quinta-feira, 24 de maio de 2007

:: i know, it's only rock'n roll, but i love it... ::

5 CLASSICÕES DO ROCK AND ROLL NOS ANOS 70

Voltei a mergulhar de cabeça nas velharias do rock and roll, redescobrindo o prazer de curtir velhos discos que hoje em dia ninguém conhece mais, nem ninguém nunca ouviu falar... Tava com saudades de riffões mortíferos, espancamentos cavalgantes de bateria, longos solos distorcidos e melodiosos , uns baixões encorpados... Tava com saudade dum pouco do bom e velho divertimento adolescente do headbanging. Ultimamente, ando ouvindo só classicões dos anos 60 e 70. E eu confesso, por exemplo, que acho o AC/DC fase Bon Scott, me zoem o quanto quiserem, uma coisa divina - apesar das letras diabólicas e daquela vozinha de menino endiabrado do falecido Bon (rest in peace, man!).

Acho que tô um tanto cansado ficar ouvindo fofurezas indie e bandas hypadas da era moderna. Tô achando muito mais proveitoso investigar o passado, procurando pelos fósseis de antigos dinossauros, do que procurar algo que preste nestas espécies que nasceram mais recentemente... Eu costumava ter toda uma preocupação de estar muito bem antenado, ouvindo grande parte dos lançamentos que as boas gravadoras iam pondo nas lojas, para ser um indie muito bem-informado e digno de estar na primeira divisão da nação indiegena, mas ando cada vez mais sem vontade de ficar baixando cada uma das Novas Salvações do Rock que a mídia musical inventa a cada semana - e só para estampar com letras garrafais nas manchetes sensacionalistas que mais e mais se parecem com anúncios...

Sem falar que, sinceramente, tem me decepcionado um pouco a produção das novas bandas por aí: ouço os novos do Arctic Monkeys, do Bloc Party, do Kaiser Chiefs, mesmo do Black Rebel, e acho tudo "legalzinho", até, mas de uma mediocridade desanimadora - é só botar um velho clássico do Led ou do AC/DC pra que tudo dessas bandinhas novas pareça meio pálido e sem cor perto dos discões fodões dos anos 60 e 70. Acho que eu vou ser um daqueles tiozões saudosistas que só curte bandas jurássicas e que quer ensinar a juventude a descobrir como era tão melhor nos tempos idos... :D "Ah, no tempo de Woodstock é que o lance era bom de verdade! Essa meninada dôjendia num sabe nada de róquenrou!" Tô meio naquelas de ficar me perguntando: por que vou ouvir o Wolfmother quando posso me deliciar com o Led Zeppelin e os Faces? Ou ouvir Darkness tendo em mãos o Highway to Hell e o Back In Black? Pra que ficar com os xerox em preto-e-branco quando posso ter os originais coloridos?

Acho, aliás, que as melhores bandas da atualidade, todas elas, só se tornaram tão boas porque estudaram com afinco a história do rock e se inseriram numa certa tradição: toda grande banda é também o resultado de um processo arqueológico de descoberta de uma linhagem. Senta que lá vem teoria de um pobre wannabe se fingindo de crítico musical... Acho que o White Stripes não seria tão legal se o Jack não tivesse devorado tanto folk e blues antigo, tanto Led Zeppelin, tanto Cream; os Strokes só se tornaram o que são de tanto ouvir Television, Undertones, Velvet e Modern Lovers; o Wilco, por mais original que seja, não deixa de chupinhar um monte de Replacements, de Neil Young, de Bob Dylan, até de Lynyrd Skynyrd, ultimamente... Bandas que têm raízes e cultura musical costumam ser muito melhores do que essas bandinhas que não ouviram muita coisa e já pensam que podem sair por aí fazendo música. Árvores crescem firmes e fortes só quando têm raízes vigorosas se aprofundando no solo... Com o perdão da má metáfora.

Segue aí embaixo uma seleção de um punhado de discos excelentes do rock and roll nos anos 70 - mas que não costumam ser devidamente valorizados. É uma espécie de "pérolas escondidas" ou "álbuns subestimados" de uma década que teve material de primeira pra dar e vender. A gente costuma só ouvir falar que os anos 70 viram nascer as primeiras bandas de rock pesado, que dariam em novos gêneros como o hard rock e o heavy metal (através do triunvirato sagrado: Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple), e que viu nascer o levante punk e suas bifurcações (a new wave, o pós-punk, o hardcore um pouco depois..), mas esquecemos de tantas outras bandas geniais (ou simplesmente empolgantes pra caraca) que passearam lindamente pelos gloriosos seventies... Eis aí, pois, 5 classicões do rock nos anos 70 que eu recomendo a todos:

T Rex – The Slider (1972). O rótulo glam rock engana e afasta os leigos: faz pensar em brilhantina, lantejoulas, exibicionismo espalhafatoso e comportamento repleto de viadagens - como se fosse o Ramo Gay dentro do rock and roll... Tenta dizer pra algum metaleiro que os discos do glam eram legais e ele vai te olhar com aquela cara de quem suspeita da tua masculinidade. Mas é bobagem e puro preconceito fazer do hoje mitológico Marc Bolan apenas um dos rock star mais bichosos que já houve, o primeiro de uma longa lista de moços com jeito de menina, a má-influência que serviu de inspiração para a androginia de gente como o Brian Molko do Placebo, o Brett Anderson do Suede, o Jarvis Cocker do Pulp... Em vida e depois de sua morte (em 1977), Marc Bolan foi muito mais: um compositor competente, um performer criativo, um cantor interessante, uma persona provocativa - um grande cara, se me perguntarem. E, reduzido ao essencial, o tal do glam rock era nada mais que o bom e velho rock and roll, puro e simples, não muito diferente do que era nos anos 50 e 60, mas sem a obsessão com a virilidade e com a atitude ai-como-sou-machão!. É o rock and roll excitante como sempre, mas liberto da obsessão com a macheza – e, por isso mesmo, transpirando liberdade. The Slider é talvez o grande clássico do Tyranossaurus Rex e um sucessor que chega a ultrapassar o poder do album anterior, o igualmente clássico Electric Warrior (que contêm o grande hit da banda, a irresistível “Bang A Gong (Get It On)”, que o menininho do filme Billy Elliott tanto adora). Na época de seu lançamento, o The Slider foi um hit certeiro na Inglaterra e conseguiu um sucesso considerável também do outro lado do Atlântico, fazendo de 1972 o ano mais formidável na história do glam rock: foi neste ano abençoado que foram lançados o Ziggy Stardust de David Bowie, o Transformer do Lou Reed e o All The Young Dudes do Mott the Hoople. The Slider, apesar das semelhanças claras que detêm com os discos citados, tem todo um charme próprio. A atitude do Rex e do Bolan, junto com os New York Dolls e com as bichices do Bowie, deve ser algo como o equivalente à Revolução Sexual dentro do rock and roll. Marc Bolan foi um dos primeiros a soltar a mulher que tinha dentro de si e mostrar que isso, ao invés de ser constrangedor, podia ser cool – e mais: libertador. Por isso gosto até de pensar nele (aguenta a viááágem...) como um precursor do riot girrrrl e um dos que abriu caminho para que as mulheres entrassem no rock and roll. Teriam existido Patti Smtih e Debbie Harrie se antes Marc Bolan não tivesse soltado a franga e "feminilizado" o rock, junto com o Bowie e os outros glams? Dali em diante, as bichas, as mulheres, os andróginos e todas as criaturas esquisitas estavam convidadas a pegar em guitarras e fazer bandas. Ainda bem! Tirando todo esse papo, The Slider é simplesmente um discaço de rock and roll, bom do começo ao fim, que tem ainda a vantagem de ter sido importante como algo que ajudou a modificar para sempre uns "paradigmas comportamentais".

GRAHAM PARKER – Howlin Wind (1976). O cara tem a voz do Van Morrison, a empolgação maníaca do Mick Jagger, a auto-confiança inabalável do Bruce Springsteen e o groove fácil de algum negão cantor de soul. Precisa dizer mais como recomnedação? E, como se não bastasse, o Graham Parker começou sua carreira quando o punk estava prestes a nascer e seu rock and roll já nascia impregnado com o espírito dos tempos: ou seja, já tinha um pé fincado no punk e outro na new wave. Howlin' Wind, seu primeiro disco, é um dos grandes debuts da história do rock, como a própria AMG All Music Guide sugere. É como um Elvis Costello mais encorpado, com uma banda de apoio mais vigorosa do que os Attractions e com sangue mais negro correndo nas veias. É como a versão rock and roll e turbinada do Moondance, um dos grandes clássicos do grande Van. É como o New York Dolls soaria se tivesse vivido para compor seu terceiro disco. Como é que pode ninguém conhecer uma maravilha dessas? Refrões memoráveis, músicas grudentas e um dos vocalistas mais potentes dos anos 70 fazem deste um dos mais divertidos, alegres e irresistíveis discos do rock and roll nos anos 70. Eis um disco que sempre sugiro pra tocar de cabo a rabo quando me deixam pôr som em festa.

MC5 – High Time (1971). Na história do rock, o MC5 entrou para o time das bandas chamadas de “proto-punk”, ao lado dos New York Dolls, dos Stooges e do Velvet Underground, como se fosse justo relegar bandas tão cruciais ao papel de serem os meros precursores de algo mais importante que viria depois... Por isso não curto muito do rótulo proto-punk: porque o MC5 era, antes de mais nada, uma baita duma bandaça de hard rock, talvez a mais violenta, brutal e pesada de sua era. Quando Kick Out The Jams! saiu, em 1969, impregnado de revolta política e discursos inflamados, “orquestrada” por John Sinclair para gerar um caos danado, aquilo foi provavelmente o petardo mais estupidamente barulhento e agressivo que o mundo já havia ouvido. E lembrem-se de que muitos anos ainda teriam que passar até que existissem coisas como o metal, o punk e o hardcore. O MC5 já foi a banda mais estupidamente agressiva do mundo. E que colhões lançar um disco daqueles em pleno Verão do Amor! O disco de estréia dos caras pode até ser o grande clássico da carreira deles, e de longe um dos melhores álbuns ao vivo da história do rock and roll, mas os dois discos seguintes não fazem feio – Back In The USA é um belo tributo às raízes do rock and roll e o High Time, terceiro e último álbum da banda, serve para inscrever o Motor City Five na história do rock pesado que nascia dos anos 70 com o surgimento do Led, do Black Sabbath e do Deep Purple. A banda perde alguns miligraminhas de sua energia estando num estúdio, mas a vantagem é que o vocal do Tyner se torna mais nítido e a guitarrinha estupenda do mestre Wayne Kramer se ouve com mais clareza. Um discaço.

STATUS QUO – On The Level (1975). Tudo bem: o Led Zeppelin IV é um puta dum disco formidável, clássico supremo da história do rock and roll, objeto de culto de todos os tiozões roqueiros que conhecemos... Mas quantos de nós, mais moderninhos, não desejamos que aquela avalanche sônica de “Black Dog” e “Rock and Roll”, que inicia o álbum nos deixando com a adrenalina lá no teto, continuasse pelo disco inteiro, sem que entrassem as bonitezas folk de “Going To California” ou a longa viagem de “Stairway To Heaven”? Quem já não quis que o Led Zeppelin tivesse feito um disco com o carro sempre na quinta-marcha, com o pé pisando sempre até o fim no acelerador? Pois o On The Level, do Status Quo, é mais ou menos como seria um disco inteiro repleto de rock and roll como só o Led sabia fazer na época do IV. Fiquei completamente embascado quando descobri esse disco – como pode ser tão subestimado e obscuro, quando tinha tudo para ser um dos álbuns mais adorados da história do hard rock? Antes de baixar essa pérola, minha única informação sobre o Status Quo era uma citação, pra lá de irônica, numa música do Teenage Fanclub, no disco deles (o adorável Bandwagonesque) que mais sacaneia alegremente o mundo do metal (e as meninas metaleiras): “She wears denim wherever she goes, she says she's gonna buy some records by the Status Quo...” (em “The Concept”). Este On The Level tem uma única musiquinha de bonitezas folk, inclusive com ú-ú-ús singelos de backing vocal (“Where I Am”), mas o resto do álbum é estupidamente rockandroller – contendo clássicos como “Down Down” e “Over and Done”. Rockão empolgante, despretensioso e cavalgante, que passa por cima do ouvinte como um rolo compressor e que não decepcionará ninguém que curta AC/DC e Led - mesmo que fique a sensação nítida de que o Status Quo é uma espécie de banda de segundo escalão, que fazia nada além de uma imitação classuda dos grandes mestres. Mas vai imitar bem assim no inferno!

FACES – A Nod Is As Good As a Wink... To a Blind (1973). Este é o mais clássico dos discos da banda outrora conhecida como Small Faces - que encurtou o nome depois da entrada do novo vocalista, Rod Stewart, e do novo guitarrista, o grande Ron Wood (que depois entraria pros Rolling Stones). Um dos álbuns de rock and roll puríssimo e destilado que mais me empolga, dentre todos que eu conheço. É tudo o que o Black Crowes queria ser, e tentou ser por tantos e tantos anos, conseguindo vez ou outra resultados admiráveis, mas nunca chegando a realmente atingir o nível desse momento máximo de inspiração dos Faces. Esse é do tempo em que os discos tinham só 35 minutos de duração mas não havia um segundo que não valesse a pena. Do tempo em que os discos eram feitos para que a juventude ficasse pulando em cima do colchão, segurando a guitarra imaginária e arruinando permanentemente os estrados da cama. O Rod Stewart, na carreira solo posterior, viraria um coiso um tanto brega e constrangedor, principalmente nos clipes e nas fotos, que são de uma cafonice sem igual, mas no Faces ele demonstra ser um vocalista de rock cheio de energia, empolgação e potência vocal. O jeito como Rod já entra com o vocal rasgado no começo de “Miss Judy” já dá a suspeita de que estamos frente a um disco sublime. E a suspeita se confirma com louvor. Os duelos entre um solo de guitarra e uma levadinha deliciosa na gaita harmônica em “You're So Rude” é uma das coisas mais docemente melodiosas que eu já ouvi num disco de rock pesado. Mesmo as baladinhas, que já sugerem o que Rod Stewart iria se tornar depois de ter “estragado”, são lindinhas: “Love Lives Here” e “Debris” não soam nada cafonas, conseguem até emocionar e soam quase com o Bob Dylan soava quando tocava com a The Band (e isso é uma grande elogio aos Faces, claro!). Sem falar que esse disco, junto com os clássicos do Led e do Cream, é prova de que o rock and roll nada mais é do que o bom e velho blues tocado com guitarras distorcidas e com um ritmo acelerado – tanto que uma música tem o nome-tributo perfeito à cidade-mãe do blues: “Memphis, Tenessesse”. Altamente recomendado.

(Xiii, faltou falar de tanta coisa, tanto disco clássico, tanta banda boa... eu não falei do Zuma do Neil Young, nem de nenhum clássico do Creedence, nem do Grand Funk Railroad, nem do Maggot Brain do Funkadelic, nem do Exile On Main Street ou do London Calling, nem de alguns grandes discos do Dylan... Mas fica pra próxima... Hoje a idéia era só ficar nos clássicos "obscuros".)