sábado, 18 de julho de 2009

:: pensamentitos! ::

:: PENSAMENTINHOS ::
metidos a bonitos.


Li em algum lugar que, sobre a felicidade, só se pode pronunciar um moribundo: às beiras da morte, ele olharia para todo seu passado, para o arco completo de sua vida, e bateria o martelo do juízo: se seu viver foi ou não bem-sucedido... E eu, que sinto ganas de berrar de felicidade agora mesmo, quando ainda sou jovem e tenho pulmões sadios, quando trago nas veias amor corrente e no peito um coração comovido, cometerei o erro de cantar vitória antes da hora? Ora, ora, mas toda hora é hora de cantar vitória! E hoje sinto como se não precisasse mais, como o maratonista precisa da linha de chegada, ou o piloto da bandeirada, esperar o fim raiar, para só então comemorar... Não preciso que a morte chegue, ela que não vai me deixar língua para cantar, nem coração para se alegrar, antes de afirmar: viver valeu a pena! Ainda que a pena não tenha sido pequena.

Ando achando besteira dizer que o sucesso de uma vida só se pode julgar quando seu percurso está completo. Acaso só podemos dizer que é belo um cometa só depois dele ter terminado seu passeio pelo firmamento?! E uma festa, só pode ser julgada porreta quando se vai o último convidado e entra a faxineira? Eu, me desculpem, bato palmas agora mesmo! Até porque nem acho que a morte 'tá com essa bola toda...

De hoje em diante, a pergunta "a vida vale a pena ser vivida?" se desfaz em pó, como a estátua de pés de barro que era, como um bloco de gelo, derretido por um nascido sol, e que se torna água, líquido nada... A vida mesma respondeu-a, pela via das delícias, com um "mas é claro!"

E em mim o Nada perdeu seu fascínio. "Between nothing and grief, i choose grief!" – dizia o Faulkner, citado por Godard ao fim de Acossado. E é isso: a vida, ainda que doa, me soa sempre preferível ao nada, que pra mim é coisa que não tem graça nenhuma... Quer coisa mais besta que o nada? Quer coisa mais interessante, ainda que por vezes bizarra e dolorida, que a vida?

Hoje experimento essa novidade tão bem-vinda: a sensação de ser capaz de amar a vida. Não vejo na morte nem a panacéia, nem uma causa de infinita angústia, mas um suave fechar de cortinas que deve encerrar uma jornada bem vivida. "Vou pro céu com os pés no chão", canta o Karnak... e é esse o espírito!

* * * * *

A ETERNA NOVIDADE DO MUNDO

"Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção – isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão." (FERNANDO PESSOA)

Por detrás do morro do futuro, o que há? Nem sofro tanto pela condenação a nunca poder sabê-lo. Meu coração ama melhor quando ama curioso... Quando caminha, ao mesmo tempo apressado e cauteloso, na direção das surpresas contidas nos amanhãs. Aberto à eterna novidade do mundo. Vivendo no presente, não a temer os monstros que podem saltar desse negro vazio que chamamos de futuro, mas indo ao alegre encontro das novidades que os amanhãs inevitavelmente trarão. Que elas, as novas, boas ou más, nos encontrem convidativos e hospitaleiros, certos de que o Sol que nasce hoje não é o mesmo que ontem se pôs, e que a caneta da vida ainda está em nossas mãos, mortiça, perdendo tinta, pulsante de urgência, acessível para que rabisquemos um destino, um desenho, uma alegria, um sorriso...

* * * * *
a irremediável novidade dos segundos

este segundo, nunca houve.
nunca tinha havido.
jamais um igual,
no passado ou no futuro.
ainda que o poeta seja pobre,
e que pessoa o tenha melhor exprimido,
é fato, caro leitor, que jamais em tua vida
tinhas passado segundos
como passou estes.
e os anteriores.
e os próximos.
e todos os que virão.
e todos os que vieram.
todos, todos, todos!
segundos são sempre novos.
segundos são sempre recém-nascidos.
segundos são sempre portadores de ineditismo!

só não nota a eterna novidade de tudo
quem nega-se a descer, docemente, a corrente.
e se petrifica em estátua,
e se enrijece em pedra,
vivendo como se o Tempo fosse velho,
quando, pelo contrário,
ele é a própria Eterna Novidade!
enquanto os que possuem consciência dinossáurica,
fóssil, pesada, antiquada,
óssea, esqueletária, de cemitério,
dizem do Tempo:
“isso é coisa velha! e Ele é sempre o mesmo!”

nós, os serelepes, os de olhos sem vendas,
os que temos pés leves,
dionisos ébrios de vida,
almas livres amantes de quebrar correntes,
arregalamos os olhinhos pasmos,
abrimos amplamente as consciências boquiabertas,
e saudamos o Tempo, com um abraço,
sabendo que ele traz sempre o frescor glorioso do novo.

tudo sempre se desenrola
num eterno agora.