sábado, 12 de maio de 2007

:: confessionário sentimental ::

(kandinsky)

um caos colorido dentro de mim

“hunger hurts but starving works
when it costs too much to love.”

[ fiona apple ]


Podem chamar de preguiça, vagabundagem ou corpo-mole, mas o fato é que ultimamente a lei que reina em mim é a do mínimo esforço. Parece que tô numa espécie de leseira cannábica de uma semana, uma certa sonolência no espírito, como aquelas fogueiras que brilham pouco por terem pouca madeira pra queimar... Tem uma parte da minha alma de mil partes que anda meio cansada, meio Macunaíma, uma preguiça só... Tô feito o coelhinho da Duracell depois de andar um continente inteiro batendo seu tamborzinho. Acordei hoje nostálgico de velhos reclames do plin-plin, inclusive o da Bombril. Tô querendo é deitar minha alma numa rede ou numa cadeira de balanço e deixá-lá por lá, só olhando o horizonte, sossegada e sem esforços, esperando que voltem as forças... Até tomaria, se existisse, um Biotônico Fontoura Para O Espírito... aquele que, lembram da propaganda?, reabre o apetite e dá uma fome de leão... Fome do quê? Fome de viver. Tô com uma certa falta de fome, ultimamente... O que talvez seja bom.

Não fiquem preocupados. Não precisam me mandar e-mails encorajadores com trechos de livros de auto-ajuda, nem cartões postais do Papa com lindos ditos bíblicos, nem buquês de flores pelo correio... Não precisam temer pelo meu suicídio nem por atos irresponsáveis de alcoolismo - como eu costumo cometer quando as mágoas transbordam do limite... Isso que eu tenho que não é depressão, não é melancolia pesada, não deve ser coisa de preocupar... tô sussa. Por dentro vigorando um cansaço sussa e sem tormentos. Porque cansei de tentar tanto. Tentar o quê? Nem sei ao certo... Só tentar. Verbo intransitivo.

É como se eu sempre tivesse me tratando como uma planta: eu puxo meus galhos pra cima pra ver se eles crescem mais rápido. Agora estou num estado de deixar os pobres galhos em paz, crescendo no ritmo que eles querem. Eu pensava que na vida eu tinha sempre que andar com passos de gigante; hoje estou resignado a ir andando a passinhos de tartaruga...

Um pouco do meu cansaço é disso: carregar no lombo uma mochila apinhada de sonhos... Antes eu pensava (ou sonhava?) que eu iria decolar tendo-os como munição, mas a verdade é que acabo sempre preso ao chão... Talvez a vida seja mesmo assim: você começa a jornada lotado de mil sonhos, mil projetos, mil vontades de mil felicidades, mil ânsias por mil amores, e com o tempo você vai tendo que abandonar tais ingenuidades, sentindo saudades irônicas da criança tola e feliz que um dia foi e que um dia acreditou que o mundo era colorido...

E assim nós vamos nos livrando de partes de nós, como que mutilados sem anestesia pela vida, essa cruel cirurgiã. Vamos largando por aí os sonhos abandonados e projetos abortados, um a um, nos acostamentos e lixeiras pelo caminho, ao perceber que eles se ressecam, se quebram, se esfarelam... Ou simplesmente não se concretizam. Viver é ir perdendo sonhos... Eu pensava que eles me dariam asas, mas aparentemente são de chumbo... Sem sonhos pesando nas costas será que acharei mais fácil alçar vôo? E acharei algum jeito para, perdendo sonhos, não me deixar dominar pela amargura e pelo cinismo? I'll keep on trying a little tenderness...

Esses são dias de “não sei”, de “talvez”, de “tanto faz”... Sei que acho que cansei de fazer esforço e pôr tanto empenho tentando conquistar aquilo que sonho, tentando controlar o curso da minha vida, tentando escalar montanhas em busca de tesouros que nunca encontro... Estou tentando aceitar o que a vida me dá e o que a maré me traz. Fico aqui fazendo poesia e falando por abstrações e metáforas, mas eu bem sei o que é que me deixou assim tão exausto por dentro... e não vejo problemas em confessar, mesmo que sejam, mais uma vez, confissões de perdedor... cansei da epopéia que foi tentar fazer nascer no coração da mocinha-minha-amada o que eu gostaria que ela sentisse por mim... E foi uma epopéia: num tem outro nome... A Ilíada e a Odisséia são fichinha perto dessa minha maratona sentimental!...

E eu tentei por tanto tempo, e de tantos jeitos, e com que insistência... Foi o quê, mais de um ano apaixonado, somando tudo, inclusive o tempo em que ela não sabia disso e já era de outro? Foi muito tempo - e essas coisas não cabem em números. Claro que isso é impossível, estar apaixonado por tanto tempo assim, muitos dirão, porque a paixão é uma labareda que se extingue rápido... (Vinícius: “o amor é uma agonia, vem de noite, vai de dia... É uma alegria... E de repente uma vontade de chorar”). Serei mais humilde: prefiro dizer que estive há mais ou menos um ano gostando dela, tentando conquistá-la, me guardando pra ela, fechando o meu coração para qualquer outra menina, sonhando só com ela e ninguém mais, escancarando meu peito pra ela de um modo que nunca tinha feito antes com ninguém, me abrindo com ela como nunca me abri com ninguém, e por fim... Foi tudo pra quê? Nesse relacionamento tudo foi tão unilateral, tão rua-de-mão-única, tão um só dando e o outro só recebendo... E agora acho que me cansei de ficar doando meu amor e me sentindo somente esvaziar... Agora o que sobrou...? Sobrou meu coração tão vazio quanto era antes, senão mais, e minha cara triste olhando para um portão que prossegue trancado pra mim. Oh well...

E logo agora que vem essa frente fria baixando sobre o mundo e me deixando kind of blue... Oh, não, de novo não!... Eu não quero passar mais um inverno sozinho... não quero só cobertores, meias de lã e xícaras de chocolate-quente me aquecendo... não quero lareiras nem sistemas de calefação industrial... Não tem por aí alguma mocinha de alma caridosa que queira vir me emprestar um pouco de calor humano - e pegar um pouco do meu emprestado?... Porque quem eu queria que viesse não vem, nunca vem, não importa o quanto eu convide, não importa o quanto eu narre meus sonhos de como seria bom, não importa o quanto eu peça ou suplique...

Cansei de pedir e cansei de esperar, do lado de fora da porta, na neve, passando fome... Cansei de ficar batendo interminavelmente na mesma porta e ela nunca se abrir. Esperei demais e não ganhei nada a não ser pulsos cansados, alma cansada... Ganhei um vazio que se aumentou. Então o que vou fazer agora é sair do frio e me mandar de volta pra casa... sair do sereno e ir me abrigar... Se ela quiser, que venha até mim. Eu vou é ficar na minha... Porque cansei do medo de estar incomodando, do medo de ser visto como um “perseguidor”, do medo de acabar sendo de novo maltratado, do medo de não ser considerado como nada além de um menino-mendigo desagradável que fica sempre na porta dela, pedindo e suplicando... “ei, moça, dá um troquinho, vai... dá umas lasquinhas do teu amor... o que sobrou do jantar, o que ia acabar sendo jogado no lixo... mesmo que sejam migalhas, como se joga pras pombas, pra mim já tá bom...”

E agora não sei mais o que faço, o que digo – nem mesmo o que sinto. Minha vida sentimental voltou a ser totalmente caótica – mas quando é que não foi? O que é que estou sentindo? Estou sentindo que não sei mais o que sinto, que não sei mais o que quero, que não sei mais o que é maior... é a vontade de amar ou o medo de me machucar? A atração ou o cansaço? A esperança ou o desencanto? A vontade de continuar tentando ou a vontade de simplesmente desistir? Acho que o desânimo tomou conta... As asinhas dos meus sonhos foram todas cortadas – por ela, não por mim, que eu cá tinha muito carinho por eles, os pequenos... Sempre que eu estava pegando fogo, com uma imensa vontade de amar, fui apagado com baldes e baldes de água fria lançados sobre mim... E assim minha chama foi apagando, apagando, apagando... E eu acho que logo mais não vai sobrar nada além de um punhado de cinzas e a memória de um clarão extinto. E se ela hoje viesse me perguntar, à queima-roupa, “você ainda me ama?”, eu, se fosse pra ser sincero, teria que dizer as palavrinhas terríveis: “não sei.” Porque não sei.

Eu já me esgotei nessa luta. Tô desarmado, exausto, desanimado. De tanto ser deixado passando fome, fui progressivamente perdendo o meu apetite... Não tenho mais recursos. Confesso derrota. Reconheço que não consigo. Mais uma prova de que só tenho um talento verdadeiro: fracassar é o que faço de melhor. E o que a vida sempre fez de mim foi me arrastar em sua correnteza e me levar – frequentemente pra onde eu não queria estar...

Ah, povo, vocês não acham de vez em em quando que viver cansa...?

Viver cansa.

...

...

...

(Tô meio com vergonha de ficar escrevendo essas coisas aqui, com certeza - mas dane-se... Me fiz uma regra de conduta na vida: devo fazer exatamente aquilo que mais tenho vergonha e inibição de fazer. Porque, como dizia Aristóteles, "as coisas que nós não sabemos fazer, é fazendo-as que aprendemos!" Frase boba mas que eu, sei lá porquê, acho genial. É a única frase de Aristóteles que eu sei. Não quero mais fazer nada no escuro - que tudo seja feito em plena luz! Cansei de me calar pelo medo do que os outros possam vir a pensar das coisas ridículas que não posso evitar sentir. E eu infelizmente nasci dotado de um coração cafona e que não dá pra trocar na Feira do Rolo por algo mais útil. Me resigno a me ser, esse pouco, essa ninharia... E bem sei que devo estar parecendo um daqueles que caras que vai na Alcóolicos Anônimos e conta para os outros desafortunados suas desventuras emocionais, querendo depois ser consolado por um abraço grupal... Cheguei nuuuum nííível, meu! Nuuum nível! Que coisa... Como diz uma amiga minha: eu já tive um futuro promissor. Depois me desgarrei, perdi o ritmo, saí do tom e desafinei no refrão. E agora estou aqui com esse meu discursinho de quem frequenta o Clube dos Carentes, Rejeitados e Mau-Amados, diz aí... Do qual aliás sou sócio-fundador!... Mas deixa eu chorar minhas mágoas em paz...)

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Por enquando, ando querendo me deixar levar pela corrente da vida como um galho que caiu no rio e vai onde o fluxo for... melhor ainda: quero viver como vivem os rios, fluindo devagar, seguindo o declive, deixando a gravidade e a corrente fazerem de mim o que quiserem... Estou com a suspeita de que eu não comando nada de nada... Não tenho controle remoto pra me mudar de canal sempre que não gosto do programa que está passando. Não tenho o volante da minha vida nas mãos para mudar de estrada quando aquela em que estou não me agrada. E principalmente não tenho o dom de forçar alguém a sentir por mim o que eu gostaria que sentisse. Isso não se força. E talvez seja essa uma das lições mais amargas que a vida nos ensina: que às vezes, não importa o que você faça, o quanto tente, o quanto se empenhe, o quão doce e gentil seja, quantos elogios faça, quanto amor tente dar, porque às vezes não existe nenhum jeito de fazer aquela mocinha em particular, a única que parece importar em todo o universo, gostar de você. Simplesmente não há nada a fazer. Só chorar o quanto for preciso - e tentar seguir em frente... Se nem o meu coração eu consigo controlar, como controlaria o dos outros?

Mas pra espantar um pouco o clima de desolação e melancolia desse texto, devo dizer que não estou nada pessimista quanto ao futuro. Pelo contrário. Com o tempo, fui tendo que me forçar a me desapaixonar, por mais difícil que isso seja, ao perceber que tinha entrado numa rua sem saída... Com o tempo, por mais dolorido que isso tenha sido pra mim, fui tendo que matar por asfixia, pouco a pouco, esse amor que eu sentia e que só estava me fazendo sofrer - por não ser correspondido. E agora acho que finalmente estou chegando perto de estar liberto. Meu coração está de novo aberto e disponível para abrigar outras pessoas. Sei que nunca mais quero viver nessa loucura insana de cair num estado de dependência absoluta em relação a uma garota. Esse tipo de paixão beira o doentio e, no fundo, traz muito mais sofrimento que delícia. Mas quando aconteceu, claro, eu não pude controlar. Hoje acho que estou mais sereno, mais resignado, menos melancólico, aceitando que a vida é mesmo assim e que, na verdade, não aconteceu nenhuma tragédia. Um grande amor correspondido é algo que raríssimas pessoas experimentam na vida, creio eu, e acho que não devo ficar tão preocupado com o fato de que dessa vez não tenha dado certo pra mim. Vou seguir na minha busca. E posso dizer que estou muito contente pelas pessoas que andei conhecendo, pelas cartinhas simpáticas que têm chegado na minha caixa de e-mail, pelos novos amigos que estou fazendo, pelos encontros que vão se programando... E quanto ao amor, mesmo depois de todo esse penar, eu posso dizer que continuo um crente – e querendo ser um crente. Uma das coisas que mais me desgosta no mundo são as gentes que são atéias do amor e acham que ele não existe – e isso só pelo fato de que elas têm coração defeituosos, incapazes de sentir, de se emocionar, de se entregar... Ó céus, livrai-me da companhia dos corações paralíticos!...

Eu sei que vou tentar de novo. Even if it hurts, como a Regina, i'll just do it all again! Porque eu quero pegar fogo de novo. Quero amar de novo. Quero me ferrar e me rasgar por dentro de novo. Quero escrever e mandar pra Ela, quem quer que ela seja, minhas poesias românticas horrendas de novo. Quero escrever cartas de amor quilométricas e breguíssimas de novo. Quero mais mil noites de insônia e mil sonhos loucos, dos mais doces aos mais pornô. Quero sentir de novo o coração batendo 300 vezes por minuto antes do encontro – e durante o encontro, e na hora de rememorar o encontro.... Quero de novo ficar segurando o telefone por meia-hora, torturado pela taquicardia, ensaiando o que vou dizer, sem coragem de ligar de uma vez. Quero de novo me sentar com o violão no colo pra tentar compor canções conquistadoras que sempre saem terríveis. Quero de novo aquela adrenalina correndo no sangue ao estar do lado Dela. Quero de novo o nervosismo, a timidez, a indecisão, o desejo fervente, o medo, a gangorra entre paixão e ódio, a oscilação entre delícia e dor, o amargo e o doce, o sublime e o terrível. Quero escancarar de novo o meu coração. Quero rasgar de novo as minhas máscaras. Quero me apaixonar de novo, e quantas vezes forem preciso, não importa que chore litros de lágrimas e que vomite sangue, até achar essa mocinha com quem o encaixe será perfeito e ao lado de quem vou finalmente começar a viver a Vida Fodona...

Porque posso até ter jogado fora alguns dos meus sonhos, mas minha mochilinha continua lotada deles - e são eles a asa-delta colada às minhas costas e que me dá a esperança de voar. Sei que vou continuar pulando do topo de prédios, mesmo que seja para me esborrachar no chão dúzias de vezes, até que enfim ache o sonho certo que me fará decolar. Alguém aí quer subir na garupa e pegar uma carona aérea no meu avião com asas de sonhos?