quinta-feira, 13 de março de 2008


dos desejos abortados


“Queres pouco: terás muito.
Queres nada: serás livre.”
FERNANDO PESSOA


Do pouquíssimo que eu sei sobre a vida, e sei quase nada, certeza mesmo tenho de poucas coisas. E uma delas é que desejar o impossível é o caminho mais fácil para ser infeliz. E que as nossas esperanças altas demais só servem, no fundo, para deixar um gosto de decepção e cinzas na boca quando são fulminadas pelos raios de uma realidade sempre impiedosa e que – outra coisa que sei quase com certeza... - não está nem aí pra gente.

E como é que a gente sabe se um desejo deve ser abortado como um feto defeituoso, se não há exame ultrasom que mostre as entranhas do coração? Como é que a gente escolhe, dentre os filhos não nascidos , aqueles que serão abandonados e os que serão acolhidos? Como é que a gente prevê os danos futuros ou as benfeitorias longínquas que hão de trazer essas sementes que plantamos em nosso solo, tantas vezes estéril? Como decidir que desejo bom e que desejo é ruim?

Penso assim: desejo ruim é aquele que parece criança pidona e teimosa. Desejo ruim fica feito pirralho chato puxando nossa roupa, esperneando no chão do mercado, esgoelando pelas madrugadas, porque quer-porque-quer aquilo que quer. Desejo ruim se revolta e se enraivece quando não recebe o que pedia e, fulo que só ele, arquiteta planos de vingança sangrenta e homicida contra quem impediu sua satisfaçãozinha tão desejada. Desejo ruim é aquele que solicita o que é difícil de conseguir – ou pior! - que tem fome do impossível.

Se a criança pidona quer um foguete particular pra ir visitar os anéis de Saturno todas as noites, por mais bonitinho e poético que seja esse louco querer, os pais não têm muita solução além de causar o desconsolo e assistir o filhote chorando – chorando até que o desejo saia inteiro, abortado, pelos olhos. Com a vida também é assim. Quando a gente pede demais, quando pede o que não existe, quando pede o impossível, ela não tem nada a fazer senão ficar assistindo, impassível, à morte dos nossos sonhos. Até que a gente aprende a ter desejos dos bons – não a parar de desejar, como queriam os budistas, mas a desejar melhor.

Pois há desejos em gestação no nosso útero mental que, talvez, sejam fetos natimortos. Desejos que não servem para este mundo – e não há nenhum outro. Desejos que ficarão por dentro, crescendo, germinando, aguardando, na impaciênmcia, na esperança, no temor, por algo que não virá. São plantas crescendo em nossas estufas, recebendo nosso adubo e os jatos da nossa luz, mas que nunca darão frutos. Sâo desejos que nunca matarão a nossa fome. Que, talvez, sejam na verdade os CULPADOS por essa LONGA FOME QUE NÃO PASSA! E por esta fraqueza generalizada que às vezes sentimos quando os desejos estão de barriga vazia.

Há desejos que nada fazem além de estender seus bracinhos miúdos na direção do que está fora de alcance – e sempre estará.