sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

:: i'll keep on singin' love songs / just to break my fall ::



:: LOVE ON DEATH ROW ::



De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Condenados à morte somos todos. Talvez amanhã eu não esteja mais aqui. Talvez você. Ou até mesmo o planeta, que apesar de não ser um ser vivo, é tão mortal quanto as criaturas que hospeda. Como ousar imaginar um prolongado futuro quando vivemos vidas tão frágeis, que vagam como lumes que uma brisa mais forte bastaria para apagar? Como deixar para depois os apogeus, adiar as consumações e só dar à felicidade a chance de chegar no futuro distante, se não sabemos nem se vivos estaremos daqui a um minuto?!

Quando você me contou que estava indo embora, a melancolia que me tomou acabou vencida por uma esperança maior. Sim, a separação iminente e inevitável - você, de mudança para uma cidade distante... - fulmina a minha esperança de um amor prolongado, que enchesse meu ano com suas benéficas marés de carinhos, afagos e mimos de que estou, faz tanto, tão precisado... Mas, ao mesmo tempo, não impede o sonho de um amor que, como diz Vinícius, não será eterno, posto que é chama, mas... que pode ser infinito enquanto durar. E imensamente terapêutico, para estes nossos dois corações tão estraçalhados e famintos, sem precisar para isso ser um tratamento prolongado. Há os que se curam ficando internados em U.T.I.s por meses e meses. E há os que se curam tomando, em poucos dias, doses cavalares do santo remédio. Eu continuava, continuo (e continuarei?), sempre a devanear: "O coração dela seria o melhor dos hospitais..."

E e meu coração alado, sonhando um tórrido mês de amor frenético, antes da separação... Ela que (ah romantismo tolo que me estraga a alma!) eu me digo que foi o Destino (ora! o Destino!) quem impôs. Sonhando um amor digno de um conto existencialista: um amor iluminado pela certeza de sua própria efemeridade. Que já nasce com os dias contados. Como se fosse entre dois condenados à morte. O que de fato somos. E não só nós dois. Quem disse que não poderia ser lindíssimo viver esse romance, mesmo com essa iminente separação no horizonte, fazendo-nos famintos um do outro, famintos de uma intensidade vivida que gere vívidas memórias, famintos de degustar o irrepetível banquete?! Será que não deveria ser esta a magnífica fome que ronca no coração dos amantes? A fome de quem sabe que as pessoas são passageiras e que é preciso amá-las como se não houvesse amanhã? Pois na verdade não há.

* * * * * *

Acho este um dos maiores charmes dos filmes do Richard Linklater que tanto moldaram as minhas fantasias afetivas, e que continuam instigando o meu desejo - Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol: são filmes de amor lindíssimos justamente pois retratam o amor consciente de sua própria efemeridade. O casal sabe: só temos este dia. E tratam de degustá-lo com uma voracidade que não existiria se o tempo futuro fosse assegurado. Eles sabem que vão se separar. Por isso se amam tão bem. Pois isso há tamanha urgência na comunicação e no contato. E não se trata de fazer as coisas de um jeito afoito e superficial, como faz a tola juventude dos “ficantes”, que também vive de seus rolos ultra-efêmeros, mas que são também, muitas vezes, ultra insignificantes. Esses filmes provam que o efêmero pode ser extremamente significativo.

Acho que não é a quantidade de tempo que um casal passa junto que faz com que esse vínculo seja precioso: há muitos que se deixam ficar unidos um ao outro por inércia, por medo da mudança, pela morna segurança, pelo monótono conforto, sem que a admiração mútua ou um intenso desejo de um pelo outro conte qualquer coisa. Meu pessimismo me leva inclusive a pensar que tempo demais é uma força destruidora da beleza dos amores. Ah, esses casados de 20, 40, 50 anos... que sensaboria! Que tédio! Que ausência absoluta de paixão! Como deviam ser mais belos na aurora do feitiço, nos balés da conquista, nos primeiros beijos e transas, do que se tornam depois de um contato tão prolongado e tão desencantante. É essa a impressão que dá: que as pessoas perdem o encanto, umas para as outras, com o tempo de convivência. Não acho que isso seja inevitável, mas parece ser uma tendência forte. Gente enjoa. E eu não me acho diferente.

Acho até mesmo que nunca vou me casar, à moda antiga, do jeitinho que pedia a cultura hoje moribunda de nossos pais e avós – casamento monogâmico sacramentado pela igreja católica e vigente "até que a morte nos separe". Isso aí me parece uma múmia fedendo a formol, que logo logo vai sair completamente de moda. Daqui algumas décadas, talvez, iremos olhar para esse estranhíssimo costume – acreditar que Papai do Céu mandou a gente casar virgem com uma pessoa e viver com ela até a morte! – como algo semelhante ao canibalismo ou rituais de vodu de povos pagãos e primitivos. Acho que qualquer mulher desse mundo que tivesse a desventura extrema de se casar comigo ia acabar por enjoar da minha pobre pessoa, fatalmente, e acho que não levava nem 5 anos. talvez nem 5 meses. Não sou um ser assim tão interessante. Me considero muito, muito enjoativo. Já estou enjoadíssimo de mim mesmo, e olha que só vivo na minha companhia faz um quarto-de-século. Eu não desejaria esse triste destino a nenhuma pobre mulher deste mundo: passar na minha companhia todo esse tempo! Coitadinha! Por misericórdia prévia, eu me abstenho do casamento. Confesso que não sou um bom partido.

Acredito que a INTENSIDADE DA EXPERIÊNCIA VIVIDA interessa muito mais do que o TEMPO. Tanto que os momentos mais intensos da vida são vividos num Além do Tempo, num Esquecimento do Relógio, num Abandono Absoluto À Vivência, de um jeito que faz com que estes momentos equivalham a fragmentos de eternidade que seguramos em nossas trêmulas mãos por instantes. Não aguentamos o peso da eternidade por muito tempo. Só conseguimos ser eternos muito de vez em quando, e bem rapidinho...

São aparições súbitas. Mas nesses segundos se condensa um ouro que daria para encher muitas horas, muitos anos, algumas décadas. Não é preciso que a estrela cadente fique a cruzar o céu por 50 anos para que os olhos humanos que a testemunham em sua jornada no firmamento se sintam permanentemente maravilhados. Aliás: que chatice, que monotonia, se os espetáculos lindos da vida se demorassem muito no palco do Universo! A vida é serelepe, criança peralta, capetinha com fogo no rabo – não aguenta ficar sentada. É um filme de ação. Ação trágica, ação cômica, ação criadora e destrutora, ação dançante e polvilhante, explosiva e apoeirante, que efeito especial algum de cinema saberia representar, uma imensa orgia em que o impossível é estar estático, não só porque o Tempo não pára – é que TUDO NÃO PÁRA – e o tempo acompanha...


E claro que há, também, o MEDO DA FELICIDADE: pois como suportaríamos o peso de perdê-la? Só se embarca de alma inteira na viagem da felicidade quando se pode ter a convicção de que ela irá durar? Raciocina a fria razão: se há uma separação inevitável que nos aguarda, por que iríamos sequer COMEÇAR uma relação que teria que ser fatalmente rompida? Não é MENOS DOLOROSO para nós desencanar desde já deste vínculo, para que seu rompimento não nos maltrate muito depois? E o ardente coração, infinitamente tolo, infinitamente sábio, diz: mas eu quero! eu quero! Dê-me migalhas de amor, segundos de amor, ácaros microscópicos de amor, mas não me deixe completamente faminto!

Sem falar que o fato de toda festa ter um fim nunca foi motivo para não festejar. Nem o fato de que acabaremos todos mortos é razão para não viver.

Eu? Eu quero esse sofrimento. Eu prefiro esse magnífico sofrimento heróico à mornidão do sofrimentozinho cotidiano. Juro que prefiro me tacar de cabeça em um mês de amor tórrido, de completa entrega, mesmo que depois me despeça com lágrimas jorrando dos meus olhos e já me preparando para sofrer a doce tortura da saudade. Prefiro sentir um vínculo profundo e querido se rasgando a me separar de ti como se nada fosse: algo que se dissolve no tempo, que afoga nas negras águas do esquecimento. Não quero esquecer. Não me ofereça esquecimento, como se fosse um tesouro que, por piedade, você me estende, embrulhado pra presente. O esquecimento é a morte. É a morte agindo no cotidiano. Você eu quero lembrar. E quanto mais intensas forem as lembranças, melhor.

De você, quero uma tatuagem. Marcada em fogo na minha alma, indelével, inapagável. E sei bem da dor que é deixar-se tatuar: você não sabe o que é tinta e o que é sangue, se aquilo é beleza ou se é loucura, se é arte ou masoquismo. Ainda mais quando a tatoo desenha-se num fragmento de nosso ser tão frágil e elástico como o coração – aliás pulsante e inquieto demais para que o desenho saia sem deslizes. Mas sim, quero, aceito, imploro: tatua-te em mim. Quero te levar, vida afora, sempre na lembrança. Quero que, ainda que doa, você venha e, no tempo que nos resta, onde haveria espaço para um amor que beira o infinito, apesar de ser chama que parece tão mísera de tão finita, e marque-se pra sempre em mim.

Quero o teu corpo tatuado na minha alma.