sábado, 19 de maio de 2007

:: um rasgo benéfico na trama do tempo... ::


(Vai aí um trechinho brilhante de um filósofo mutcho interessante que eu descobri um tempinho atrás: o Pascal Bruckner. Já pus lá na seção "Mestres" também, para dar uma turbinada nela, que andava meio abandonada... Descobri recentemente que, além de filósofo, o cara também é romancista [é dele o "Lua de Fel", que o Roman Polanski adaptou pro cinema]. Fica aí uma boa dica de leitura para quem quer conhecer bons filósofos vivos e instigantes! Aliás, em termos de filosofia, eu sou fãzaço dos franceses - não tem outro país que se compare em matéria de grandes cérebros... Só cara brilhante: André Comte-Sponville, Montaigne, Marcel Conche, François Jullien, Luc Ferry (que agora é best-seller até no Brasil!), entre outros que ainda preciso conhecer melhor, mas que são muito renomados [Jacques Derrida, Paul Ricouer, Michel Serres...]. Voilà:)

“...o que de pior pode nos acontecer é ter passado ao lado da felicidade sem reconhecê-la. É esperar por um acontecimento milagroso que nos redima uma dia, sem perceber que o milagre reside no acontecimento que estamos vivendo. É crer que nossa vida, neste instante um mero rascunho, em breve há de ser intensamente abalada: adiamento de prazeres estranhamente parecido com a ascese religiosa. Como se a uma pré-história feita de trivialidade devesse suceder uma transfiguração, um afastamento definitivo das misérias humanas.

As ocasiões perdidas: uma palavra que não foi pronunciada, uma mão que não foi estendida, um gesto esboçado e logo desfeito, tantos momentos nos quais, por medo ou timidez, nosso destino não foi modificado. Cedo demais, tarde demais: existem vidas inteiramente destinadas ao não obtido, ao inalcançado. O que poderia ter sido, o que não foi: muitos se contentam com este condicional e cada um de nós poderia escrever a história dos destinos evitados que nos acompanham como se fossem possibilidades espectrais.

(...) Porque cada vida é única, rejeita e exclui outras. Ou, mais precisamente, a vida é construída sobre um crime: o das virtualidades que criou e que não puderam se desenvolver. E apesar de sabermos que existem potenciais recomeços a cada instante, que os jogos não estão feitos até o último suspiro, o destino é fatal: o que ocorre neste momento suprime outras eventualidades. E para aqueles que não são tocados pela graça de uma segunda vez, aquelas para quem a história “não passa de novo os pratos”, inicia-se então o tempo da escassez das possibildiades. As mãos param de se estender, a estrada de bifurcar, tornando-se desesperadamente reta e plana.

Existe uma outra vida, mais bela, mais ardente! Que criança ou adolescente, sentindo-se mofar dentro de uma família enfadonha, não escutou este apelo com um arrepio de prazer? Ninguém está condenado às suas condições de nascimento, ao seu meio social, parental, conjugal. O simples fato de se pressentir um destino mais favorável permite muitas vezes derrubar os muros que nos aprisionam. O encanto das partidas, das rupturas, é o fato que nos impulsiona ao desconhecido e faz na trama do tempo um rasgo benéfico.”
[ de A Euforia Perpétua, ed. Difel, pags. 118-119 ] --- ! entrevista com ele aqui!