terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Adoro essa velha safada. Fazia uns anos que eu não pegava pra ler as coisas dela, que tanto me fascinaram e empolgaram quando eu tinha uns 18/19 anos. Devo ter devorado quase que a obra completa da Hilda naquela época - e ela virou minha escritora predileta, disparado. Eu tinha certeza que essa mulher escrevia completamente chapada.

"Cascos e Carícias", coleta de crônicas, é o ponto de partida ideal pra quem não conhece o trabalho da Hilda: é divertido, sarcástico, provocativo, caótico e ultra-bem-humorado - ótimo pra desfazer aquela imagem que muitos tÊm da Hilda Hilst como a escritora seriona e carrancuda, que só sabe falar sobre morte, putrefação e as canalhices de Deus. Ela é muito mais que isso. É uma das maiores gênias da história da literatura brasileira.

Sim: Hilda Hilst é tudo de bom!

E já comentei que adoro uma blasfêmia?

"...por que será que todas as coisas ligadas à santidade são necessariamente ligadas ao sofrimento? Por que é preciso flagelar-se, jejuar, maltratar o corpo, mutilar-se, dar todos os bens, ser um pária na vida? Por que os humanos inventaram um deus ou deuses sempre ameaçadores, ávidos por sangue e martírio, as bochechas inchadas de tanto triturar a carne das criaturas? O conceito de martírio, holocausto, sofrimento para dar prazer a um deus é para mim inaceitável. O que pensar dos neurônios de Isaac entendendo que era para pôr o filho na fogueira? Todos esses supostos diálogos dos humanos com um suposto deus me lembram a Telesp em dias de chuva, você chamou Londres e te dão Carapicuíba ou Cururu-Mirim. Ninguém entendeu nada até agora (como na microfísica) e os humanos têm mesmo, segundo a Ciência, muitos parafusos soltos entre o neocórtex e o hipotálamo. Não me conformo também com isso de um deus mandar seu filho para o planeta Terra a fim de ser crucificado. Para nos salvar, me ensinaram. Mas nós não fomos salvos de nada! Continuamos os mesmos estúpidos paranóicos (é só ler a História) em direção à loucura, ao pânico, ao desespero. Como é que você pode entender alguém que te diz: "sim, meu amor, eu te amo, mas aguenta firme que vou te arrancar as unhinhas, aguenta firme que vou te furar os óinho, aguenta firme que vou te crucificar". Até parece historinha sadô: "me bate, amor, me corte de gilete, me põe o armário em cima". Se Deus fosse só um amante enciumado e eu o traísse com o chifrudo, até dá pra entender. O sexo é ligado a muitas fantasias sórdidas. Ou vocês só fazem aquele buraco no lençol? Alguém muito especial me dizia: tens um inimigo? Deseja-lhe uma paixão. Mas a luz lá de cima, o grande sol das almas me condenando ao sofrimento, me pentelhando para sempre a vida? Ah, não." (HILDA HILST, Cascos e Carícias.)