quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

CARTA DE CONSOLO A UM AMIGO EM APUROS

Não sei se sei como é que se faz, mas sei que preciso pelo menos tentar. Será que consigo “levantar o astral” de alguém, eu que nunca me considerei lá muito “animadinho” e saltitante? Eu que nunca curti os consoladores pessoais e as pessoas de personalidade muito yuuuupiie? Não sei. E, pra falar a verdade, acho que sempre tive um pouco de nojo dessas pessoas que tem profissões que exigem que elas nos deixem alegres, à força, a qualquer preço, na marra: as gente tipo as professoras de aeróbica, e aqueles monitores de hotéis brugueses, e os palhaços de circo, e os entertainers de TV, essa raça... Sei que você concorda comigo nesse ódio! Por que não nos deixam em paz com nossa tristeza?! Por que ficam lá exigindo que a gente sorria o tempo todo?! Por que é que nos olham como se a gente fosse um monstro só porque não tá afim de ficar dando espetáculos de alegria?!

Então, amigo, essa é sim uma carta de consolo: tô aqui te estendendo uma mão, através da distância, tentando te ajudar a se levantar... Mas eu te dou toda permissão para ser triste! Te dou toda permissão para continuar chorando, o tempo que você quiser, o tempo que você precisar... Te dou todo apoio se quiser mandar ao inferno todo mundo que acha que a felicidade é obrigatória. Mas eu não seria teu amigo se não viesse aqui, com meu pequeno e humilde guindaste, todo feito de palavras, tentando te erguer!

Então vamos, velho, não fica assim! Levanta essa cabeça, enxuga esses olhos, varre do teu rosto essa tristeza, que a vida pode não ser um playground ou um picnic, mas também não é assim tão sinistra quanto você fica aí se dizendo. E tua vida só tá começando, my little pal, mesmo que você goste de se dizer, dramático desse seu jeitinho, que sempre teve planos de acabá-la antes da hora. Eu sei que é conversa fiada, que é só chantagem, que é só drama... Eu sei que você não é da turma dos desistentes!

Você é daqueles que sofre e sobrevive, que se fode e se supera, que cai e se levanta, que pode até quebrar uns ossos, mas sempre segue andando... Você é daqueles que cai da bicicleta, rala o joelho, passa Mertiolate e segue pedalando. Você é daqueles que é tão bom na arte de se sentir desconfortável, como diz aquela música que você curte tanto, que nunca pára no mesmo lugar: está sempre se mexendo, como aquelas pessoas quem tem insônia e se debatem na cama, tentando achar uma posição mais agradável... tua vida é isso: você se debate e se remexe, até espantar o que te incomoda, até se livrar do que te aporrinha, até se transformar e trocar a pele. Você sabe que é verdade o que dizia o bigodudo: “o que não nos mata nos torna mais fortes”!

Vamos, não fica assim! Vai na cozinha e come uns chocolates; ouve um pouco de rock, pulando em cima do colchão e tocando air guitar; bate uma punheta no chuveiro; pensa no amor que um dia virá, e na mocinha que um dia ainda há de te querer muito bem; faz isso. Só pra se lembrar dos pequenos prazeres que estão aí, ao alcance da tua mão e da tua imaginação, enquanto você fica aí, tristonho...

Vamos, a coisa não tá tão preta! Pode ser que agora você esteja viajando por um lamaçal, meio esburacado e nojento, com umas nuvens nubladas tomando todo o firmamento, e não veja lá muita razão para seguir viagem, mas não faz isso, amigo... Não larga esse carro no acostamento, derrotado, se dando de presente pros urubus. Por que quem pode dizer o que há no futuro? Novas paisagens virão... Novos cenários, novos climas, novos encontros, novas aventuras, debaixo de novos sóis e novas luas. Porque nunca se nada duas vezes no mesmo rio, nem nunca se está duas vezes debaixo do mesmo Sol, nem nunca se é exatamente a mesma pessoa de um dia para o outro... Se hoje você não gosta tanto de quem você é, se console pensando que poderá gostar daquilo em que se tornará! Time is on your side.

Eu lembro até hoje da noite em que a pinga te fez desembestar em confissões... foi um momento foda! Que você meio que estragou, quando correu a se esconder e se trancar dentro de você mesmo, no momento em que sentiu que tinha “passado dos limites”... Lembro do jeito como você baixou as pálpebras sobre os teus olhos molhados, com medo de deixar-se ver assim, tão vulnerável, tão perdido... E era madrugada, tudo no maior breu - e você ainda assim quis esconder o crime que cometiam os teus olhos, como se a escuridão não bastasse, como se fosse preciso recobrir ainda mais tamanha vergonha... E como acontece tantas vezes, num ataque de pudor, você quis se esconder, como se o teu choro fosse uma lepra e como se não quisesse que nenhuma pessoa no mundo te visse assim...

Pensou o quê? Que eu ia gostar menos de você só porque num se segurou e teve um pequeno breakdown? Pensou que eu sou o tipo de gente que iria te desprezar por essa demonstração de “fraqueza”? Mas não eu não sou assim... E prefiro muito mais aquele que sabe ser assim, sincero sobre suas dores, do que aqueles que estampam no rosto seus sorrisões e fingem que tudo está bem... Não gosto de quem finge que consegue ser alegre o tempo todo! E acho que eu acharia impossível amar qualquer pessoa que não chora jamais.

Então não faz isso, amigo, nunca mais: não esconde o teu rosto no braço quando sente a água descer! Não volta pra tua caverna, pro teu iglu, pra tua fortaleza! Vai fazer o quê?! Vai voltar a chorar preso no quarto, escondido no escuro, contendo os soluços, pra não alarmar ninguém, como sempre costumava fazer? Você era bom nisso de sofrer em silêncio, e todos nós, teus amigos, nunca nem sequer suspeitamos que você pudesse estar mal por dentro, já que por fora tudo parecia tão normal... E agora que você tá conseguindo ser verdadeiro sobre os teus sentimentos, vai fazer o quê?!

Vai voltar a acreditar que homem que chora é bichinha? Vai de novo ficar preocupado com a tua reputação de masculinidade e pensar que é coisa muito feia e vergonhosa? Vai voltar a fazer segredo das tuas dores? Vai rasgar todas essas folhas cheias de lamúrias, que você fica aí enchendo com teus garranchos, só pra não dar bandeira, já que quem lesse iria te achar um fracote? Vai sair lá fora, de olhos secos, cabeça erguida, com pose de vencedor, e se fazer de forte? Vai continuar a fingir que não precisa de ninguém? Vai tentar acreditar, ainda um pouco mais, que é possível ser feliz sozinho? Vai espalhar pelos quatro ventos que é “auto-suficiente” e independente? Vai fazer assim, como quase todo mundo faz?!

Mas não! Não faz isso! Ninguém está te pedindo pra ser de ferro e aço! Ninguém está te pedindo para ser forte! Ninguém exige que você seja mais que humano... E você não precisa se desculpar se está de olhos molhados: não há porquê pedir desculpas!

Vamos, não fica assim! Pra quase tudo tem concerto! De quase todo labirinto há saída! Faz assim: se num der pé você bóia! Se engasgar você tosse! Se sangrar você lambe! Se arder você assopra! Se o gosto for ruim você cospe! E se quiser uma mão, ou mesmo um ouvido, me chama! E se a dor for mais do que você pode aguentar, sei lá, você berra! Grita que uma hora passa. E chora, chora bastante, que também ajuda. E chora sem medo de ser visto – pois quem viria enxugar tuas lágrimas se ninguém pudesse enxergá-las? Chora como quem quer tirar do organismo um veneno, expelindo pelos olhos! Chora como quem se purifica.

Vamos, cara, não fica assim... Por hora segura firme esse volante e vai adiante – o caminho à tua frente é longo e você tem que saber enxergar que a estrada vai além do que se vê. Não desanima não - pois quem sabe o que é que te aguarda, ali, mergulhado no horizonte, lentamente crescendo no útero do futuro?

Força sempre!
Best wishes!
Teu soul brother,
XXXXXXX.