sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

:: give 'em the boot! ::



TYLER DURDEN SPEAKS

"A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal

You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us..."

radiohead. "no surprises".


Quem foi o bestalhão que um dia disse que o "trabalho enobrece o homem"? Não esse. Não desse jeito. Não nesta selva. Não quando se tem vontade de comprar tacos de baseball e é preciso resistir aos ataques psicóticos que quase, quase vêm. Daqui a pouco, você tá quase no estado do Michael Douglas em "Um Dia de Fúria", ou do Ian Curtis, em 1980, em sua lavanderia em Manchester... Quem sabe comprando explosivos para assistir o império dos cartões de crédito demolido - "and we have front row seats for a theather of mass destruction"...

Trampo e tesão: seria esta a perfeita conjunção. Mas não. Pra você, como para a grande maioria dessa coisa hedionda que são as pessas normais, trabalhar nada tem a ver com pôr seu coração inteiro naquilo que você cria. Trabalho é o que você faz enquanto a Vida espera lá fora. Trabalho é o que você faz enquanto o Coração, dentro do peito, hiberna. Enquanto ele dura, ela é meia-vida, quarto-de-vida, fração-de-vida: um caldo morno, insosso, sem cor e sem fascínio.

Você? Nada mais que carne no açougue, sem voz no Reino dos surdos, sem opinião e sem vida própria num mundo de ordens que descem, descem e descem. Nada mais que uma maquininha de escrever que precisa fazer o que é pedido, de acordo com os ditames de cima, com máxima produtividade e eficiência, submisso e moldável. Só mais um empregadinho que pode ser tratado com grosseria pela chefia, que pode tomar os maiores esporros e com quem se pode falar do jeito que um general fala com um raso soldadinho. Sir, yes, sir! Só mais um que pode tranquilamente ser mandado pra casa tendo que segurar as lágrimas. Porque você não é ninguém. É um parafuso na maquinaria. É um como outro qualquer. Se não fizer o que lhe é pedido e devido, rua! A fila anda. Tem uma pá de gente nas fileiras dos desempregados e esfomeados que ficariam felizes de assumir o seu posto. Seja eficiente e submisso, ou seja deposto.

Tão barato assim você vendeu seus tão invendáveis ideais? Onde foi parar aquele espírito inquieto, transbordante de insubordinação, contente de ser rebelde, orgulhoso de ser insubmisso, que escrevia com lágrimas jorrando do rosto e faíscas flamejando na alma? Onde, aquele menino louco que se debruçava sobre o abismo, alegre com a vertigem, duelando com as esfinges? Que triste espetáculo você, hoje! No horário regulamentar, escrevendo com um tédio infinito, fazendo hora, torcendo pro dia acabar, rezando pelo findi, implorando por feriado, ó deus dai-me férias. Sem falar do medo de que a infelicidade se torne tão grande, tão grande, que algo por dentro vá explodir.

Onde foi parar aquele jovenzinho ambicioso que comprava todos os meses a Caros Amigos, cheio de orgulho por ser adepto do "tipo certo de jornalismo"? O de colhões. O de combate. Aquele que marchava junto com os operários, os camponeses, os humilhados, os fudidos, os pés-rapados, vendo como missão a derrocada dos grandes impérios, colonizações, escravaturas e submissões! Aquele que seria guerrilheiro que, ao invés de metralhadoras e molotov, portaria suas palavras como armas. Todos os descalabros do poder, desmascarados. Todos os fatos, escondidos pela "grande mídia conivente com as classes dominantes", trazidos à tona, sem dó, para desespero dos hipócritas e dos profissionais do ocultamento. Você tinha tantas grandes palavras na mente. Tantas lindas ambições desmesuradas de ser incorrompível. Não foi com esses ardores que vc entrou na facul de jornalismo?

Lembra? Que um dia você sonhou? As letrinhas se unindo como exército que crê na construção daquele outro mundo possível que, na época, o Fórum Social de Porto Alegre anunciava como iminência. A idéia de textos que, impressos num papel como marcas de fogo, procuram despertar todos os entusiasmos, conclamar à participação em todos os justos protestos, chamar à adesão a todos os merecidos desprezos - um jornalismo que fosse incendiário, crítico, empolgante, transformador, combatente, ardorosamente intempestivo!

Que desse às autoridades a vontade de te meter em cana. Ou na cadeira elétrica.

E agora, José? Tão cedo assim você virou a casaca? Se mandou direto para o exército inimigo? É só mais um engrossando o fétido caldo dos cooptados? Não tem vergonha por dedicar-se a algo que representa tanta traição à vida que você sonhou, à luta à qual você deveria se filiar? Quem te mandou pôr a alma a leilão? Vendê-la para quem der mais? Aceitando o inaceitável só porque tem que pagar as contas? Escroteando a sua vida por uns trocados a mais no fim do mês?

why did you exchange
a walk-on part in a war
for a lead role in a cage?



E eles - Eles! - ainda reclamam da sua apatia frente a esse lindo projeto da civilização ocidental de maximizar lucros, lucros, lucros e lucros. Amiguinho, não se preocupe: frente a esse projeto do dinheiro-acima-de-todas-as-coisas que contamina o coração do nosso tempo, fique fiel a esta tua nobre e infinita apatia! É heróico e lindo bocejar e fazer cara de tédio quando ficam agitando cédulas de dólar frente a teus olhos. Não seja como o bebêzinho da capa do Nevermind, inebriado por uma nota presa a um anzol! É daquele jeito que eles nos querem. Frente ao mundinho corporativo dos engravatados endinheirados de carrões e discursos e caviares e normopatia e sonhos de consumo, ostente com orgulho a sua cara de desinteresse, de quem prefere ser um Bukowski vivendo como mendigo pulguento fedido debaixo de alguma ponte do que ser como eles.


Há os milhões que morrem de fome ou em hospitais, em guerras civis e atentados, em tiroteios e terremotos, que apodrecem em filas e debaixo de marquises e que rastejam no chão de cidades bombardeadas em busca de seus braços e globos oculares. Há uma cultura nojenta, com um bug em seu sistema operacional, querendo nos transformar a todos em consumidores padronizados que trampam em trabalhos que odeiam só para poderem comprar um monte de tralha de que não precisam. Há contra o que lutar. Como há! E você aí... com essa cara de bunda.

Como é que você pôde? Tornar-se mais um soldadinho que se empenha em fazer crescer o Império Corporativo Americano? Mais um na folha de pagamento de uma grande multinacional e passando o dia-a-dia só no oba-oba à toda-poderosa? Mais um cheerleader fazendo festa para elogiar e comemorar com foguetórios os lucros e sucessos dos gigantes empresariais? Mais uma ovelinha branca e de olhos vendados que não enxerga nada de errado em fazer parte do Esquemão? Qual o próximo passo, cuzão? Começar a frequentar o shopping center aos sábados, a missa aos domingos e a academia durante a semana? Começar a curtir blockbostas nos cinemas e popices eletro-bundas no dial das FMs? Começar a querer ter o carro do ano, uma TV de mais polegadas, um sound system maneiro, um iate irado, uma casa em Miami Beach?

Essa é sua vida, e ela se acaba de segundo a segundo, e há milhões de livros a ler, milhões de abismos onde se jogar, milhões de nuvens e estrelas a contemplar, milhares de papos a bater e pessoas a conhecer e revoltas a lutar e viagens a fazer e incêndios a causar e drogas a experimentar e gotas de sangue a derramar e bandas a formar e livros a escrever e coisas bacanas para viver - e você aí, cuzão, vivendo o pesadelo da resignação à Vida Normal.

Disfarçando o cheiro de adolescência que ainda solta, desobediente, o teu nirvanesco teen spirit mau-domesticado com litros de perfume francês patrocinado pelo capital. Hoje você põe mordaça em sua discórdia para que não suspeitem que você veio do estrangeiro, de um país inimigo, e que entrou nesse novo território sem nenhuma simpatia e sem o desejo de ficar por muito.

E agora? O que você vai ser? Mais um palhaço sorridente contratado para derreter-se em elogios à chefia? Mais um dos assalariados comportados e submissos que engolem sapo, puxam saco, fabricam máscaras e ficam bem quietinhos em seu lugar na hierarquia? Mais um dos que, por cansaço ou por deixar a alma morrer na adultice, desiste da briga e nem tem mais energia para protestar e tentar depor tudo o que fede? Mais um bunda-mole que acreditou no Lennon quando ele disse que o sonho acabou?

Se for pra ser ovelha, que seja negra!