domingo, 18 de dezembro de 2005

-- MEUS 10 DISCOS DE 2005 --

#2


JOHN FRUSCIANTE
Curtains


John Frusciante teve uma divina diarréia criativa em 2004 e começou a gravar discos como se fosse um coelho parindo filhotes: foram, no total, 6 álbuns... O cara, que é para quase todo mundo só o guitarrista dos Red Hot Chilli Peppers, demonstra cada vez mais que tem uma carreira-solo que parece muito mais importante para sua vida do que a música que faz com sua banda principal: é nos seus discos-solo que ele põe toda sua energia, toda sua alma, todo seu imenso talento. E segue povoando o mundo com sua arte de precipício, com sua música de dançarino de parapeitos, com sua alma esquartejada em formato de canção... Conto a vocês um segredo: Frusciante é a mais nova encarnação de Buda, é o profeta-poeta de uma nova seita de redenção do sofrimento, gênio-louco que veio para nos iluminar o caminho com sua sabedoria-demência e sua cosmo-visão!

Ainda acho que a obra-prima é o Shadows Collide With People, ao mesmo tempo épico e trágico, dolorido e viajante, como que um Macbeth da música pop. Mas Curtains, último álbum da enxurrada, finalizado em dezembro de 2004 (e que chegou nos aparelhos de som de quase todo mundo só em 2005), é um álbum peculiar na discografia do cara e, certamente, um dos mais belos. Mais humilde e quietista, com um certo intimismo e vários silêncios eloquentes, “Curtains” é o disco em que os violões e pianos tomam o lugar das guitarras. Surge por aqui uma forma nova de melancolia, uma nova e devastadora maneira que Frusciante encontra para retirar da tristeza mais terrível a mais sublime beleza.

Essas músicas são capazes de arrancar cachoeiras dos meus olhos e arrepios da minha alma como poucos, talvez mais que qualquer outro disco da história da música pop que eu conheça: mais que o Closer ou o Unknown Pleasures, mais que o Tidal, mais que o Songs of Love and Hate, mais que o Ok Computer ou o Hail To The Thief... Sei: os que seguem a religião do prazer à qualquer preço podem argumentar que arrancar lágrimas de alguém nunca foi parâmetro pra julgar o valor de nada, muito pelo contrário: "se te faz chorar, por que seria bom?" É que me acontece às vezes o desejo estranho de ser tomado por sentimentos intensos, algo que escape desse esquema banal de diversões e futilidades... E são gostosas as purificações lacrimais: é como uma divina água que corre de dentro pra fora, levando consigo algo como demônios e pesares diluídos...

A base de Curtains é John Frusciante largado no chão de seu quarto com um violão e um gravador de quatro canais, cantando bem como nunca, sem medo de gritar sem a companhia do barulho, furando o silêncio com o punhal da sua garganta... Depois se ornamentou esse esqueleto de violão e voz com pianos, solos de guitarra, efeitos eletrônicos, o que não impede que esse seja o álbum mais despojado e acústico da carreira do cara. Seu talento como músico, que os seus dois primeiros álbuns solo colocavam em dúvida, está evidente, por exemplo, no solo de violão que termina "The Past Recedes" ou nos guitarrismos catárticos que são o clímax de "Anne". Seu talento como poeta brilha em quase todos os seus versos - que prosseguem sombrios e misteriosos.

Curtains é provavelmente o disco em que John se mostra mais sereno, mais autêntico, mais "ele mesmo", sem nenhum sinal perceptível de pose, imitação ou cinismo. Eis um cara que me ensinou algo que eu não posso deixar de considerar como uma sabedoria de vida, e que parece consistir no seguinte: ao invés da repressão das angústias e da insistência nos sorrisos fabricados, prefere expressar tudo que vai dentro do seu coração. Quando tem raiva, grita como um doido, até passar. Quando está melancólico, canta a mais melancólica das canções. Parou de lutar contra a tristeza: se satisfaz em expressá-la, e se salva dela através dessa expressão.

Lembro de ter lido em algum livro de filosofia, já não me lembro qual, a seguinte anedota: o mestre budista pergunta pra seu discípulo o que deve fazer o Iluminado quando recebe uma paulada na cabeça. O discípulo diz: “Não deve se abalar, deve suportar a dor, calar o grito que sente na garganta, se resignar ao seu destino, aceitar o sofrimento que é inerente à existência humana...”. O mestre discorda: “Mas não, ficar reprimindo a expressão do sofrimento não é aceitar o sofrimento... O Iluminado, quando recebe uma paulada, faz isso: berra de dor!” Frusciante me deu uma lição parecida: não conseguimos ser felizes, a maioria de nós, porque fingimos ser alegres o tempo inteiro; não ousamos botar pra fora todos os maus sentimentos que, por ficarem no interior, meio reprimidos e inexpressados, nos bloqueiam o caminho para uma felicidade mais verdadeira. Expressar é exteriorizar. Aquele que só exterioriza alegria e clarões, deixa dentro de si justamente aquele material que deveria ser lançado fora... Algo assim.

Frusciante espalha versos extremamente soturnos por todo o disco ("Life is soooo saaaad!", chora em “Leap Your Bar”; "I see the hope running low. We never found our way home. There is no hope, there are no dreams", canta na desolada "Hope"), mas acaba soando em estado de extrema elevação, talvez dotado de uma felicidade muito mais pura do que aquela que podem conseguir aqueles cujo único serviço na vida é fingir que são alegres o tempo inteiro. "I'm ascending endlessly and I don't even have to try", canta no refrão de "Ascension", e não se trata de simples jogo poético. Qualquer um que ouça Curtains com o coração aberto vai ficar com a impressão de que Frusciante realmente está subindo e subindo e subindo, o mais improvável dos Ícaros, montado nas asas da angústia, rumo ao céu na Terra: I-lu-mi-na-do!...

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ÚLTIMOS FILMES

(faz tempo q ñ atualizo o screening lá dentro - logo faço isso.)
(azulzinho é o que eu realmente recomendo q cês assistam.)

O OPERÁRIO (The Maquinist, de Brad Anderson) - 5.2
HELTER SKELTER [Director's Cut] (de John Gray, EUA, 2004) - 6.8
SPIDER (de David Cronenberg, 2002) - 7.3
CALAFRIOS (Shivers, de David Cronenberg, 1975) - 7.2
ESCOLA DE ROCK [2a] (School Of Rock, de Richard Linklater, 2004) - 7.5
QUANDO FALA O CORAÇÃO (Spellbound, de Alfred Hitchcock, 1945) - 4.5
BUTCH CASSIDY (de George Roy Hill, EUA, 1969) - 6.0
LAST DAYS (de Gus Van Sant, EUA, 2005) - 8.0
GUIDO DEVE MORRER (dos "Irmãos Di Giacomo", Brasil, 2005) - 7.0
QUANTO VALE OU É POR QUILO? (de Sérgio Bianchi, Brasil, 2005) - 3.5
NAKED (de Mike Leigh, Inglaterra, 1993) - 9.7
OS INCOMPREENDIDOS (The 400 Blows, de François Truffaut) - 5.8
NO DIRECTION HOME (de Martin Scorcese, EUA, 2005) - 7.7
OS SONHADORES (The Dreamers, de Bernardo Bertolucci) - 7.8
UMA LIÇÃO DE VIDA (Wit, de Mike Nichols, 2001) - 5.5
VIDEODROME (de David Cronenberg, 1982) - 8.1
MANHATTAN (de Woody Allen, 1979) - 9.1
ANOS DE REBELDIA (Out Of The Blue, Dennis Hopper, 1980) - 8.9
A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (de Carl Th. Dreyer, 1928) - 9.5
KING KONG (de Peter Jackson, 2005) - 3.5

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Blog de férias até depois do Natal. Vou ficar totalmente longe da internet - nenhum post, e-mail, scrap, MSN ou comments por uma semana. Vamos ver se um pouco de mar, de horizonte, de vento, de pôr-do-sol e de maresia acaba por espantar esse meu climão deprê de ultimamente...

"I'll let the damn breeze dry my face..."

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Pena que disco ao vivo num pode entrar num TOP 10 de verdade, porque o "Kicking Television", disco duplo do Wilco - live in Chicago em turnê do A Ghost Is Born - é de longe um dos melhores discos do ano. Mas eu sou muito suspeito pra falar: essa é uma das cinco bandas da minha vida.

COMMENT (inédita):

Watch out for your friends
Or they may lose in the end
Sometimes a child'll make you sin
What is a man without a friend?

We all live within a game
Where one excuse has many names
When true friends really come
You can't afford to lose one.

Oh, man, we're truly brothers!
Why, then, we hurt one another?
Love and peace from ocean to ocean.
Somebody please second my emotion!

Oh, man, we're born to free, yeah!
What about you, what about me?
This world is filled with hate!
There's nothing left!

If you enslave me
You'll never rescue yourself.

Jealousy, as I recall
It's always been men's hardest fault
To conquer fear that's quite a quest
Until we do, never rest!

A child was born yesterday
Nothing but a inoccent babe
Someone spoured a bitter seed
How can it grow but a bitter weed?

So, sadie, how can you teach
If you don't practice what you preach?

If all men are truly brothers
Why then can't we love one another?
Love and peace from ocean to ocean.
Somebody please second my emmotion!

Oh, man, we're born to free, yeah!
What about you, what about me?
This world is filled with hate!
There's nothing left!

If you enslave me you'll only hurt yourself!

Hey you, i wanna know, i wanna know why man!
With all your riches and your fancy things...
How many friends can you truly say you have?