domingo, 24 de julho de 2005



9 CANÇÕES
(9 Songs), de Michael Winterbottom, EUA, 2005, 69 min.

Já tava sabendo da má reputação desse filme (tomates podres / metacritic / cinemascópio) antes de me arriscar a ir ver, mas pensei que não podia ser tão mau quanto diziam...; tava achando que pessoas muito puritanas, que já estão gritando de horror quando vêem uma genitália exposta na tela, é que estavam queimando a imagem do troço; que provavelmente era algo de muito divertido, com uma trilha sonora excitante e muita putaria da boa; que devia ser muito "provocativo" e muito "chocante"... Mas não: comprovei que Nove Canções é mesmo tão ruim quanto andam falando e que não se fala mal dele por ser "muito brutal" ou "muito pornográfico", coisas que certamente não é, mas simplesmente por ser cineminha meia-boca: repetitivo, praticamente sem enredo, sem qualquer diálogo mais inteligente, sem nenhuma criatividade verdadeira, com personagens pouco interessantes, rasinhos, rasinhos...

O filme é independente, filmado com câmera digital, de baixo orçamento, somente três pessoas na equipe (o diretor Winterbottom, o cameraman e o cara do som) e um elenco mínimo de duas pessoas; e a idéia era registrar um rápido affair entre um jovem casal na Inglaterra que gasta os 69 minutos de projeção com sexo (muito), drogas (um pouco) e rock and roll (com rápidas férias num concerto de piano). Os pombinhos - aparentemente ninfomaníacos em estado muito avançado da doença - se conhecem num show do Black rebel Motorcycle Club e daí em diante, além de irem a vários shows de bandas do Novo Rock americano e britânico, brincam de fazer amor das mais variadas formas conhecidas.

Começando como um soft-porn suave, meio metido a "artístico", o filme vai lentamente se transformando em algo mais descaradamente pornográfico e vulgar, com direito a penetração, ejaculação e buraquinho anal exibido. Fica-se com a impressão de que Nove Canções é só um filme pornô tradicional (daquele que nem precisa de muita "historinha" antes de chegar à ação propriamente dita) que resolve intercalar alguns videoclipes entre uma cena de putaria e a próxima, e só, nada mais. Ou que é um documentário sobre grandes canções de rock dos últimos anos que intercala uma ou outra cena de putaria entre uma canção e a próxima. Uma "idéia" que, evidentemente pouquíssimo criativa, parece ter saído da cabeça de algum adolescente burguês com os hormônios borbulhantes que ganhou de papi uma câmera digital e que viu a luz: "Vou filmar umas putarias e uns shows de rock, e depois vou me fingir de cineasta radical e transgressor!"...

O filme se reduz a essa fórmula simplérrima, pouco ambiciosa e bem medíocre: uma canção, uma trepada, uma canção, uma trepada, uma canção, uma trepada, ao infinito... Tudo bem que as cenas de sexo são filmadas com realismo, crueza, falta completa de frescurites, o que faz com que o espectador sinta que o sexo ali gravado não é somente uma simulação. It's the real deal. E, claro, Winterbottom foge dos clichês tradicionais que o cinemão comercial utiliza nas cenas de sexo: os joguinhos de luz, os ângulos que são escolhidos de propósito para "não mostrar muita coisa", aquela trilha sonora saxofônica (amém, Kenny G...) que é tão melada que chega a dar ânsias de vômito... E também dá pra admirar a atitude dos atores, que se entregam ao olhar das câmeras sem dar nenhuma amostra visível de pudor ou inibição, o que não é tarefa fácil para um filme que exige que eles atuem nus na maioria das cenas. "Nove Canções" pode muito bem ser o primeiro filme com pretensões a ser "sério" e "cinema de verdade" em que os atores ficam mais tempo pelados do que com roupa, "proeza" que nem "O Império dos Sentidos" conseguiu.

Mas o problema é que "Nove Canções" não se sustenta como filme e acaba se parecendo muito mais com um AMONTOADO DE CENAS pornô em que Winterbottom põe em prática um modo de abordar o erotismo que pareça mais realista do que o usual. Tudo bem, acho até louvável querer mostrar a coisa com mais naturalidade, menos grandiloquência, menos efeitos cinematográficos, mas isso daria algo de bom somente se estivesse inserido num filme verdadeiro, com história, enredo, desenvolvimento, coisa que "Nove Canções" não consegue ter. Esse filme "não sai do lugar", é esse o problema... ele não anda pra frente... fica estagnado no sexo e nas canções e sua repetição cansativa e tola...

E só pra disfarçar a monotonia e a repetividade revoltantes, se enfia à força no meio da salada algumas informações de Almanaque sobre a Antártida (?), aliás aparentemente arbitrárias e um tanto absurdas. Neste "momento cult" de 9 Canções o espectador é presenteado com muitas curiosidades sobre o continente de gelo que, veja só, não foi pisado por ninguém antes do século 20 e que possui sei lá quantos mil quilômetros quadrados de gelo.... Que diabos a Antártida tem a ver com o rock and roll e com a odisséia sexual de nossos protagonistas? Absolutamente nada, a não ser que o gelo seja metáfora para a vida afetiva dos nossos dois amantes...

Pois entre esses dois não parece haver nenhum tipo de atração mais profunda, nenhuma verdadeira simpatia ou amizade, nada que mereça receber o nome de "amor" ou mesmo de "paixão". O que eles fazem é usufruir de seus corpos, como animaizinhos no cio, sem que seus "eus interiores" sintam qualquer comunhão mais próxima. E, aliás, parecem se conhecer muito mal e se interessar ainda menos por qualquer coisa que não seja o corpo alheio. Que diferente é o casal de "Antes do Amanhecer" e "Antes do Pôr-do-Sol", os lindos filmes de Richard Linklater: aí o verdadeiro valor é a conexão entre os espíritos, a amizade entre os amantes, o conhecimento mútuo e o bom-humor... Quão ridículo, medíocre e pouco atraente me parece esse casalzinho de "Nove Canções" quando comparado com aquele de Ethan Hawke e Julie Delpy... E podem me chamar de romântico, não me importo nem um pouco.

Ok, "Nove Canções" até funciona como um conjunto de video-clipes que registra as performances ao vivo de bandas bacaninhas, desde as atualmente hypadas (Black Rebel, Franz Ferdinand, Von Bondies), as já clássicas (Primal Scream, Super Furry Animals) e as meio medíocres (Elbow, Dandy Warhols...). O duro é que a música, que deveria salvar o filme de ser um desastre total, não empolga tanto assim (falando por mim). É incrível, por exemplo, como as backing vocals do Von Bondies cantam pessimamente o refrão de "Come On" (música tão legal que é um crime estragá-la assim, gurias...), quão mal-aproveitado foi o show do Super Furry Animals (com certeza havia um trecho melhor a selecionar), que musiquinha mais chata dos Dandy Warhols foi inserida no filme... E duvido muito que haja muita gente que vá ao cinema para ver os clipes ao invés da putaria...

Veredito: Nove Canções, como filme pornô, é medíocre (não sou nenhum phD no assunto, juro por Deus, mas tenho certeza que há uns muito mais excitantes e quentes do que este!); como "filme de rock", é um tanto decepcionante (pela falta de qualquer entusiasmo verdadeiro dos personagens pelo estilo e pela oscilação entre canções foda e outras chumbregas...); como "obra de arte", é totalmente nulo. Pra mim, o filme de Winterbottom conseguiu a proeza de ser pior do que "Ken Park", filme este que, pelo menos, tem uma ou outra sacada inteligente, um ou outro diálogo marcante (gosto principalmente da última fala do filme de Larry Clark, quando a pergunta "Você gostaria que a sua mãe tivesse te abortado?" recebe como "resposta" um dos silêncios mais eloquentes que já vi)... Eu acho que já passou da hora de certos caras perceberem que filmar sexo explícito, ejaculações, penetrações, punhetas e chupadas não é o que basta para ganhar a medalha de Cineasta Transgressor e Revolucionário... (2.0 / 10.0).

obs: em cartaz no ESPAÇO UNIBANCO da Rua Augusta.