segunda-feira, 17 de abril de 2006





(ia escrever só pra pagar pau pro filme do Fincher, mas me empolguei e acabei com um texto que é meio que sobre a Trilogia Inteira... Então tó:)

!!! TRILOGIA ALIEN !!!

Alien (de Ridley Scott, 1979)
Aliens
(de James Cameron, 1986)
Alien III (de David Fincher, 1992)


Quando foi lançado, em 1992, o segundo ano da Era Grunge, Alien III foi considerado por grande parte da crítica como um fiasco monumental - e o diretor iniciante David Fincher, saído do mundo dos videoclipes e das propagandas de TV, parecia ter afundado sua carreira de cineasta logo em sua estréia. Alguns anos depois, como se sabe, Fincher iria se redimir lindamente, cometendo pelo menos duas obras-primas irrepreensíveis que bastaram para o tornar um dos grandes diretores americanos dos anos 90: Seven, Os Sete Pecados Capitais (que é pra mim o melhor suspense de sua década, melhor até que O Silêncio Dos Inocentes) e Clube da Luta (que é pra mim um dos melhores filmes de todos os tempos - ponto final), além de dois outros thrillers competentes mas não tão marcantes (O Quarto Do Pânico e Vidas em Jogo). Só fui realmente checar qualé a de Alien III depois de ter virado fã de carteirinha de Fincher, curioso pra saber se o cara realmente derrapou tão feio assim em sua primeira incursão cinematográfica quanto dizem... E que boa surpresa! Digo, mesmo com 90% dos críticos do mundo contra mim, que acho o Alien de David Fincher disparado o melhor da série, o mais ousado, o mais estiloso, o mais subversivo, deixando o seu predecessor, o Aliens de James Cameron, comendo poeira...

O Alien 1, o do Ridley Scott, é sim uma obra-prima, um marco pro cinema de ficção científica com elementos de terror, um eye-candy maligno e plasticamente perfeito... Com um climão sombrio muito bem construído, um suspense hitchcockesco bem conduzido, uma narração que flui excelentemente apesar de com um certo vagar, o Alien de Ridley Scott tem sua maior virtude no climão em que ele nos envolve. Ele nos põe naquele ambiente claustrofóbico e solitário, nos encerra dentro naquela nave desoladora, nos faz tremer junto com os personagens perseguidos por aquele oitavo passageiro sanguinário...

Já em Aliens, a sequência dirigida pelo estrupício do James Cameron (que depois ficaria famoso pela desgraça do Titanic e por alguns outros filmes que eu não vi e não gostei...), a coisa desanda totalmente. Até hoje não entendo o deslumbramento de críticos e fãs com um filme tão desprezível - 100% no Tomatometer, vê se pode! O que antes, sob a condução de Ridley Scott, era uma ficção científica distópica e um suspense sombrio, virou um filme de ação descerebrado, uma espetaculosa idiotice, um "Rambo no Espaço"...

Se Ridley Scott tinha se preocupado mais em criar um climão todo gélido e temível, como faria também com mãos de mestre em Blade Runner, James Cameron (que aliás já dirigiu filme de ação com Arnold Schwarzennegger, pra vocês verem o nível...) resolveu fazer uma Aventura Galática Com Muito Tiro e Correria, onde os mariners americanos, todos com jeitão de Robocop, desmiolados e metidos a fodões, vão invadir o ninho alien com seus lança-chamas, suas metralhadoras gigantes e sua gritaria insuportável... Aliens é só apelação: aquela menininha enfiada na história para efeitos melodramáticos, aquelas cenas de ação zoneadas e sem feeling, aquele desfecho inacreditável de tão medonhamente ridículo onde a Ripley aparece comandando um Robozão Amarelo (um dos maiores momentos de Humor Involuntário da história do cinema!)... Fala sério!

Fincher chegou com uma visão nova e levou a Trilogia Alien pra outro lugar, tornou tudo mais excitante, mais imprevisível, mais gore - e seu filme traz os melhores diálogos da série e alguns efeitos de câmera muito bem utilizados, já demonstrando o "virtuosimo técnico" que se tornaria uma das marcas do cara no futuro (só pensar nas peripécias incríveis que faz a câmera de O Quarto Do Pânico). Os primeiros 15 minutos de Alien III já chegam chutando o pau da barraca em relação ao filme anterior, substituindo todo aquele heroísmo e glória de Aliens em tragédia e desolação. Todo aquele exaustivo espétaculo de resgate empreendido por Ripley para salvar sua querida filha adotiva, no fim de Aliens, já é de cara é estilhaçado em mil pedaços quando a loirinha é dada como morta já no início de Alien III. Foi tudo em vão... O previsível final feliz da saga, que se delineava no 2o episódio, já era. Não, Ripley não terá o prazer de substituir sua filha morta pela adotiva e viver feliz para sempre... E não é qualquer um que tem coragem de cuspir no filme a que pretende dar sequência! Ponto para Fincher, que fez bem em não continuar na mesma linha que Cameron impôs à série.

Fincher traz Alien de volta ao seu climão, que é de desespero, de sombras, de incerteza, e fecha a saga com um filme sci-fi altamente grunge – culpa dos tempos, também, pois era 1992. Alice in Chains e Soundgarden não ficariam mal na trilha-sonora de um filme tão deliciosamente sombrio! Fincher não economiza nos tons negros para pintar seu quadro desolador: ele nos obriga a assistir a autópsia de uma criança (numa daquelas cenas que faz com que as mocinhas mais sensíveis tapem os olhos com as mãos), encerra sua "heroína" numa prisão de segurança máxima cheia de assassinos e estupradores (que não vêem mulher há anos), a faz aparecer na tela com um zóião vermelho e inchado e com o cabelo raspado, e ainda por cima, como se não bastasse, faz com que ela esteja grávida de um Alien... E o melhor de tudo: nada de armas de fogo. Ah, James Cameron, eu queria ver o que tu faria tendo que fazer um Alien sem poder usar metralhadoras...

Nos dois filmes anteriores, dava pra saber de antemão que a Ripley iria vencer apesar de todas as tretas, durona e inquebrável como é. Fincher chega e subverte tudo. Mais do que um filme sobre a luta pela sobrevivência de um herói condenado desde o princípio à vitória, Fincher transforma Alien III num campanha suicida! Dá até pra dizer, exagerando um pouco, que no epicentro do filme está um dilema moral que Ripley precisa resolver: ela deve se entregar à equipe de resgate que vai reconduzi-la à Terra com um alien em sua barriga, com o risco de que a criatura cause imensas destruições no planeta azul, ou vai preferir se sacrificar em nome da segurança da humanidade?

Alien III, diferente dos dois anteriores, não é somente uma luta pela vida: Ripley quer mais é morrer... Ela se decide bem cedo ao suicídio, mas tem sérias dificuldades para concretizá-lo, principalmente porque mamãe Alien não quer matar a hospedeira do bebê Alien... Ripley quer se matar e não consegue; pede para o bicho sanguinário que a engula, e ele se recusa; pede para seus amigos lhe cortarem fora a cabeça, mas eles não querem... Quer coisa mais grunge?

E o dilema vai mais longe, porque, de certo modo, toda a saga Alien é meio que uma metáfora para os perigos da curiosidade humana. No início de tudo, não foram os aliens que nos atacaram gratuitamente, como é o caso na maioria dos outros filmes de ficção científica sobre extraterrestres, mas fomos nós que fomos meter o bedelho, mexer no vespeiro, enfiar o nariz onde não éramos chamados... É em nome da Ciência que a humanidade se coloca em perigo, e é em nome da Ciência que a equipe da Nostromo é "sacrificável", pois mais importa trazer vivo o espécime alien para estudo do que o bem-estar das próprias pessoas mandadas ao espaço para resgatá-lo... O lance distópico em Alien é que os astronautas são enviados ao espaço junto com andróides e naves pré-programadas, e eles mesmos, os astronautas, não são tão importantes: o que importa é capturar as criaturas, levá-las de volta para a Terra e estudá-las com a intenção de criar armas biológicas.

David Fincher, famoso por seus finais-de-filme imprevisíveis e inesquecíveis (ah, aquele de Seven é de longe o melhor final que eu já vi...), também aqui foge da previsibilidade e fecha a saga de um modo que os fãs certamente não esperavam (e talvez isso explique a implicância). O fim da trilogia, pessimista e sombrio, faz com que Ripley, ao invés de ficar de pé novamente como uma sobrevivente heróica frente aos aliens assassinos, pereça como uma mártir. Em sua agonia incendiária, Ripley envia uma mensagem de descrença em relação aos avanços da humanidade em direção a outros planetas e ao desenrolar da ciência em geral. Quando a heroína afunda naquela piscina de fogo, carregando consigo um espécime importantíssimo como objeto de estudo científico, está dizendo que a ignorância é mais segura que a busca pelo conhecimento e que a curiosidade, afinal de contas, pode nos matar. Pode-se não concordar com essa visão, mas o fato é que Alien III oferece um desfecho que faz pensar mais que qualquer de seus predecessores e nos entrega às discussões pós-filme. Aqui, em sua estréia, já está prenunciado o talento de David Fincher para enfiar questionamento e provocação em filmes que parecem, à primeira vista, unicamente comerciais - de modo que Alien III está longe de ser um fiasco: visto depois de Seven e Clube da Luta, é só mais uma prova de quão brilhante é a mente de Fincher.