quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Querido Diário, a verdade é que

EU SÓ ME FÔDO.



Esse foi, de longe, um dos dias mais tristes, horríveis, insuportavelmente dolorosos da minha vida... O choque foi forte, traumático, violento, tanto que eu ainda tô aqui, deitado na lona... Vou parar com um tempo com o TOP 10 porque eu simplesmente preciso desabafar, tentar vomitar pra fora de mim todo esse mal-estar, raiva, indignação e sensação-de-ser-um-pedaço-de-merda que eu tô sentindo. Estou todo esparramado pelo chão, nocauteado, com todos os ossos quebrados, e não sei se tenho a força pra voltar a me erguer...

O que eu sei é essa quarta-feira era pra ter sido aquela da minha Libertação: seria meu último dia com os pés sobre a Unesp-Bauru, meus últimos momentos nessa penitenciária de onde, pensava eu, eu estava pronto a fugir. Imaginem a cena: o aluninho, palpitante de expectativa, chega todo orgulhoso para mostrar aos Mestres da Banca Examinadora seu Trampo de Conclusão, certo de ter realizado algo de decente, digno de um 9, quem sabe até mais. Fora o nervosismo que a gente sempre sente antes de datas importantes, eu tava extremamente confiante na qualidade do meu trabalho. Claro que ia ser aprovado. E aí veio o murro na cara que me deixou todo quebrado, até agora...

Nem começo a apresentar: a Banca pede que eu saia da sala para "conversar". Volto dez minutos depois e me anunciam: a Banca recomenda que você não apresente esse trabalho...Quarenta minutos depois, após ouvir uma enxurrada de justificações para essa decisão de me reprovar sem nem mesmo me ouvir, saí daquela sala completamente arrasado, como se alguém tivesse acabado de me tacar pra dentro do poço e eu tivesse acabado de bater no fundo. Foi um dos choques mais brutais que eu já senti na vida - como se eu fosse um copo quente posto debaixo de água gelada e me desfazendo em cacos, por dentro. Perdido, totalmente perdido, e louco de indignação e de tristeza, mal conseguia reter as minhas lágrimas andando pelo câmpus. Acho que em nenhum outro momento da minha vida eu precisei correr prum banheiro público, me trancar dentro do cubículo, deixar meu corpo cair no chão e chorar, chorar, chorar... Esparramado no chão, quase que abraçado à privada, ouvindo o silêncio de Deus e o riso triunfante de Murphy, e querendo somente morrer, desaparecer, sumir, bater com a cabeça na parede até tudo se apagar...

Até agora estou tentando entender porque doeu tanto...

É um sentimento horrível esse de ter desprezado, cuspido e severamente criticado algo que é importante pra caramba pra você... Algo que você fez com gosto, com tesão, com paixão, com todo o seu corpo e toda a sua alma, ser tratado pelas pessoas como lixo, como se não valesse nada, como se fosse um pedaço de merda...

É que a Watchtower não é somente um trabalhinho acadêmico como outro qualquer... Ela foi importante demais na minha vida para que eu possa aceitar numa boa que pessoas tão "renomadas" e "conceituadas" a desprezem com tanta convicção e com tanta insensibilidade... No fim de 2002, quando ela surgiu na Internet, eu nunca havia publicado nenhum de meus textos em lugar nenhum - tudo que escrevia ficava engavetado, bem guardado, escondido pelo meu medo de que não fosse bom o bastante. A Watchtower foi o primeiro lugar onde eu comecei a publicar meus textos, onde comecei a experimentar as reações do público, onde eu comecei a ter mais coragem para exibir para os outros as minhas criações... Pode ser que para quase todo mundo a Watchtower era somente mais dentre tantos e-zines sobre cultura pop que haviam na Internet - algo que certamente não era desprezível, mas também que estava longe de ser muito importante. Mas pra mim era diferente: a Watchtower, em certo momento da minha vida, era simplesmente minha razão para viver. Aquilo que colocava um pouco de sentido e orientação na minha vida. Aquilo pelo que eu lutava. Uma obra a criar, a aperfeiçoar, a melhorar.

A versão da Watchtower que eu apresentei como T.C.C., e que continha uma dúzia de textos publicados originalmente no Dirty Little Mummie, é algo que realmente me orgulha. Há textos ali que foram escritos ao longo de todos esses quatro anos de faculdade, a maioria deles feitos com o maior cuidado, dedicação e seriedade, todos eles escritos com paixão. Está ali concentrado uma imensa quantidade de tempo que eu dediquei para tentar fazer um lance decente e digno - e certamente também o Fred, o Edison, o Alan, o Diego e todos os outros contribuidores se esforçaram pra caramba pra me mandaram textos ótimos. É triste ver todo esse trabalho ser tacado no lixo com tanta pressa e com tanta convicção...

É claro que eu tô indizivelmente arrependido por ter escolhido o Nicola para ser minha banca. Alguém me explica como eu é que eu pude cometer uma idiotice dessas? Só chamei o cara porque alguns professores me recomendaram que ele, por ser um dos poucos na Unesp de Bauru que "manja" de Internet, cibercultura, novas tecnologias e coisas afins, deveria ser selecionado. Dois semestres "tendo aulas" com o cara - quem já foi aluno vai entender bem a razão dessas aspas - me deixaram um tanto desconfiado sobre esse "manjar", mas tudo bem... alguns meses atrás, quando fui entregar meu trabalho final de Jorn Comunitário II, comentei com ele sobre o meu projeto de T.C.C., e ele se mostrou bastante entusiasmado com a idéia da criação de uma revista digital sobre arte e cultura. Eu realmente pensava que o cara seria um entusiasta do projeto, que curtiria bastante a tentativa de um aluno partir para a área da Internet, ainda hoje muito incomum no mundo dos T.C.Cs.

Eu tinha me esquecido como o cara é bitolado, cheio de manhas infantis, preocupadérrimo com uma série de detalhes insignificantes, incapaz de aceitar qualquer modelo que fuja do que ele considera o Correto... E é extremamente revoltante o fato de que ele parece somente prestar atenção naquilo que não importa: o conteúdo dos textos, a qualidade das críticas, as idéias que estão ali, isso praticamente não entrou em consideração, mas somente a porra da TÉCNICA e do VISUAL.

Para o Nicola, por exemplo, é uma verdade universal, escrita lá no Livrinho de Regras de Deus-Pai, que site num pode ter barra de rolagem. Não digo barras de rolagens grandes demais: TODA E QUALQUER BARRA DE ROLAGEM. É o absurdo dos absurdos! Um erro imperdoável! Se um dia o fosse dado o poder por Nicola legislar nesse país, ele mandava prender todo webmaster que usa barra de rolagem (o que mandaria em cana cerca de 90% deles). "Você acha que o internauta tem paciência pra ficar rolando essa barrinha pra baixo?", ele teve a coragem de me perguntar. É um "erro sério de planejamento gráfico"... Deus meu.

Para o Nicola, também, a Watchtower usa a "fonte errada". Eu realmente não estava sabendo que havia uma Legislação nesse país que nos dissesse qual é a fonte certa. A Garamond e a Tahoma, que eu usava na Watchtower, pra mim tão ótimas: são bastante legíveis e tem um belo visual. Por que seriam "fontes erradas"?

Eu, inclusive, caso vocês não saibam, sou um vergonhoso exemplo de FALTA DE ÉTICA e de APROPRIAÇÃO INDEVIDA DO TRABALHO ALHEIO, além de um INFRATOR DA LEGISLAÇÂO DE COPYRIGHT (eu juro que num tô brincando), simplesmente porque as imagens usadas na Watchtower não vinham com o nome do fotógrafo ou o site de onde foram tiradas. "Isso é crime, sabia? Isso é crime! E nós estamos na Universidade Pública, a gente não pode permitir que um TRABALHO ILEGAL, que não respeita os copyrights, seja aprovado...!"...

Além do mais, é claro que é um erro seríssimo escrever textos do tamanho daqueles que por vezes eu escrevo. O Nicola, por exemplo, pediu pra que eu rolasse meu texto sobre o Frusciante até o fim - na SATÂNICA E INADMISSÍVEL BARRA DE ROLAGEM - enquanto ralhava: "Mas olha o tamanho desse texto, rapaz! Você acha que algum internauta tem paciência pra ler tudo isso? No mundo on-line tudo é mais veloz..." É claro que tentei argumentar que, pra fazer uma boa crítica, aprofundada e contextualizada, você precisa escrever bastante. Mas não adianta: estou proibido pelas autoridades professorais de escrever textos aprofundados, sofisticados, com construções frasais um tanto complexas e palavras que acho suculentas. Não pode. Não pode MESMO. O que eu devo fazer, basicamente, segundo a recomendação não-escrita desses palhaços, é escrever textinhos minúsculos, com nenhuma "palavra difícil", que acabem logo e que não cansem o leitor - já que o assim chamado "Público" é "preguiçoso". Devo NIVELAR POR BAIXO, enfim. É o que recomendam. Escrever pensando em agradar o tipo de sujeito que entra na Internet para ver o placar dos jogos de futebol, os sites pornô e o chat romântico... Escrever para os quase-analfabetos-funcionais que não aguentam ler mais de 10 linhas na sequência na Internet. Qualquer texto que EXIJA mais do leitor, um tempinho de dedicação e atenção, um certo esforço na decifração do texto, é PROIBIDO. No livrinho de Deus-Pai deve estar escrito que texto pra Web tem necessariamente que ser pequeno, superficial e babaca. E a Watchtower, é claro, é inaceitavelmente "um site que não tem linguagem adequada para a Web"... Não fiz "algo adequado ao meio que escolhi"...

A Dalva, por sua vez, centrou seu ataque em outros "defeitos inaceitáveis" do meu trabalho. Se eu entendi bem, a Watchtower NÃO É uma boa amostra do meu aprendizado ao longo do curso. Já que o T.C.C. "tem como objetivo justamente checar se o aluno aprendeu o suficiente e está pronto para o mercado de trabalho", nele teria que constar uma boa amostra de Conhecimento Extraído do Curso. Minha Watchtower, infelizmente, não parece ser exatamente o resultado do que aprendi na Unesp de Bauru, o que eu certamente concordo, mas muito mais o resultado de um aprendizado feito junto a outras fontes e outros "mestres", por assim dizer. Por isso, segundo a mestra, o site não pode ser aceito como um Trabalho de Conclusão de Curso verdadeiro. É demasiado "extra-curricular". Não é ACADÊMICO o suficiente. Faltaram aquelas citações imensas e chatérrimas de Adorno e Marcuse e Horkheimer e Benjamin e pós-modernos e o caralho a quatro pra deixar a coisa com um porte respeitável. Se você num enfia uns 50 livros na sua bibliografia, mesmo não tendo lido nem meia-dúzia deles, os desgraçados dos professores não te levam a sério. Se você tenta fazer um relatório em tom informal, despojado, sem excessos teóricos, eles acham "muito superficial". Aliás, quem sou eu pra dizer qualquer coisa sobre a "mercantilização da cultura"? Só quem pode falar disso são as Autoridades competentes: Adorno e tal.

"Você não pode apresentar um trabalho que dê a idéia de que, para fazê-lo, você nem precisaria ter entrado na faculdade!", foi mais ou menos o que ela me disse. E eu não sabia se eu ria ou se eu chorava. Eu nunca cheguei a imaginar que um professor fosse me censurar por eu ter tentado expandir meu conhecimento e minhas áreas de interesse para além do círculo fechado desse curso de jornalismo extremamente boqueta e revoltante da Unesp. Então eu não tenho o direito de fazer um trabalho utilizando tudo o que aprendi com os artistas, os filósofos, os cineastas, os poetas, os escritores, todos os grandes mestres que tive fora das paredes da Universidade? Tenho que me limitar a somente papaguear sobre o que os professores da Unesp me ensinaram durante o curso? Se tivessem me ensinado algo... Se num fossem quase todos uns picaretas, salafrários, cafajestes, superficiais, especialistas-bitolados e filhos-da-puta! Que absurdo fazer um trabalho que demonstra Conhecimento que não foi aprendido no Curso!...

O INACEITÁVEL, também, é que eu faça um trabalho que centra sua atenção muito mais no domínio da Arte e da Cultura do que propriamente no da Comunicação, algo que não se pode tolerar num aluno de Jornalismo! Como pode, um aluno de jornalismo fazendo um trabalho sobre cinema, música, literatura, filosofia, histórias em quadrinho! É "sair de sua área"... Que absurdo! Que ultraje! Tem que ser reprovado! Não podemos permitir um crime desses!...

Que coisa mais triste ficar só recebendo chicotada por meia hora, e praticamente nenhum elogio, por um trabalho que é o resultado do ESFORÇO DA MINHA VIDA, na verdade... Então é isso, saí pensando: nada do que eu fiz com a minha vida presta para essas pessoas. Para elas não interessa saber nada sobre cinema, música ou literatura. Acham os textos muito grandes, muito chatos e inadequados ao meio. Não tem gosto ou paciência para visitar esse site. Simplificando: não gostam nenhum pouco dele.

Uma pergunta: a Banca julga o aluno, mas quem é que julga a Banca? Se o aluno discorda dos métodos de avaliação da Banca, se pensa que a Banca está sendo idiota e retardada, se tem a sensação de que a Banca nem se deu ao trabalho de ler 30% do Trabalho feito, com quem o aluno deve reclamar? Se o aluno acha que foi julgado por uma pessoa que hiper-valorizou o menos importante (o projeto gráfico) e praticamente ignorou o que eu considero o essencial (o conteúdo, é claro), que tem que fazer? Ou tem que ficar quieto e respeitar as Autoridades Constituídas?

Eu nem queria colocar a Watchtower de volta no ar, até porque a maioria dos textos dela está aqui no Dirty Little Mummie, mas depois dessa reprovação, que eu num posso deixar de considerar injusta e revoltante, vou colocá-la de volta na rede como prova do meu orgulho por esse trampo. Fiz o que tinha que fazer. Agora vou pagar pela vista-curta e incompetência desses palhaços que nós chamamos de professores...

Bauru, 2006, aí vou eu!

E está comprovada mais uma: "Nada é tão ruim que não possa piorar".

Esse, amigos, é o site que PROVA que eu sou ANTI-ÉTICO e INFRATOR DE COPYRIGHTS, que NÃO APRENDI O SUFICIENTE NO CURSO DE JORNALISMO, que SOU INCAPAZ DE SINTETIZAR IDÉIAS e, finalmente, que sou INAPTO PARA O MERCADO DE TRABALHO... Um trabalho TÃO RUIM, mas TÃÃÃO RUIM, que nem chegou a merecer o direito de ser apresentado. Um indício sério de que eu não passo de um Pedacinho de Cocô. Eis aí: The Watchtower - versão TCC.

Por que tudo tem que ser tão difícil?

É o gene da loseridade no meu DNA, só pode ser.

A ditadura cósmica de Deus-Murphy, esse Grande Sarcástico...

Oh, yeah, baby: i was born to lose.