"Come on baby in our dreams,
we can live our misbehavior"
* Pus um textão inédito, um tanto amalucado, ambicioso pra mais de metro e prolixo como de praxe sobre o
ARCADE FIRE lá no
Depredando - confiram! Fazia tempo que eu queria conseguir colocar em palavras tudo o que me fascina nesta bandaça canadense, mas demorei muito tempo pra digerir a obra (já são alguns anos ouvindo e penetrando cada vez mais fundo no mundo que eles criaram...) e pra sacar melhor (e poder explicar!) de onde vem tanto fascínio que eles geraram - sobre mim e meio mundo.
Pra mim o
Funeral é um dos melhores álbuns lançados nesta década, sem dúvida alguma, e o Arcade Fire uma das bandas hoje, no mundo, que tem uma das propostas artísticas mais brilhantes. Se me perguntarem, as 3 melhores bandas do planeta Terra, atualmente, são o Radiohead, o Wilco e o Arcade Fire. Quem discordar que meta o bedelho nos comments aí embaixo - esse blog bem que tá precisando dumas polêmicas! :P
Acho que nunca escrevi uma resenha tão pretensiosa (e olha que como crítico musical eu sou bem pretensioso!), nem tão detalhista, nem tão "viajandona"... Mas esse é o tipo de obra que merece um tratamento minucioso assim e eu, como fã, não me perdoaria escrevendo pra eles menos do que eles merecem. Eu tenho que me conter para não acabar escrevendo verdadeiras Teses de Doutorado sobre os discos que eu amo. Conheço poucas pessoas que tenham uma relação tão insanamente obsessiva e excessivamente emocional com a música. Tenho que me tratar! :)
Mesmo que ninguém tenha saco pra ler o treco inteiro - e eu sei bem que é altamente improvável que alguém tenha a disposição e o gosto pela banda suficientes para ler com atenção e cautela tudo que eu despejei no papel... - pelo menos vou ficar feliz se meia dúzia de pessoas começarem a ouvir esse disco fodaço com mais cuidado, com o coração mais aberto, prestando mais atenção na poesia e deixando-se envolver pelos "climões" arquêidianos... E nesse ponto eu sou preconceituoso e não abro: quem não gosta de "Wake Up", "Power Out" ou "Rebellion (Lies)", me desculpem, mas boa gente não é!
Aliás, só para compartilhar uma felicidade besta provinda de uma trivialidade, sou um fã cada fez mais feliz da banda agora que sou o orgulhoso detentor duma camiseta trim-massa deles - cor vinho, com letras douradas, comprada barateenho na Galeria do Rock junto com aquela do Bart Simpson vestido à la Laranja Mecânica (outro presente adorável que não resisti comprar pra mim mesmo)! Tô adorando desfilar por aí como um garoto-propaganda ou outdoor ambulante desse treco esplêndido que é o Arcade Fire.
* Algumas palavras sobre o tio
Zé Miguel Wisnik. Esse semestre, pela 1a vez, fui dar um passeio em outros rincões da FFLCH fora a Filosofia e tô frequentando, lá na Letras, o curso de Literatura Brasileira I com o Zé Miguel - autor de um dos livros sobre música mais excelentes que eu já li (
O Som e O Sentido), idealizador do bacanérrimo Museu da Língua Portuguesa lá da Estação da Luz e músico/compositor que já foi parceiro do Tom Zé. E putaqueopariu, que aulas fodaças esse cara dá! Fazia tempo que eu não me empolgava tanto com uma disciplina. Se pá tá sendo a melhor que eu já fiz na USP.
As exegeses poéticas que o cara faz são tão brilhantes que eu fico boquiaberto de admiração. Incrível como um professor consegue ficar falando por 2 horas sobre um poema de uma dúzia de versos e fazer sair dele tanto conteúdo interessante e invisível à primeira vista. Cada poesia é como um fruto que ele espreme até retirar dele todo o suco possível e imaginável. Sem falar que o repertório do cara é tão vasto, e as relações que ele consegue estabelecer são tantas e tão brilhantes, que ele estabelece links com o resto do Universo partindo de qualquer coisinha minúscula.
Ele parte do Manuel Bandeira e sua Teresa das pernas estúpidas e daqui a pouco tá numa digressão monumental sobre Reich e a desrepressão sexual, sobre a herança maldita do Dualismo Cristão e sobre as Funções Cósmicas de Serviço ao Deus Eros e Dionísio prestados pela poesia erótica.... Ele parte do Oswald de Andrade e do Manifesto Antropofágico e daqui a pouco já tá falando os troços mais interessantes sobre a Tropicália, o Brasil do AI-5 e cantarolando clássicos dos Mutantes... Ele parte do Macunaíma e, claro, daqui a pouco tá dando uma Aula (com A maiúsculo) sobre a cultura e o folclore brasileiros. E sempre colocando música no meio de tudo - seja dividindo a classe em várias "seções" para cantar em "coro" um poema do Mário de Andrade, seja expondo as vanguardas musicais do começo do século (inclusive tocando, para uma sala bestificada, músicas do Schoenberg, do Stravinsky e do John Cage), seja desembestando em cantorias de marchinhas de carnaval ou sucessos populares nos momentos mais inesperados. Adoro o tio Wisnik! Ele tem uma das características que eu acho mais raras e mais bacanas de um professor: ele te dá vontade de ser como ele.
Sem falar que eu gosto muito mais do pessoal da Letras do que do pessoal da Filô. Não é só porque tem mais mulherada e sempre tem umas beldades pra gente ficar paquerando quando a aula perde o interesse, apesar disso contar pontos para o veredito favorável, claro. (Umas loirinhas mto lindinhas na minha sala! Pena que eu só olho!) Mas a Letras é duca também porque lá a galera é mais zoneadora, mais falante, mais jovem. De vez em quando, coisa incrível, as salas são ruidosas antes do começo das aulas, as pessoas conversam em turminhas e panelinhas (uau! que coisa!) e o professor tem que pedir silêncio pra galera do fundão como se estivéssemos no colegial - coisas que, acreditem se quiser, na filosofia não ocorrem jamais. Os filosofinhos são tão certinhos e comportadinhos que não lembro de quase nenhuma vez em que tiveram que ser postos na linha por medidas disciplinatórias. E ainda estão pra ser inventadas as panelinhas da filosofia. Povo mais individualista, sô! Tudo "solipsista"! (huhauhuahuha!) Quase um convento, a Filô! Um horror!
* Estive assistindo tantos filmes do caralho ultimamente, e que eu gostaria de comentar e recomendar, que fico até perdido e não sei por onde começar. Uma das melhores descobertas do mês foi o JULIAN SCHNABEL, artista plástico (é dele a pintura acima...) transformado em cineasta, de quem assisti todos os 3 filmes recentemente. Todos são foda. Julian Schnabel, por enquanto, só fez filmes biográficos, mas escolheu muitíssimo bem seus objetos de estudo - sempre personas da vida-real excêntricas, vivendo vidas extraordinárias e criando arte nas circunstâncias mais extremas e improváveis.
O primeiro filme dele é o
BASQUIAT (1996), retrato punk e sem firulas da vida do pintor nova-yorkino, morto aos 27 anos d'uma overdose de heroína, que foi uma espécie de Van Gogh das sarjetas e a verdadeira voz dos subúrbios se manifestando nas artes plásticas da América. Com a presença dum hilário
David Bowie interpretando Andy Warhol, dum porra-loucaço
Benicio Del Toro como amigo de Basquiat e uma putíssima e super cor-de-rosa
Courtney Love passeando seu
sex appeal junkie irresistível pelas telas, não podia dar errado.
Seu segundo filme, BEFORE NIGHT FALLS (2000), traz Javier Bardem numa de suas melhores atuações (achei muito melhor do que aquela do
Onde Os Fracos Não Têm Vez, filme que achei pra lá de super-estimado...). Ele é Reinaldo Arenas, poeta cubano homossexual que, depois da Revolução conquistada pelos rebeldes da Sierra Maestra comandados por Fidel e Che, começa a ser perseguido pelo sistema e passa por maus bocados em prisões para os
maricóns, acabando por buscar exílio nos Estados Unidos, onde conseguiu publicar grande parte de sua obra
.Ao mesmo tempo que revela um dos podres escondidos da Cuba Comunista - sua
homofobia extrema, que chegava ao ponto de confinar os gays em verdadeiros campos de concentração... -, o filme é, como Basquiat, um retrato vívido de como um artista é capaz de criar mesmo estando na maior das fossas e como a arte, para ele, acaba servindo como um tubo de oxigênio - se ele não a tivesse, decerto não poderia viver.
Já o terceiro filme, indicado a alguns Oscars no ano passado (inclusive de Melhor Diretor), é o excelente O ESCAFANDRO E A BORBOLETA (Le Scaphandre et le Pappillon, de 2007), meu prediletíssimo do Schnabel. Nele, um jornalista francês, chefão da revista ELLE, acorda um dia no hospital para descobrir que está numa situação pra lá de incômoda: paralisado da ponta dos pés até o último fio dos cabelos, ele não pode fazer mais nada - nem andar, nem comer, nem falar. Não pode nem mover um pêlo que for. Tudo o que lhe restou é um mísero olho são, que ele é capaz de piscar - a única janela por onde o mundo pode entrar. Por trás desse corpo completamente petrificado, porém, está um cérebro perfeitamente intacto, que pode pensar, rememorar, imaginar, sonhar e perceber com a perfeição de sempre. O nome desse estado de coisas terrível é LOCKED-IN SYNDROME, designação extremamente poética e adequada para um doente que está completamente trancado dentro de si mesmo. É indizível a maneira extremamente comovente, poética e polvilhada de melancolia com que o Julian Schnabel nos conduz para dentro da alma desse homem enquanto ele procura achar alguma razão para viver.
Se, no começo do filme, ele parecia estar desesperadamente em busca de um modo de se suicidar ('c'est ça, la vie?', pergunta com uma amargura infinita, ao ver-se reduzido a um completo vegetal, incapaz de comunicar qualquer coisa que seja de sua vida interior para os outros homens...), com o prosseguimento do enredo uma luz começa a aparecer, uma aurora, uma saída... Através de um novo método de comunicação desenvolvido pelos médicos, torna-se possível a única coisa que poderia salvar o cara da completa desolação: um modo de sua alma, aparentemetne confinada num corpo como dentro de um escafandro inexpugnável, fluisse para fora. É de chorar essa história de como esse cara, que foi tido pelo mundo como um completo vegetal, estupidificado para sempre, consegue, só com o piscar de seu olho, ditar um livro inteiro para legar à humanidade o relato de sua desgraça. É como se uma alma, gota a gota, fosse vazando de um corpo que todos acreditavam praticamente morto e inútil.
É uma história real. O livro "O Escafandro e a Borboleta" foi publicado na França, com repercussão extremamente favorável, e a julgar pelos trechos transpostos para a telona é, de fato, uma obra lindíssima e um bom exemplo do quanto a necessidade de comunicação com outras almas é uma das mais cruciais na alma humana. Fazia tempo que eu não via um filme tão doloroso de ver, com um personagem com um destino tão comovedor e com lições de vida tão urgentes, dadas a golpes de ferimentos emocionais inflingidos no protagonista e, por efeito dominó, no espectador. Sem falar que, cinematograficamente, o filme é impecável e revoluciona o cinema com um uso excelente e super original da "câmera subjetiva".
Julian Schnabel - guardem esse nome, corram atrás desses filmes.
Esse é um dos raros casos em que as biografias dos artistas são, elas mesmas, verdadeiras obras-de-arte.
(p.s. amigável: tenho tudo em divx - quem quiser eu gravo!)
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