Fofureza total, humor fino, crítica social subliminar, cenários sci-fi distópicos, militantismo ecológico e anti-consumista, e, sobretudo, uma animação primorosa da cada-vez-mais-destruidora Pixar: tudo isso está em doses cavalares em Wall-E, o blockbuster mais adorável e imperdível do ano. Como Beatles, Ramones e chocolate, Wall-E é daquele tipo de coisa que merece o veredito: impossível não gostar! Isso é cinema como pura magia e Hollywood destilando um charme irresistível, que conquista o coração até mesmo das mentes mais críticas da cultura americana comercial.
Wall-E, robô-lixeirinho solitário e sentimental, adepto dos mementos de valor afetivo achados em meio à sucata e fã confesso de velhos musicais de Hollywood, em especial os mais melosos, veio para tomar de R2D2, 3CPO e Robocop (!) a coroa de Robô Mais Memorável da História do Cinema. O "sujeito" é simpatia pura e sério candidato a nova figurinha mítica do imaginário pop mundial. Daqui a 10 anos, não duvido que bonequinhos de Wall-E sejam vendidos junto a brinquedos de Luke Skywalker e Darth Vader ou lembrado pelas crianças-crescidas com o mesmo carinho que dedicam ao E.T. do Spielberg.
Num filme repleto de inteligência implícita, Wall-E (dirigido por Andrew Stanton, o mesmo de Procurando Nemo) nos comunica, quase sem precisar de palavras, imagens que nos contam sobre a relatividade de todos os valores (como quando ele lança longe um anel de diamantes, achando a caixinha muito mais valiosa...), sobre a dependência do afeto em relação à memória (como na cena mais melancólica do filme, em que o gravadorziho portátil de Wall-E, aparentemente danificado, faz com que ele se esqueça de tudo de doce que compartilhou ao lado de sua amada - e o amor ameaça sumir, afogado pela amnésia) e, claro, sobre a sociedade cibernética e inter-galáctica do porvir.
Nenhum crítico crico da cultura americana, tida por alguns como lixo alienante ou entretenimento fútil, pode reclamar do conteúdo ideológico implícito em Wall-E. Por um lado, o filme carrega uma tremulante bandeira ecológica, alertando a inconsequente humanidade sobre os perigos do abuso contra o meio-ambiente em mais um capítulo da, digamos, Cruzada Al-Górica que começou a atacar os cinemas com Uma Verdade Inconveniente. Os cenários pós-apocalípticos que a Pixar ergueu no planeta Terra, reduzido a um imenso ferro-velho ou lixão a céu aberto, tornado inabitável pelo excesso de sujeira, representam uma das mais corajosas incursões da Walt Disney no domínio da distopia - território antes sempre preterido em prol de uma abordagem sempre utópica e otimista. Por inacreditável que pareça, a duplinha Disney/Pixar fez um filme que faz soar o alarme ambiental, nos deixando com medo de vermos o planeta reduzido a escombros pelos excessos da industrialização e pelos despojos da voraz e impiedosa sociedade de consumo, que deixa atrás de si um rastro assustador de lixo. E de gordura.
(Rola até uma anarquia fellinesca quando os Robôs Defeituosos, numa versão ultra-moderna do Levante dos Escravos, estouram numa rebelião contra as autoridades, chefiados por Eva e Wall-E, os revolucionários! Caralho, a Disney tá virando marxista!)
Porque é também com uma certa dose de sarcasmo que o filme trata seus personagens humanos hospedados na navona que viaja num cruzeiro inter-espacial - onde o luxo idiota e o supérfluo imperam. Os ex-terráqueos, gordos como porcos, sedentários feito rochas e acomodados como bichos-preguiça, são outra semi-distopia presente em Wall-E e que tem efeitos subliminares poderosos. A humanidade em Wall-E está reduzida a um estado de imbecilidade tão grande que dá até dó: sentados eternamente em poltronas flutuantes, chupando eternamente canudos de refrigerantes e olhando para uma tela que só bombardeia entretenimento vulgar, os homens em Wall-E são muito mais antipáticos que os robôs.
Wall-E, robô-lixeirinho solitário e sentimental, adepto dos mementos de valor afetivo achados em meio à sucata e fã confesso de velhos musicais de Hollywood, em especial os mais melosos, veio para tomar de R2D2, 3CPO e Robocop (!) a coroa de Robô Mais Memorável da História do Cinema. O "sujeito" é simpatia pura e sério candidato a nova figurinha mítica do imaginário pop mundial. Daqui a 10 anos, não duvido que bonequinhos de Wall-E sejam vendidos junto a brinquedos de Luke Skywalker e Darth Vader ou lembrado pelas crianças-crescidas com o mesmo carinho que dedicam ao E.T. do Spielberg.
Num filme repleto de inteligência implícita, Wall-E (dirigido por Andrew Stanton, o mesmo de Procurando Nemo) nos comunica, quase sem precisar de palavras, imagens que nos contam sobre a relatividade de todos os valores (como quando ele lança longe um anel de diamantes, achando a caixinha muito mais valiosa...), sobre a dependência do afeto em relação à memória (como na cena mais melancólica do filme, em que o gravadorziho portátil de Wall-E, aparentemente danificado, faz com que ele se esqueça de tudo de doce que compartilhou ao lado de sua amada - e o amor ameaça sumir, afogado pela amnésia) e, claro, sobre a sociedade cibernética e inter-galáctica do porvir.
Nenhum crítico crico da cultura americana, tida por alguns como lixo alienante ou entretenimento fútil, pode reclamar do conteúdo ideológico implícito em Wall-E. Por um lado, o filme carrega uma tremulante bandeira ecológica, alertando a inconsequente humanidade sobre os perigos do abuso contra o meio-ambiente em mais um capítulo da, digamos, Cruzada Al-Górica que começou a atacar os cinemas com Uma Verdade Inconveniente. Os cenários pós-apocalípticos que a Pixar ergueu no planeta Terra, reduzido a um imenso ferro-velho ou lixão a céu aberto, tornado inabitável pelo excesso de sujeira, representam uma das mais corajosas incursões da Walt Disney no domínio da distopia - território antes sempre preterido em prol de uma abordagem sempre utópica e otimista. Por inacreditável que pareça, a duplinha Disney/Pixar fez um filme que faz soar o alarme ambiental, nos deixando com medo de vermos o planeta reduzido a escombros pelos excessos da industrialização e pelos despojos da voraz e impiedosa sociedade de consumo, que deixa atrás de si um rastro assustador de lixo. E de gordura.
(Rola até uma anarquia fellinesca quando os Robôs Defeituosos, numa versão ultra-moderna do Levante dos Escravos, estouram numa rebelião contra as autoridades, chefiados por Eva e Wall-E, os revolucionários! Caralho, a Disney tá virando marxista!)
Porque é também com uma certa dose de sarcasmo que o filme trata seus personagens humanos hospedados na navona que viaja num cruzeiro inter-espacial - onde o luxo idiota e o supérfluo imperam. Os ex-terráqueos, gordos como porcos, sedentários feito rochas e acomodados como bichos-preguiça, são outra semi-distopia presente em Wall-E e que tem efeitos subliminares poderosos. A humanidade em Wall-E está reduzida a um estado de imbecilidade tão grande que dá até dó: sentados eternamente em poltronas flutuantes, chupando eternamente canudos de refrigerantes e olhando para uma tela que só bombardeia entretenimento vulgar, os homens em Wall-E são muito mais antipáticos que os robôs.
E isso não me parece uma distopia tão longe de se tornar real: é só pensar que o Tio Sam, de tanto encher a pança de junk-food, têm pago a conta de seus excessos no consumo com um nível de obesidade sem paralelo entre as nações ultra-capitalistas modernas. Os humanos em Wall-E vivem num conforto material extremo, mas tratado por aqui com um olhar um tanto irônico, como se o alerta de desastre ecológico, que soou na primeira parte do filme, recebesse como complemento um novo apito de emergência: de que o consumismo adotado como estilo-de-vida parece gerar pouca coisa além de estupidez e adoção de um cotidiano fútil, sem sentido, impregnado de entretenimentos eletrônicos que isolam as pessoas e alienam da realidade. No fim das contas, a humanidade está reduzida tal grau de estupidez, e o planeta transformado numa wasteland tão desoladora, que são os robôs que vão nos salvar de nós mesmos - limpando o lixo e, claro, nos re-ensinando a dançar e a amar.
Pois o conteúdo distópico, alarmista e semi-sarcástico não impede porém a historinha de ser um legítimo conto-de-fadas bonitinho e fofinho bem ao gosto da Disney, essa velha dama especialista em agradar as multidões com seus doces consolos. A história de amor entre Wall-E e sua robôzinha bonitona Eva deve entrar nos anais como um dos romances roliudianos mais marcantes dos últimos anos. É um casalzinho bem incongruente e que, digamos, combina bem pouco, à primeira vista: ele é meio demodê, out-of-date, encardido, arruinado, último sobrevivente de uma raça de robôs já transformada em obsoleta. Enfim, Wall-E é quase um mendigo dos robôs, um proletário, um Patinho Feio, uma ovelha negra. Já Eva é high-class, de primeira linha, de design ultra-moderno, circuitos e chips chiques, podre de hi-tech. Enfim, uma aristocrata, uma patricinha, uma membra da elite robótica universal. Por isso o meigo romance entre estas duas criaturas tão desiguais soa como uma releitura cibernética de casais como a Bela e a Fera, a Dama e o Vagabundo, a Princesa e o Sapo. A "cena de amor" mais antológica é, claro, aquela valsa no espaço com extintor de incêndio como propulsor. Pura poesia.
A tradicional técnica de humanizar bichinhos, árvores e coisas inanimadas é re-utilizada em Wall-E - mas com a incrível competência de se transmitir sentimentos quase sem fazer uso da linguagem verbal. Os efeitos sonoros de Wall-E são tão espantosamente competentes que fazem-no sério candidato ao Oscar da categoria no ano que vem. Poucas vezes um filme quase mudo e com personagens protagonistas todos feitos de metal, ferro e circuitos elétricos conseguiu emocionar tanto.
Repleto de referências pop diretas (a 2001 - Uma Odisséia no Espaço e Titanic, por exemplo) e indiretas (a humanização de robôs remete a Blade Runner, ao Bishop de Alien - O Oitavo Passageiro, ao menininho de A.I. - Inteligência Artificial), Wall-E é um dos raros casos de blockbuster digníssimo de ser assistido e candidato a novo clássico do cinema americano. Ao mesmo tempo que liga as sirenes de emergência, chamando a atenção para o colapso ambiental e criticando o estilo-de-vida consumista e entretivo, Wall-E é um grande filme americano que derruba um pouco os valores do american-way-of-life (individualismo, competitividade, consumismo, entretenimento fútil, sedentarismo...) e invoca a retomada de valores milenares simples, acabando por ser uma bonita elegia do amor, da alegria e do romantismo bucólico.
MAIS: cinemascópio - mary ann - pablo vilaça
A tradicional técnica de humanizar bichinhos, árvores e coisas inanimadas é re-utilizada em Wall-E - mas com a incrível competência de se transmitir sentimentos quase sem fazer uso da linguagem verbal. Os efeitos sonoros de Wall-E são tão espantosamente competentes que fazem-no sério candidato ao Oscar da categoria no ano que vem. Poucas vezes um filme quase mudo e com personagens protagonistas todos feitos de metal, ferro e circuitos elétricos conseguiu emocionar tanto.
Repleto de referências pop diretas (a 2001 - Uma Odisséia no Espaço e Titanic, por exemplo) e indiretas (a humanização de robôs remete a Blade Runner, ao Bishop de Alien - O Oitavo Passageiro, ao menininho de A.I. - Inteligência Artificial), Wall-E é um dos raros casos de blockbuster digníssimo de ser assistido e candidato a novo clássico do cinema americano. Ao mesmo tempo que liga as sirenes de emergência, chamando a atenção para o colapso ambiental e criticando o estilo-de-vida consumista e entretivo, Wall-E é um grande filme americano que derruba um pouco os valores do american-way-of-life (individualismo, competitividade, consumismo, entretenimento fútil, sedentarismo...) e invoca a retomada de valores milenares simples, acabando por ser uma bonita elegia do amor, da alegria e do romantismo bucólico.
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