LIFE IN A GLASSHOUSE.
"Gosto de quem fala como quem se despe,
não pra se exibir, como querem os exibicionistas,
mas pra parar de se esconder."
André Comte Sponville.
não pra se exibir, como querem os exibicionistas,
mas pra parar de se esconder."
André Comte Sponville.
O que eu mais queria era me tornar transparente. Como se a minha carne se tornasse vidro, e daqueles dos mais cristalinos, que deixa ver tudo lá dentro... Estou já bem cansado de viver assim: emparedado, protegido, brincando de esconde-esconde, guardando tudo dentro do meu cofre... É com certeza esse o meu maior defeito, dentre tantos que tenho: sou uma pessoa muito fechada, que costuma trancafiar dentro de si a maioria de seus sentimentos e pensamentos, e que depois precisa ir conversar com o papel pra desabafar... Tenho essa dificuldade tremenda em conseguir confiar em alguém o bastante para ter a coragem de abrir o meu coraçãozinho, e essa minha encanação, esse meu receio, me empareda vivo na meia-vida... Tudo o que eu mais queria era atingir um certo estado onde eu pudesse dizer: "não tenho nada a esconder, nada do que me envergonhar, nada a omitir, nenhuma necessidade de fingir que sou melhor do que sou... me contento em ser."
Ter um blog pode parecer uma bobagem pra muita gente, mas pra mim é, sinceramente, uma das coisas mais importantes da minha vida - e algo que eu realmente acredito que me ajuda a viver melhor. Gosto de ter esse lugarzinho perdido num canto da Internet onde eu possa me expressar, me mostrar, extravasar, fazer meu treinamento na arte da abertura e da transparência... Claro que ainda tenho um certo temor - cada vez menor, com certeza - de revelar coisas extremamente íntimas por aqui, e me escondo então detrás de todos esses filmes, esses discos, esses livros... Mesmo sabendo que esse Dirty LIttle Mummie é menos visitado por internautas do que a Ruanda por turistas, ainda assim receio o que essa dúzia de leitores que tenho vai pensar de mim...
É sempre assim: sou escravo (sempre fui) dessa poderosa entidade que é "O Que Os Outros Vão Pensar"... "O inferno são os outros", diz um personagem de Sartre, e eu muitas vezes concordei. Eu sou assim: não consigo ser nenhum pouco indiferente ao que possam pensar de mim. Sou extremamente ENCANADO, a ponto de muitas vezes perder toda a espontaneidade, toda a naturalidade, e às vezes ficar paralisado na timidez e no silêncio... E estou ainda muito longe de chegar àquele estado do "não dou a mínima para o que possam pensar sobre mim!". E não sei se algum ser humano consegue atingir isso. E nem sei se deveria. Não são sempre os outros que nos dizem quem somos? Não é sempre deles que provêm o alimento de que mais necessita a nossa alma? É aquela coisa: "nós não somos ninguém nem nada se alguém não nos olha, não reconhece nosso valor, não preza nossa existência, não diz a nós que temos algum valor, não devolve a nós a nossa imagem ungida de algum brilho, de alguma vitalidade, de algum reconhecimento...".
Fui um péssimo aluno na Escola do Punk Rock, agora vejo bem... O Mestre Punk sempre me dizia: "ei, cara, desencana! Seja quem você é! Está tudo bem se você for imperfeito e um pouco ridículo, se você não for nenhum gênio, se tiver sentimentos de criança, se for um pouco bobo, se tiver uns medos bestas! Cê num precisa ficar se achando um fracasso só porque num consegue solar como Jimi Hendrix: se contente com teus três acordes! Se forem tocados com sinceridade e entusiasmo, por que não poderiam ser muito mais fundamentais esses três acordes do que qualquer solo de dez minutos? Ei: num abaixa tua cabeça só porque você num é idêntico aos teus sonhos! YOUR STANDARDS ARE WAY TOO HIGH! Mande teus sonhos pro inferno e "torna-te quem tu és!" Pare de se preocupar com o que os outros vão pensar e viva livre! Pare de se auto-limitar com seu medo eterno de que os seus atos e palavras possam não agradar! Não seja assim tão sério! Mas que diabo! A seriedade é uma Doença da Cabeça, cara! Não te contaram não? Vai se tratar!..." E no fim do curso, chegou meu boletim e tava lá: Eduardo, REPROVADO COM NOTA 1.0 na Escola do Punk... Back to school, dumb-ass!
Eu deveria utilizar a palavra escrita para me fazer conhecido, usar o blog como um Campo de Treinamento. Estou cansado de andar pelo mundo sentindo que as pessoas não me conhecem tão bem quanto eu gostaria. Sei que eu mesmo impedi esse conhecimento com as minhas proteções e meus muros, e que se devo reprovar alguém, é muito mais eu mesmo, por ter sido tão arredio e anti-social, do que os outros. Eu também não me esforço tanto por tentar conhecer as pessoas, na maior parte das vezes... É tão mais fácil enfiar a pessoa numa imagem estereotipada dentro do nosso Catálogo Mental de Pessoas! Tão mais fácil colocar um rótulo, fazer um julgamento rápido, e não pensar mais nisso... Tão mais fácil acreditar que as pessoas são aquilo que nós queremos que sejam e não o que realmente são...
Eu poderia criar textos ultra-complexos, cheios de palavras difíceis, fazendo altos malabarismos de pensamento e escrita... e poderia criar textos exibindo muito conhecimento, soltando nomes de bandas e filmes e escritores pra todo lado, só pra mostrar o quanto eu sou "culto e antenado"... Sim, eu poderia ficar me exibindo para os outros à maneira dos exibicionistas... Mas é claro que não é isso o que quero fazer - e não é o que o Mestre recomenda. "Gosto de quem fala como quem se despe, não pra se exibir, como querem os exibicionistas, mas pra parar de se esconder", diz o Sponville. Porque exibicionismo tem sempre muito de falsidade. E escrevem-se muitos textos que não passam de punheta... Caras que escrevem somente para poderem se vangloriar de que sabem escrever bem, ou que sabem pensar bem, ou que tem muitos conhecimentos, ou que são espertalhões... É natural, claro, e também faço isso frequentemente. Mas quero tentar vencer meu Desejo de Falsidade, minhas máscaras, meus personagens idealizados. Agir sendo quem sou e não quem eu gostaria de ser. Não sei se me entendem... Eu penso assim: quando vamos escrever, fazemos um "recorte de nós mesmos", selecionamos cuidadosamente aquilo que em nós parece capaz de gerar nos outros admiração, amor, respeito, simpatia... Por isso a coisa por vezes acaba soando falsa, kitsch, não-genuína... O escritor, quase sempre, não passa de um publicitário de si mesmo, e se vende como um produto: todo o mal é escondido, posto debaixo dos tapetes, omitido, e todos os holofotes são dirigidos para o bem que se possui - ou que se finge possuir. Omitir também pode ser uma forma de mentir - e talvez a mais comum delas.
O que quero não é exibir somente o que há em mim de nobre, de louvável, de admirável. É claro que isso também. Mas o importante é que exiba tudo, inclusive - e sobretudo! - aquilo em mim que é fraco, feio, sujo, pequeno... Podem perguntar: mas pra quê eu iria chatear os outros com meus defeitos? Em que isso poderia ajudá-los? Acho que tudo se resume à tentativa de ser quem sou. E também isso evitaria que as pessoas me idealizassem demais. É um antídoto contra as decepções que poderiam surgir. É como se eu dissesse: "vejam só como estou longe de ser perfeito! Posso ser extremamente egoísta, choramingas, rancoroso, sem graça, tedioso, apático... Tenho em mim todos esses vícios, esses defeitos, essa confusão... E sofro de melancolia aguda... então não me peçam pra ficar fingindo que a vida é a maior das maravilhas e das delícias - porque esse simplesmente não é meu estilo... Não espere de mim que eu aja como um deus ou um anjo: sou só um homem! Talvez nem isso... Oh, people say i'm a child! Oh no, oh no, I'm much younger than that!"... Sinceridade e humildade. A fraqueza confessada e - tomara! - aceita. "A verdadeira grandeza não está do lado da vontade de poder", diz o meu grande mestre Sponville (se voltando contra Nietzsche e toda aquela arrogância dele, toda aquela ambição ególatra...), "mas do lado da fraqueza confessada e perdoada."
"I'm so tired of acting tough, so I'm gonna do what I please!"
Acredito que é preciso muita força para conseguir admitir a fraqueza. E acredito que há muita sabedoria em se admitir a ignorância. E que a sinceridade é sempre melhor que o cinismo. Mentir não vale a pena. Quero sempre mais luz - luz banhando tudo, luz, luz e mais luz... Quero me mudar para a Casa de Vidro...
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