segunda-feira, 28 de abril de 2008

:: virada curturá ::


"Minha morte não me quis."
OS MUTANTES

QUERIDO DIÁRIO,

...e esse foi o findi da Virada Cultural, evento anual trimmassa realizado pela Secretaria de Cultura de Sampa Town. Foi uma maratona de shows cansativa pra diabo, mas que valeu cada segundo. No fim desse quebrador fim-de-semana eu mal me aguentava em pé, tava com os tímpanos bem judiados e tinha um sono que pedia umas 16 horas ininterruptas de descanso redentor, mas mesmo assim valeu a pena - pra caralho.

Saí de casa às 8 e pouco do Sabadão, querendo pegar Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos no Teatro Municipal, mas a fila, de virar quarteirão, assustava. Mas fui lá e, valente, enfrentei o monstro mítico, acompanhado por um recém-adquirido amigo nigeriano (que faz FEA!), que me deu uma aula inteira sobre a explosão demográfica em Lagos e sobre a colonização inglesa no país (por isso adoro tanto morar em república: de que outro jeito eu conheceria um cara como o Tony?). O negão, gente-boníssima, me apresentou à sua namorada colombiana e bióloga e a seu amigo egípcio de dois metros e dez de altura – e esperamos e esperamos, dando passinhos de tartaruga na fila. Tempos de globalização!

Claro que (Murphy obriga) o teatro lotou rapidim e os babacas que, como eu, tinham ficado na fila por meia-hora ou mais, ficaram de mãos abanando – e levantando dedos médios para Deus e o mundo. Eu, que tava decidido a entrar no Municipal pela primeira vez, conhecendo as entranhas desse histórico edifício paulistano que abrigou tanta coisa antológica (como a Semana de Arte Moderna de 1922), fiquei esperando a próxima atração: Sá, Rodrix e Guarabyra! Nem curto essa bagaça, muito chumbrega!, mas tava decidido a olhar tudo usando a minha (qase) célebre Técnica da Devida Ironia. Minha teoria, filosofia muito fina e profunda!, é que certas coisas, para darem experiências estéticas suportáveis, precisam só ser vistas com a devida ironia. Dá certo! Botem fé!

Depois saí dando altos rolês pelo Centro Velho de Sampa, que eu conhecia bem pouco e com o qual me familiarizei mais nesse findi – porque eu só manjava mesmo sobre as redondezas da Galeria do Rock e só fui conhecer a Sé e o Largo São Francisco ano passado, com a Carolzita servindo como ótema guia turística. Na madrugada da Virada, que é um encontro marcado não só com atrações musicais, cinematográficas e artistícas legais, mas com a própria cidade com toda a sua diversidade, zanzei por ali até ficar impregnado com São Paulo – Prefeitura, Viaduto do Chã, Praça da República, São João, Ipiranga, Rio Branco, todas passeadas com o maior sentimento de aventura e perigo. Percebi o quanto eu gosto de morar na maior metrópole da América Latina, mesmo com toda a trashice que há por aqui.

Depois da breguice do Sá, Rodrix e Guarabyra, nada melhor do que pegar um pouco de METAUUUUUU pra molhar a alma com um pouco de róquenrou do mal. Fui lá ver o tio Paul Dianno, o primeiro vocalista do Iron Maiden, que tava fazendo um show em homenagem ao Killers, disco que eu, quando pivete, até curtia – e quem num foi fã de Maiden na adolescência que atire a primeira pedra! (Até hoje vejo com a maior nostalgia o meu The Best Of The Beast, duplo e com livrinho, que comprei por uma fortuna quando tinha uns 14 anos de idade e que era o item mais fantástico da minha então pequena coleção de discos...)

Dotado de uma carequinha reluzente e um cavanhaque tarântula, o gordo soltou o gogó num show pra headbanger nenhum botar defeito. As camisetas pretas das bandas mais diversas – Savatage, Stratovarius, Manowar, Helloween, Rhapsody... - eram vistas juntas a prestar homenagens pescoçais ao hômi. Mas o que achei mais bizarro foi um cara, figuraça, que parecia ter usado algo muito mais poderoso como enlouquecente do que álcool, com uma camiseta do Engenheiros do Havaí, que headbangava com uma insanidade maior do que qualquer outra pessoa no meu campo visual. Deu vontade de ir lá perguntar “cara, essa camiseta aí é pura ironia, né não?” - mas fiquei com medo de apanhar. Vai que o cara leva o Humbertão Guéssinjer a sério. Uma pessoa assim é de apavorar!

O ápice do show, porém, foi quando tio Paul Dianno resolveu mandar “Blitzkrieg Bop” numa versão crossover bem legal, um punk ametalhado bem duca, e aí os metaleiros se renderam ao pogo. Foi genial ver como o eterno clássico ramônico faz com que as barreiras entre tribos caiam imediatamente e os fãs de metal extremo, metal melódico, punk, hardcore e roquinho nacional mela-cueca se juntem na mesma dança.

Aí foi a hora de trombar o Rôôunnie, amigão vindo direto de Sbólândia para prestigiar a Virada, dessa vez tendo um colchonete amigo lá na rep onde capotar depois do evento - sem precisar dormir na grama da praça feito um mendigo como fez no ano passado. Juntos fomos enfrentar um organismo animal incrível, de nome científico muvuca extremis, que já estava lá, gigantesco, na frente do Palco São João. Era a hora do show mais aguardado da noite, pra mim: Mutantes. Sem Arnaldo e sem Zélia Duncan, obviamente sem Rita Lee, mas Mutantes é Mutantes.

Uma das maiores diversões do show foi a gente se embrenhando no meio do povo, como desbravadores de uma mata fechada, levando a falta de educação até o extremo pra tentar chegar mais perto do palco – e com quê sucesso! Nunca na vida eu tinha conseguido partir de tão lonjão e chegar numa visão de palco tão foda. Palmas para o Ronnie e a cara-de-pau contagiante dele (hehe!).


Eu achei o show absolutamente do caralho. Esse reunion dos Mutantes, que muita gente não botou fé (sempre tem quem xingue de caça-níquel e diga que defunto tem mais é que ficar morto e não vir assombrar o mundo dos vivos), eu tô achando ótimo. Já tinha adorado o show que eles fizeram para 50.000 pessoas no aniversário de São Paulo de anos atrás, precedidos naquela ocasião pela Nação Zumbi e pelo Tom Zé, que foi um treco absolutamente antológico: depois de 30 anos longe, os Mutantes voltando aos palcos, triunfalmente, frente a uma multidão daquelas...

O show deste Sábado eu achei ainda mais foda. O Sérginho Dias, agora líder inconteste da banda, tá rock-star bragarai e desembestou em pirotecnias de fritador muito legais. Hoje em dia ele deve ficar o dia todo lá no Playstation jogando Guitar Hero. Vários crássicos mutantes foram reproduzidos com grande fidelidade – curti especialmente “2001”, “Ando Meio Desligado” (com solo de guitarra extra longo) e “Não Vá se Perder Por Aí”. E tia Zélia que me perdoe, mas ela fez falta nenhuma, substituída com muito esmero por uma tal de Beatriz Menezes (que se não me engano costumava ser backing vocal) – a mina é muito foda. Ela cantando “Top Top”, aliás um dos pontos altos da noite, com o povo todo dando socos no ar na hora do “top top top top – rú!”, soou igualzinho ao disco. Sem falar que a “Balada do Louco”, cantada em coro por uma multidão, é sempre uma experiência transcendental de tão legal – ou legal de tão transcendental. “Juro que é melhóóóóóóór... não ser um normááááááál... se posso pensar que Deus sou eu..........”. Do caralho.

Às 5 da manhã, resolvemos que era hora de ir pra casa, dormir um par de horinhas para depois voltar para o Segundo Tempo da Festa. O serviço de busão tava trash e ficamos uns 45 minutos para conseguir voltar para a Cidade Universitária, onde fomos dormir quando o Sol já nascia e a claridade já invadia meu tosco quarto de cortinas escrotas que não barram porra nenhuma.

Pegar no sono às 7 da manhã e ter que levantar as 9h45 é um processo dolorosíssimo, digno de um mártir religioso, mas o pensamento de que o Cachorro Grande estaria subindo ao palco logo mais nos fez arranjar forças pra pular da cama, tomar uma ducha rápida, cozinhar um macarrãozão instantâneo e voltar para o Centro. Debaixo dum Sol escaldante (“só na cidade de vocês rola rock and roll ao meio-dia!”, gritou o vocal do Cachorro ao microfone, derretendo dentro de seu terninho...), os gaúchos deram uma estupenda aula de róque, como de praxe.



Poucas bandas desse país são mais legais de ver ao vivo. Nem sou tão fã da banda e ouço os discos deles raramente, mas em cima do palco os putos fazem qualquer público pegar fogo e soam como o The Who brasileiro deste começo de século. Para uma banda nova, já tem um repertório excelente, com crássicos que todo mundo canta junto como “Lunático”, “Sexperienced”, “Isso é uma Loucura” e o hino de louvor às drogas psicodélicas “Roda Gigante”. Tudo bem que o vocalista tem uma voz que, depois de um tempo, começa a irritar – e que a atitude dele deixa a gente imaginando que ele foi um molequinho gordo traquinas e rabugento que na escola tomava altas broncas do diretor por ficar peidando com a boca no meio da aula de ciências.

Pra fechar o Domingão, fomos lá ver o Orquestra Imperial. Nesse momento minhas pernas já mandavam frequentemente para o cérebro pedidos de férias, e o cansaço já batia forte (ai que saudade da minha cama!), mas mesmo assim resisti firme e forte, de pé, e até curti o show agradável e simpático dos caras – festança pura. Very grooovy. Pra mim, claro, a grande atração em cima do palco era o Amarante, parecendo estar breacaço e feliz feito uma criança - ele que por grande parte do show fica ali só de sacanagem, fazendo das suas zoeiras, fingindo que faz percussão, tomando suas latinhas de cerveja e dançando suas macacagens. Quando ele assume o vocal, é a hora de glória do Orquestra. Memórias afetivas dos Los Hermanos voltam à mente enquanto ele nos presenteia com aquela performance vocal ultra cool... Ele cantando “Bebo Sim” (e tô vivendo... tem gente que não bebe, está morrendo...), pra fechar o show, foi demais.

Jorge Ben, que tocou pra 30 mil pessoas, estava no nosso programa, mas tivemos que desencanar porque uma banda ainda mais importante pedia nossa atenção e dedicação: a nossa mesmo. E bóra pro ensaio na Teodoro, com cervejinha antes e cervejinha depois, pra acabar de reduzir meu ser sonolento até às beiras do desmaio... Mas foi duca. Já tão saindo bem as musiquinhas todas do Rancid, da Juliette Lewis, do Supergrass, do International Noise Conspiracy, do Stooges, do The Clash, entre outros, que vocês logo mais poderão conferir tocadas ao vivo nos palcos indie de nosso Brasil. Depois de acaloradas e divertidas discussões, estamos quase com certeza batizados como Liga das Senhoras Católicas (o meu nome predileto, Moicano Imaginário, acabou relegado e agora vai ter que virar nome de música...). Vocês ouvirão falar de nós nos jornais do futuro! Mesmo que seja nas páginas policiais.