros com unespianos já desbauruzados...). Nem sabia que só voltaria a pisar em casa às 6 e meia da manhã do dia seguinte. Nosso destino: um hotel fazenda em Atibaia, onde as próximas horas seriam muito bem gastas com o róquenrou no talo durante a segunda edição do Campari Rock, um dos festivais mais bacanas do Brasil...

Se no ano passado parecia que a idéia era realizar algo realmente focado na cena independente, colocando pra tocar dúzias de indie-bands desconhecidas, neste ano aqui a coisa adquiriu "ares de importância". O Campari mudou daquele galpãozão tosco da Fábrica Lapa, onde foi realizado em 2005, e foi prum vasto hotel que comportava muito mais gente do que as 5 mil almas que deram as caras; o palco triplicou de tamanho e melhorou muito em termos de iluminação e pirotecnias; a qualidade e a altura do som tavam beirando a perfeição; e as bandas escaladas eram de muito mais renome do que no ano passado, quando os headliners foram os semi-desconhecidos The Kills e MC5.

O André Barcinski, locutor do Garagem e autor de um dos livros-de-rock mais legais já escritos no Brasil ("Barulho", que tem entrevistas com Joey Ramone, Jello Biafra, Kurt Cobain...), e o Lúcio Ribeiro, o colunista de música mais pop do Brasil ("O Lester Bangs ao contrário: fala bem de tudo!", foi a pérola do Berna), estão realmente mandando muito bem na idealização do Festival, que promete se tornar o equivalente nacional do Reading. Ano que vem eu garanto que eu vou, não importa quem venha, porque confio nos caras.

Fui mesmo pra ver o Supergrass, mas falo rapidinho das outras coisas que rolaram num paragrafão zoneado (e tranquilamente "pulável"):

(Dos Walverdes eu gosto muito - poucas bandas que eu conheça conseguem fazer punk-grunge nirvanesco com letras em português e sem soar ridículo. "Classe Média Baixa Records" é demais. Fiquei esperando, mas as minhas prediletas "Meu Bar" e "Viajando na A.M." não vieram. Num tem problema. O vocalista e guitarrista Mini se esgoelou bonito e os gaúchos fizeram um grande show na tarde atibaiana que ainda esperava o público chegar. Já do Ludovic eu não gosto: me parece muito teatral, muito dramático, com uma "dor" muito fingida... Se for pra ser triste, tem que ser triste de verdade! O Cachorro Grande, de quem eu nem sou tão fã, é uma banda incrivelmente supimpa em cima do palco. Os discos dos caras eu não aguento ouvir, principalmente porque me irrita aquela voz agudinha demais do vocalista... Mas ao vivo a coisa muda de figura, ganha em energia e diversão, vira uma festança rock and roll do caralho... E o MOMENTO GUITAR HERO, com aquele improviso de guitarra fuderoso, é prova de que, se fosse uma banda instrumental, o Cachorro Grande ainda assim seria foda. Desce redondinho, redondinho. E eu preciso dizer: os caras fazem com que um lance como a BÔINA pareça cool! Eu nunca na vida tinha suspeitado que um dia eu ia ficar afim de comprar uma bôina. Coisas que só o Cachorro Grande faz por você! A Nação Zumbi tem um dos shows ao vivo mais poderosos do Brasil, uma mistureba vigorosa de maracatu, dub, psicodelia, batucada, eletrônica e rock - aquele showzinho no SESC Bauru por 3 pilas, anos atrás, já tinha me deixado admirado, e dessa vez os caras tb não decepcionaram. Tudo bem que falta à Nação Zumbi um vocalista com mais carisma e mais energia (o Jorge Du Peixe sempre vai ser um substituto fraco pro Chico Science), e poderia ter um espaço maior para a guitarrinha ótima do Lúcio Maia se destacar. Mas são problemas mínimos. Mais uma vez tive aquela SENSAÇÃO DE TERREMOTO em alguns momentos do show, principalmente em "Blunt Of Judah" e "Meu Maractu Pesa Uma Tonelada". Show da nação vale por causa daquela máquina rítmica extremamente poderosa (qualquer gringo deve ficar louco vendo uma sessão percussiva tão BRUTAL) e daqueles GRAVES GORDÕES que são como imensas ondas que te estremecem o corpo todo. Dizem que nós aqui no Brasil não temos a oportunidade de sentir qual é a sensação de estar no epicentro dum terremoto. É mentira: basta ir num show da Nação Zumbi e ver os números subindo alto na Escala Richter... O Mission Of Burma, banda considerada uma das mais influentes do rock independente americano no começo dos anos 80, tendo inspirado gente como R.E.M. e Replacements (e Franz Ferdinand, bem depois), fez um ótimo show, barulhento, punky, sujo, bem ao estilo das bandas da Dischord. O único problema é que existem duas bandas que fazem um som igualzinho ao do Mission e que me empolgam muito mais: o Fugazi e o Gang Of Four. De qualquer modo, uma banda que valeu a pena conhecer - agora vou atrás dos discos. Já a saideira ficou a cargo do Fixxer e McCarthy, uma dupla de eletrocnêra pesada, deprê e raivosa - eu não tava no clima pra curtir depois de ter ficado alegre com o Supergrass, mas os caras são bons no que fazem. Bem Nine Inch Nails. E o Ira! realmente já encheu o saco. Aquela versão em português que fizeram pra "Train in Vain" do Clash, trocando o refrão original "Did you stand by me? No way!" por um horroroso "Vem ficar comigo! De vez!", é uma vergonha. Tudo muito previsível e sem paixão, tudo muito burocrático... Eis uma banda que já passou da hora de se aposentar... E alguém precisa avisar pro Nasi parar de ficar mostrando o sovaco pro povo a toda hora! Que falta de educação... Pensa que a gente quer ficar admirando tuas axilas, rapá? Sai fora...)

Vamos ao que interessa (ou não)...

O começo do show do Supergrass levantou suspeitas de que aqueles moleques que antes pareciam tão alucinados e cheios de energia juvenil tinham realmente entrado na desgraçada da maturidade... várias músicas levadas só na voz e no violão e na voz e pianinho deixaram a coisa com clima de luau, como se o Supergrass estivesse afim de ensaiar prum MTV Unplugged ou não quisessem fazer muita zona, mantendo tudo sussa. Comportados e certinhos, esses caras... Após um começo mais rocker, inclusive com o esporro gostoso de "Caught By The Fuzz", o Supergrass se pôs a mostrar as músicas da fase nova: aquela elegante e climática "música de tiozinho", quase Elton John e Steely Dan, bonito pra cacete, mas não muito rock and roll... As baladinhas quase prog do disco mais recente, o sofisticado e ambicioso e virtuosístico Road To Rouen (2005), deram uma gelada naquela parcela do povo que estava louca pra pular e pogar. Mas foi só um momento.

"Agora vamos dar a vocês um pouco de rock and roll", disse Gaz Coomes à platéia que aguardava ansiosamente o fim da baladas e o começo das porradas. E elas vieram numa sequência matadora, hit após hit, numa demonstração de que o Supergrass, uma das bandas mais pop do brit-pop, só não vendeu 10 milhões de cópias de In It For The Money, X-Ray Album ou Life On Other Planets porque... por que mesmo? Porque esse mundo é muito estranho.

Vestindo uma roupa de brechó e uns semi-ridículos SUSPENSÓRIOS VERMELHOS, o simpático e super-simples vocalista Gaz apareceu e me fez pensar: ele tá cada vez mais parecido fisicamente com um Neil Young mais jovem... ou com um jardineiro pobretão... ou com um camponês demodê que nunca aprendeu o que é vaidade... ou mesmo com um mico-leão dourado de 1 metro e setenta. Subiu ao palco vestido como se tivesse indo pra feira ou até a banca de jornal, totalmente "sem produção" (ao que parece: talvez tenha se produzido pra parecer desproduzido...). Desencanadaço, o cara se pôs, no maior sossego, a mostrar seu imenso talento como cantor e músico (no violão, na guitarra, no baixo e no teclado). Ver um show do Supergrass serve pra provar que a banda não seria nada sem Gaz Coombes, que ele é a alma e o coração do negócio - o Supergrass é o tipo de banda que nunca poderia seguir em frente com outro vocalista. Com um alcance vocal inacreditável, o cara é capaz de levar sozinho na voz e violão/voz e piano uma lenta balada quase Elton John, meter a garganta num punk rock nirvanesco ("Richard III", um dos sons mais pogáveis do mundo) e cantar afinadérrimo uns power pops melodiosos e grudentos ("Pumpin' On Your Stereo", "Grace"...). Poucos vocalistas do rock atual são tão versáteis e tem uma voz tão abençoada. E poucos são tão cheios de talento permanecendo tão humildes...

Porque olhando pr'sses caras não dá pra ter uma relação de fanatismo exagerada, uma pagação de pau boquiaberta e derramando baba... Porque eles são uns caras muito simples, muito afáveis, muito parecidos com a gente - não tão nenhum pouco afim de ficar fazendo pose de superioridade nem de fazer "teatrinho rock and roll". Eles não tem nada de "estrelinhas", nada de messiânico, nada de megalomaníaco.

Gosto de imaginar como seria estudar na mesma sala que esses caras no colégio. Eles seriam aqueles carinhas sorridentes, bem-humorados e um tanto nerds de quem quase todo mundo na sala iria gostar. Sempre ficariam trocando vinis de bandas antigas, cantarolando hits dos Beatles e dos Beach Boys, desenhando caricaturas de Lennon e McCartney nos seus cadernos. Certo dia, no meio duma aula de física, o Gaz iria chegar, atrasado e todo empolgado, como se tivesse achado um tesouro enterrado no quintal, e iria gritar na minha orelha, atrapalhando a aula: "cara, olha só! Descobri um lance chamado Kinks! E um lance chamado Zombies! E um lance chamado T Rex! E cê precisa ouvir essa coletânea chamada Nuggets..." Eles teriam álbuns de figurinha, curtiriam o programa de TV dos Monkees e assistiriam filmes de terror trash escondidos dos pais. Eles iriam economizar no recreio pra poder comprar guitarras usadas dos primos mais velhos e baterias toscas de lojas de segunda-mão. E enquanto os outros garotos estariam nas baladas enchendo a cara, Gaz e seus dois amigos, Mickey e Danny, estariam dentro do quarto, sentados no carpete, tomando um Toddy com rosquinhas de leite e arranhando um violãozinho... Talvez colocassem algum dos VHS piratas pra rolar na TV, assistindo pela 3a vez o "Tommy", pela 5a vez o "Curtindo a Vida Adoidado", pela 7a vez o "A Hard Day's Night"... E estariam cozinhando sonhos de criar uma banda que fizesse o mundo tão alegre quanto para eles fizeram os Beatles, os Kinks, o The Who, os Zombies, os Buzzcocks, os Undertones... Talvez já acalentassem idéias sobre possíveis clipes do futuro, inclusive um no qual eles estariam deitados numa cama andante e voante, parecida com um tapete voador, cantando "we are young, we are free, we're all right..."

Tô divagando...

É uma pena que o Supergrass tenha sido uma banda condenada ao "segundo escalão" do rock inglês, talvez por causa da "Síndrome do One-Hit-Honder". É aquela coisa: tem muita banda que explode mundialmente com uma música arrasa-quarteirão que toca tanto e tanto que faz muitas gente vomitar de enjôo e nem ir atrás do disco... Não são poucos aqueles que acham "Alright" uma bobinha popice descartável e que por isso nunca foram ouvir os discos do Supergrass. Pena. Igualzinho àqueles que, por raiva de "Ana Júlia", nunca ouviram os hoje já clássicos discos dos Los Hermanos...

Quando estourou "Alright", aquela grudenta baladinha sessentista que parecia Beatles-para-criancinhas (a continuação de "O-Bla-Di O-Bla-Dá"?), o Supergrass inevitavelmente teve seu destino marcado. Foram lançados subitamente para o alto das paradas, quando ainda tinham em média só uns 17 aninhos de idade, e depois nunca mais conseguiram cometer um hit de tamanho comparável. O Oasis, o Blur e o Radiohead, bandas mais ambiciosas e com líderes mais ególatras e ambiciosos, deixaram o Supergrass comendo poeira e ficaram na história como as principais bandas da história do brit-pop nos anos 90. E o Supergrass, banda mais discreta, acabou um tanto obscurecida - mas é sempre tempo de desfazer essa injustiça. Ok: o Supergrass não é uma banda "profunda", as letras não são lá essas coisas, eles estão longe de serem "gênios"... Mas e daí? Essas músicas são altamente curtíveis, beirando a perfeição pop... São praticamente pílulas de alegria! "BANDA PROZAC" - tá tudo dito aí.

Pra acabar, só um causo bizarro, em nome da Causa Gonzo:

Na hora de ir embora, Murphy resolveu aprontar das suas. Já estávamos na estradinha de terra de mão-única que conduz pra fora do Hotel Fazenda quando notei, tomado por um medão súbito, que minha carteira não estava mais no bolso onde deveria estar. "Xiii... fodeu..." - foi o que pensei. Tudo lá dentro: RG, CPF, título eleitoral, carteirinha de estudante, carteira de motorista, documentos do carro... Gelei só de imaginar todas as filas e todos os burocratas que eu teria que enfrentar pelas segundas-vias, toda a dor-de-cabeça que ia ser. Tive que dar a má notícia pros meus companheiros, tão mortos de sono e tão com vontade de chegar logo em casa: vou ter que voltar até o estacionamento e inventar um novo esporte - Caça À Carteira Perdida No Meio Dum Estacionamento Enlameado de Hotel Fazenda, De Madrugada, No Escuro, Com Dor nas Pernas E Com Sono, Com Risco Alto de Trabalho Em Vão... Duvido que vá se tornar esporte muito popular!

O tal do estacionamento, onde eu perdi a desgraçadinha, não era beeem um estacionamento: era um gramadão imenso, sem iluminação e transformado em lamaçal depois da chuva (aliás gelada e que me fez tremer por alguns minutos) que caiu. Primeiro saí correndo de volta porque não dava pra dar ré na rua de mão-única empanturrada de carros. Sem resultado na busca, o jeito foi esperar o povo ir embora e voltar na contra-mão pra fazer uma exploração com o carro em 1a marcha jogando uma luz. Depois do sufoco e da quase morte das minhas esperanças, o Aran me trouxe o alívio levantando do chão uma imunda e molhada carteira preta, largada ali em meio... à supergrama. Ufa! Então 'bora pra Sampa que daqui a pouco tá amanhecendo...

Eram seis e meia da manhã quando eu finalmente entrei no meu quarto, chutei longe meus tênis enlameados, larguei minha camiseta dos Ramones pelo chão e a sapeca da minha carteira fujona em cima da mesa, e finalmente me deixei cair na cama, ainda com aquele "Can't you hear us pumpin' on your stereo?" pipocando na cabeça. Pela janela, já entravam os primeiros raios de Sol de um novo dia e os primeiro latidos da cachorrada da vizinhança. E senti aquilo que sinto só umas duas ou três vezes por ano (às vezes menos...): eu tava de bem com a vida.


SETLIST Supergrass :

01 lenny
02 caught by the fuzz
03 bullet
04 mary
05 kiss of life
06 road to rouen
07 tales of endurance
08 st. petersburg
09 low c
10 roxy
11 funniest thing
12 kick in the teeth
13 rush hour soul
14 moving
15 grace
16 strange ones
17 richard III
18 pumping on your stereo
19 (break)
20 sun hits the sky


LEIA MAIS
:

- Site Oficial do Festival.
- O que a FOLHA, ESTADÃO e a ROCK PRESS disseram.
- Discografia na AMG (ñ acreditem: o disco de 1999 é tão bom qto os outros)
- Matérias bacanas na BACANA, na PÍLULA POP e na ROCK PRESS.
- Biografia bem completa do Supergrass na DYING DAYS.
- and introducing... MISSION OF BURMA.