quarta-feira, 16 de maio de 2007

:: in a sentimental mood ::


FRANKIE & JOHNNY
(de Gary Marshall, EUA, 1991, 1h57min)


Sempre que eu passeava os olhos pelas prateleiras da locadora, cometendo meu crime predileto de julgar os filmes pela capa, esse era do tipo que eu sempre via de relance e nunca sentia muita vontade de alugar. Era dominado de súbito pelo preconceito irracional de que não passava de alguma comedinha romântica super bem-produzida, leve como uma pluma e “certinha” como aula de catecismo... Num me animava a levar. Porque devia ser algo feito sob encomenda para duas estrelas Hollywoodianas brilharem num filme todo bonitinho e fofo, daqueles que nossas vovós e titias adorariam assistir, tomando chá com bolinhos de chuva, numa matinê de quarta-feira... Tinha uma cara tão grande de filminho insignificante e fácil de esquecer! E eu pensava: a Michelle Pfeiffer é um mulherão, sim senhor, e o Al Pacino é um ator pra lá de brilhante, claro, mas eu realmente quero perder meu tempo com bobagenzinhas água-com-açúcar e ilusórios finais felizes onde tudo dá certo no final?! Nãão!

Frankie & Johnny foi uma das mais agradáveis surpresas que eu já tive com o filme – e deus abençoe as expectativas baixas! Na minha hierarquia, esse filminho de amor, completamente adorável, quase irretocável, virou uma das melhores comédias românticas dos anos 90. Os diálogos, inteligentes e saborosos, mas sem nenhuma artificialidade, parecem saídos de alguma peça de teatro escrita por algum autor underground versado nas gírias de New York – material meio de sitcom, mas das boas (dá de dez no cinismo, que às vezes me aporrinha e me irrita, do Sex and The City, por exemplo). Rola também um fino senso de humor, que nada tem de escrachado – algo que me lembra, ao menos um pouco, do humor típico do Woody Allen (especialmente em filmes como Manhattan e Annie Hall). Sem falar que os personagens parecem gente de verdade, com aquela sempre positiva “densidade psicológica”, estando muito longe dos papéis estereotipados que se espera de filmes românticos - interpretados com um primor irretocável por Al e Michelle, ambos em fases ótimas de suas respectivas carreiras.

Frankie, a personagem da Michelle Pfeiffer, é o tipo de mulher amarga, fechada e desiludida com os homens - e que carrega consigo muitas feridas de relacionamentos passados para ter a coragem e a vontade para se entregar inteira a um novo relacionamento. Já apanhou de ex-maridos, já abortou um filho, já sofreu danos físicos permanentes, tendo perdido a capacidade de gerar mais rebentos... Ela certamente não acha o mundo um doce lugar. E realmente não se pode dizer que a vida tenha sido gentil com a pobre moça, que já se machucou tanto que parece nunca mais querer se envolver romanticamente... Seus mecanismos de defesa estão ali como um mega-obstáculo no caminho do amor.

E dá pra entender que ela esteja com um pé atrás, que de início trate seu pretendente Johnny com rispidez, que o soterre debaixo de um monte de foras em sequência. Ela não confia mais nos homens. E Johnny pode ser, é claro, somente mais um cara mau-caráter, que acabou de sair da prisão, procurando nada além de uma transa fácil. O cinismo dela, contaminando sua fantasia, faz com que ela sempre suspeite que ele não passa de mais um daqueles competentes atores, ótimos em fazer falsas promessas e declarações de amor, e que tacam a mulher no lixo depois que conseguiram o que queriam...

E sabe o que eu mais gosto nesse filminho? Gosto que ele demonstre como o processo de conquistar Frankie seja, para Johnny, quase uma guerra: longa, exaustiva e duríssima, com várias batalhas difíceis... Nenhuma visão cor-de-rosa do amor vigora por aqui: a dificuldade para a consumação do romance entre esses dois é o que dá o tom durante o filme inteiro. Apesar de suspeitarmos que um final feliz possa acabar se delineando, quase sempre permanece viva a suspeita de que a coisa possa não se desenrolar com tanta perfeição e harmonia kitsch quanto se espera duma comédia romântica tradicional feita na América, essa imensa fábrica de ilusões...

Johnny também, por sua vez, está longe de ter idéias iludidas e “coloridinhas” sobre o mundo e o amor - apesar de ser ele, aqui, o "otimista" que acredita nos poderes encantadores do amor e ela a pessimista e descrente, que vê os relacionamentos como algo potencialmente destrutivo e repelente. “Not everybody thinks life's a picnic...”, diz ele para sua desejada, deixando claro que ambos estão unidos no modo como consideram a realidade. O filme em vários momentos retrata Johnny como um grande solitário, que perambula pelas ruas da metrópole sem conseguir se conectar com ninguém no meio da multidão - o que fez com que alguns críticos descrevessem o o filme como um retrato profundo da solidão urbana... Johnny é alguém que está faminto, no fundo, não por sexo, luxúria ou diversão: o que ele procura é só um pouco de ternura e de carinho maternal. Ele não quer transas selvagens: quer dormir juntinho na spoon position. Ele não quer bagunça: quer conforto. (Frankie: I'm looking for someone to take care of me. // Johnny: Aren't we all? )

Outra originalidade sublime do filme é o modo como ocorrem as reações da mocinha às declarações de amor do mocinho. Por que quem disse que todo mundo gosta de ouvir um "eu te amo"? Hollywood é de uma falsidade irritante fazendo com que sempre se abram sorrisos puríssimos quando esse "eu te amo" é ouvido pela mocinha, que se derrete toda e se larga nos braços do caubói durão ou do herói-que-salvou-o-dia. Frankie & Johnny é muito mais realista – e muito mais bonito por isso: por ser verdadeiro. Adoro a reação de Frankie ao ouvir a arrebatada declaração de Johnny na pista de boliche: ela chora de raiva por ele ousar "estragar o dia dela" dizendo que a ama. "People don't just decide to go falling in love with people out of the blue!", diz ela, enlouquecida de angústia por uma declaração de amor que deveria, teoricamente, alegrá-la e fazê-la feliz. E por quê ela não gosta? Talvez porque ela sinta, com razão ou não, que Johnny não a conhece de verdade - pelo menos três vezes no filme diz para Johnny: "Você não me conhece, você não me conhece!..." Porque não basta ouvir um “eu te amo” para ficarmos felizes – é o que parece dizer a atitude da Frankie... - tem que ser um “eu te amo” que sai do coração de alguém que nos conhece de verdade... Senão não vale!...

E isso é que faz essa história ser assim tão mais realista do que tantos outros romances, onde o temor de se entregar é quase nulo, como se isso, na vida como ela é, nem existisse (quando existe em altas quantidades e intensidades!...) Nossa vida é mais dura do que nos querem fazer crer as bobagenszinhas protagonizadas pela Meg Ryan - e nosso temor do amor às vezes tão grande quanto a nossa vontade de se entregar a ele. Gosto de ver isso retratado no filme. Gosto de olhar para uma personagem como a Frankie e me reconhecer nela, me identificar com ela, mesmo ela sendo mulher. E gosto também de reconhecer nela um tipo de atitude que eu já vi igualzinho em meninas que eu conheci e de quem gostei: aquela resistência, aquele temor, aquela tentativa reiterada de manter distância, aquela imensa fobia da intimidade, aquela obsessão em se proteger, se esconder e se guardar... "Frankie & Johnny" é bem isso: a descrição detalhada de como um cara solitário, mas que é também bastante corajoso para se lançar na sedução, tenta ganhar para si uma "garota difícil" - pra lá de difícil...

Gosto também do modo como o Johnny demonstra sua insistência e sua persistência, não por ser um “tarado” que quer ganhar a menina a qualquer preço, mas muito mais por uma estranha espécie de generosidade, como se ele estivesse engajado na tarefa de salvar a mocinha da solidão e do fechamento dela, salvando-se assim, ele mesmo, da sua própria solidão... Porque certamente Frankie iria seguir sua vidinha de garçonete, segura e sem emoções (with no alarms and no surprises...), trabalhando com tédio o dia todo, só para à noite assistir seus VHS e ficar brincando com suas estátuas de elefante. Iria seguir profundamente infeliz, claro, como sempre são infelizes aqueles que se protegem contra o amor, mas pelo menos suportando sua vidinha insossa sem sofrer demais.... Seguiria assim até deus sabe quando se Johnny não viesse sacudir sua vida. Gosto dessa idéia de um amor que chega como um espécie de terremoto, parecendo que vai fazer mal, mas intencionando fazer apenas o bem...

É bem aos poucos, e com muito esforço, que Johnny, na maior insistência, vai tentando ir penetrando pelas brechas na parede de Frankie, vai mostrando sua verdadeira face, vai conseguindo conquistá-la. Trabalho difícil, já que frequentemente ela levanta suas defesas. "All of a sudden, the armour's up?", pergunta ele numa hora em que ela levanta as barreiras, de repente, quando o clima de intimidade e de carinho começava a se estabelecer. E se desculpa com ela por estar “forçando a barra” numa fala genial: “I'm so scared you're gonna retreat back to that place you're so comfortable with, that place where no one can find you... That's why I'm coming on so strong, can't you see?”

Mas a minha cena predileta é aquela em que os dois estão na cama discutindo sobre o suicídio e ela pergunta: “What do you wanna kill yourself about sometimes?” É nesse momento que as máscaras de Johnny finalmente caem e ele confessa a enormidade de sua solidão... “I wanna kill myself when I think that I'm the only person in the world, and that part of me that feels that way is trapped inside this body that only bumps into other bodies, without ever connecting to the only-other-person-in-the-world trapped inside of them. We have to connect. We just have to.” Naquele momento, é como se os dois finalmente concordassem inteiramente sobre algo, como se a conexão finalmente se estabelecesse sem ruídos – apesar dos trancos e barrancos do relacionamento, dos medos e das barreiras, ambos reconhecem o horror da solidão e a necessidade vital da conexão...

Conheço poucos filmes de amor mais verdadeiros e sóbrios do que esse. E poucos mais bonitos.