sexta-feira, 7 de novembro de 2008

:: a doçura de ser dois? ::



Fala-se muitas vezes da doçura de ser dois. O próprio Sartre, homem tão friamente racional, fazia sua esta fórmula. Acreditemos que ela não é um lugar-comum banalizado por um romantismo falso que se exprimiria em um lirismo insípido. Longe disto. Trata-se na verdade de uma evocação que toca a tão séria e difícil questão da felicidade, naquilo que ela tem de essencial. Em todo ser humano há uma sede viva, uma inquietação vital, à qual só o amor é capaz de responder.

Ninguém pode contestar que pela nossa própria constituição, pela nossa estrutura ontológica, pelo nosso estilo psicológico, a solidão está profundamente incrustrada em nós e representa uma ameaça permanente. Nascemos na solidão, morremos nela, e toda a nossa vida se desenrola sobre o signo dela. Mas, por estranho que possa parecer, ela mesma veicula em nós este desejo tão ardente de amor que só cresce à medida que somos cada vez mais ameaçados de ser reduzidos ao estar-só. Este conflito, que parece decisivo, tem o seguinte desenlace: a solidão profunda gera o desejo profundo de amar. Quanto mais se está só, tanto mais se quer amar e ser amado.

E, como a solidão é uma negação e uma privação, algo como o nada em relação ao ser, ela não resiste à afirmação do amor que um dia pode esboçar-se em nós. É que, na realidade, apesar das aparências, o homem não nasceu para a solidão. Carrega-a dentro de si como uma tentação e ao mesmo tempo como um mal temível. Mas a sua existência não é uma complacência com a solidão. Ela é a busca obstinada do amor.

Vivendo por si mesmo, o homem está ancorado na solidão. Mas a aspiração dele não tem por objeto – longe disto – o estar-só, mas o ser-a-dois. Duas solidões que se encontram, se superam e se lançam para fora de si mesmas, formam um amor.

E o amor não é, em suma, senão esta doçura de ser dois, que evocamos no início. É a esta doçura que se opõe a tragédia do estar-só. Talvez seja necessário viver esta tragédia da maneira mais profunda possível, talvez seja necessário atingir esse momento em que o coração estoura e onde o espírito morre, para compreender que o único caminho da felicidade humana é o do amor. Lembrem-se disto sempre os que receberam a graça de viver a doçura de ser-a-dois, e estejam atentos para não fazer soçobrar o seu privilégio em uma solidão que recriarão sob o impulso de seu egoísmo nefasto. O Eu só é verdadeiro se puder ser pronunciado diante de um Você."

* * * *

"Não é raro encontrarem-se homens tão infelizes, tão isolados em si mesmos, tão amargamente desiludidos, tão convencidos de que para eles não há outra saída senão o fracasso, que chegam ao ponto de não mais se atreverem a amar. Afundados na sua tristeza, acreditam fechados todos os caminhos, imaginam que para eles se acabou qualquer possibilidade de amor. Não somente vivem o fato do não-amor permanente, que parece ter-se tornado invencível, mas chegaram ao ponto de nem sequer entrever uma possibilidade no amor. Acreditam-se proscritos para sempre do país do amor e condenados a vagar eternamente pelos caminhos sem luz da solidão. A alegria de amar estará reservada exclusivamente a outros. Para eles sobra apenas o estar-só, com sua cor embaciada, seu gosto amargo e o seu absurdo.

Acumularam tantas feridas na existência que se consideram incapazes de amar. Não é o amor que se recusa a eles, são eles que o recusam. Vêem nele um sonho de que seriam indignos, abandonando-o àqueles que têm a audácia de ir em busca dele. Só conheceram e só conhecerão sempre – assim pensam – o insucesso; não têm outro universo senão o inferno da solidão. Sufocam o seu desespero, fingem não dar importância ao amor, deixam-no para os outros, que lhes parecem predestinados às alegrias tão invejáveis do ser-a-dois. Quanto a eles, o único destino que lhes cabe é o de estar-só. E se consomem no amargor, vegetam em seu casulo fechado, ao qual ninguém tem acesso, por decisão deles mesmos. São irremediavelmente infelizes.

Em cada um de nós dorme uma pontinha de masoquismo. Neles esta pontinha se transforma em aguilhão e os dilacera. Ninguém pode naufragar em uma solidão masoquista. O amor não é privilégio de ninguém e às vezes é quando se pensa estar mais longe dele que se lhe está mais perto. O amor se esboça como possibilidade no horizonte de cada homem. Para chegar a ele, basta não ter medo dele, nem de si mesmo. É pela fé em si e pela audácia calculada que escapamos à solidão, a qual, a despeito das aparências, apesar de estar sempre aí, permanece irrevogavelmente superável. O homem só é homem na medida em que estiver aberto ao amor e acreditar neste, ao menos como algo possível, não obstante todos os insucessos.


[charbonneau. "crônica da solidão"]