terça-feira, 22 de maio de 2007

:: viagens psicológicas ::


Meu interesse por psicologia já tem alguns aninhos de idade e promete só se expandir e intensificar mais e mais, tamanha a minha empolgação por certos livros brilhantes que eu venho lendo e que têm expandido muito meus horizontes... Um pouco desse meu gosto por psicologia tem a ver com a minha empolgada “descoberta” de Freud, muito tempo atrás. Sou fã de carteirinha. O Freud é um “cara” que eu admiro profundamente, apesar de ser sempre uma ferida dolorida no nosso narcisismo ler essas páginas que desiludem tanto... É uma baita duma lição de humildade enfrentar essas idéias. Será que houve algum gênio do pensamento que se compare a ele no século 20 inteiro?

Lembro de ter lido algumas obras rápidas do velho Sigmund quando era adolescente e me senti imensamente influenciado - foi Freud, muito mais do que o Nieztsche, quem me ajudou a me transformar de vez num ateu (graças a deus!) depois de eu ter concordado com tudo que estava dentro do genial “O Futuro de uma Ilusão”. Depois disso comecei minhas explorações dentro dessa imensa obra de milhares e milhares de páginas (material de leitura para toda uma vida...) criada por essa mente absolutamente revolucionária e magistral... Sou daqueles que acredita que para quase todos os sentimentos e angústias humanas ainda vale o velho slogan: "Freud explica!"

Minha fascinação por assuntos psicológicos tem a ver também com a imensa admiração que eu tenho pelo Ernest Becker, que foi um leitor cuidadoso e crítico inteligente de Freud. O Becker eu considero um dos mais brilhantes gênios que já estudou “cientificamente” a mente humana, dentre todos os escritores que eu já conheci - e acho incompreensível que ele ainda seja bastante desconhecido e subestimado por aí (apesar de ter vencido o Prêmio Pulitzer pelo excelentíssimo “A Negação da Morte”, que deve ser um dos 10 livros que mais marcaram minha vida). O que diabos aconteceu para que o Ernest Becker não seja lido, discutido, comentado, recriado, usado para a criação de “escolas” e seitas, seguido por discípulos...? Taí um grande injustiçado!...

Outras iscas que me chamaram para a área da psicologia foram leituras de Erich Fromm, R.D. Laing, Flávio Gikovate, José Ângelo Gaiarsa, um pouquinho de Reich e Melanie Klein, um quase-nada de Lacan (que é dificílimo de entender)... Sem falar que tenho uma mãe psicóloga, com uma mini-biblioteca sobre o assunto em casa, e que comecei a fazer análise um tempo atrás e estou sentindo claramente muito efeitos benéficos trazidos pelos papos e desabafos de consultório...

Acho realmente ultra-fascinante e apaixonante essas longas e complexas viagens para dentro da mente que nós, pelo menos aqui no Ocidente, só começamos a realizar com tanta profundidade e cuidado a partir do século 20, com a psicanálise se organizando de fato como ciência... Tudo bem que a gente consegue achar vários precursores da psicologia na história do pensamento – Schopenhauer, por exemplo, era um baita dum psicólogo penetrante, uma espécie de precursor do “freudismo”, e um cara como o Kierkegaard, apesar do vocabulário meio teológico que utilizava, era também um grande investigador da mente humana... Mas nada se compara à intensidade e à abundância de material com que o século 20 finalmente se pôs a investigar as profundezas do cérebro humano. E como demoramos! Porque é claro que, como diz o Flusser, num trecho em que se mostra empolgadérrimo pela “jornada intra-mental”, no Oriente a investigação das profundezas da mente humana já tem milênios e milênios de história. Apesar de lá não ser considerada como “ciência” e ter muita relação com o que nós chamamos, às vezes de modo depreciativo, de “misticismo”:

“Conhece-te a ti mesmo é um dos imperativos da tradição do Ocidente. Mas a tendência para a vivissecção da mente foi, no curso da história do Ocidente, violentamente 'reprimida'. Não somos muito meditativos. (...) É perfeitamente possível que futuros desenvolvimentos da psicologia ocidental penetrem até aquelas profundidades nas quais a meditação oriental se revolve há milhares de anos. (...) Não devemos menosprezar, como o fez o Ocidente até agora, a importância primordial das pesquisas orientais da mente. Um subconsciente iluminado e submetido à vontade despertada abriria fontes de energia muito mais poderosas que as energias atômicas. Comparadas com viagens para dentro da mente, são as viagens para a lua divertimentos inócuos e primitivos. Mas é verdade que essas viagens são muito mais facilmente realizáveis. Alcançaremos a lua, e mesmo a Sirius, muito antes de termos alcançado o abismo da mente.” (A História do Diabo, pg. 74-75)

Eu tinha vontade de ler Otto Rank (sobre quem é o ensaio que vem logo abaixo) faz tempo, já que o mestre Ernest Becker se dizia muito influenciado pelo trabalho dele. Agora que meu francês já está mais afiado, consegui ir até o fim do “Le Traumatisme de La Naissance”, uma das obras principais desse psicólogo instigante e genial – que chegou a ter “pacientes” famosos (Henry Miller e Anais Nin, por exemplo) e foi discípulo do próprio Freud por mais de 20 anos, apesar de depois ter seguido outros caminhos, como tantos outros “dissidentes” dentro do "movimento" psicanalítico (o mais famoso deles sendo o próprio Jung).

Muitas das idéias que estão no livro Trauma do Nascimento eu já conhecia de “segunda mão”, principalmente por via do Flávio Gikovate, que escreveu um livro altamente rankiano sobre o amor, o brilhante Uma Nova Visão do Amor. O que eu quis fazer neste texto que se segue foi somente algumas digressões e reflexões sobre o livro do Rank, sem fazer citações demoradas, mas tentando passar com as minhas palavras aquilo que eu retive dessa leitura. Claro que esse texto, que qualquer psicólogo profissional certamente acharia uma grosseira vulgarização do pensamento (complexíssimo) do Rank, obviamente não tem a mínima pretensão de esgotar um livro tão rico – até porque esse é o tipo de obra que merece sozinha uma tese de mestrado (esse é o tipo de livro sobre o qual se escrevem vários outros livros...). A única coisa que eu quis foi dar uma idéia geral da teoria do Rank, viajar poeticamente nas asas do livro e tentar transmitir o quanto cada um de nós pode, olhando pra dentro de si, reconhecer o quanto ela pode ser sentida como verdadeira...

Tenho vontade de escrever sobre vários outros livros interessantíssimos que eu já li, mas por enquanto esses ensaios só vivem em mim como projetos, que só vão se realizar se a minha preguiça deixar, se minha energia existir, se eu me empolgar... De qualquer modo, eu diria que há uma meia dúzia de livros sobre psicologia que eu admiro de joelhos e que eu recomendo a todos - e são sobre elas que, talvez um dia, eu ainda vou escrever... Por hora, fica minha recomendação de leituras...

ERNEST BECKER - A Negação da Morte
ERNEST BECKER - The Birth and Death Of Meaning
FLÁVIO GIKOVATE - Uma Nova Visão do Amor
ERICH FROMM - O Medo à Liberdade
FREUD - O Futuro de Uma Ilusão

Agora vamos ao que interessa...