(EDDIE, banda recifense, ao vivo em Sampa, ontem, nas fotos psicodélicas do Dudu, o pior fotógrafo da Via Láctea e redondezas.)
Esse Brasilzinho é mesmo um país engraçado. Aqui se coloca em pedestais seres humanos indiscutivelmente escrotos (nem vou começar a enumerar pra não deixar esse parênteses do tamanho de uma Bíblia...), mas se ignora e se condena ao ostracismo pequenos gênios da música popular - que acabam assim, soterrados no underground para sempre... O fato de quase ninguém ter sequer ouvido falar de Eddie (e de Wado tb...) é um crime inafiançável da mídia brasileira, da MTV, das rádios, e de todos nós que não descobrimos essas coisas a tempo e não fizemos a boa-nova passar no boca-a-boca – porque eis uma banda que merecia (e muito) ter estourado tanto quanto estourou Chico Science e, em menor escala, o Mundo Livre S/A.
É um tanto inexplicável o porquê o Eddie acabou sendo, pelo menos para nós aqui no Sudeste, uma banda completamente desconhecida em comparação com seus primos ricos do manguebeat. Mas o grito de “manguebeat é o caralho!” até é justificado – porque pregrar no Eddie de manguebeat é reducionismo demais. Os caras são de tudo: são dub, são funk, são samba, são rock pra dançar, são MPB, são música eletrônica - são até forró, de vez em quando... Banda ultra eclética, como também eram os irmãos mais famosos dentro da cena recifense que revolucionou a música nacional nos anos 90. Mas eu me sinto quase tentado a dizer mais: “Música brasileira é o caralho! Isso é World Music!” (Hehe!)
Porque o Eddie é como Guimarães Rosa: é regional mas é universal. Toca esse bagulho lá pra juventude jamaicana e os caras certamente vão se amarrar. Toca pr'um estudioso do dub, que conhece a fundo o trampo do Lee Scracth Perry e do Augustus Pablo, e ele vai colocar o Eddie na mesma linhagem. Toca pr'um fã de rock alternativo que curte Talking Heads fase-Remain In Light ou Jane's Addiction fase-Ritual de Lo Habitual que o cara vai notar na hora que o experimento sônico do Eddie é tão excêntrico e radical quanto o empreendido por David Byrne no começo por 80 e por Perry Farrell no começo dos 90. Toca pr'um povinho moderninho que curte dançar com as guitas funkeadas do Rapture, do Kasabian, do Radio 4 ou dos Klaxons, e eu não duvido nada que eles caiam na farra ao som de Eddie. E toca pras mulatas sambantes com Carnaval no sangue que elas sambam em cima de todas as músicas...
E é absolutamente incrível a completa ENTREGA do público ao som dos caras e dos caras pro público – não dava pra sentir no ar nem um pingo de “divergência cultural”, nem um pingo de “superioridade” paulistana frente à música nordestina, quase ninguém “analisando” e julgando racionalmente o som, com aquela arrogância de quem pensa que tem bom gosto... Era curtição geral. Era uma festa – uma festa sussa, mas uma baita duma festa. Você olhava ao teu redor e tava todo mundo se mexendo, cada um dançando dum jeito, todo mundo suando em bicas, todo mundo sequestrado pelo groove...
O Eddie, banda já veterana, não tem aquela “ansiedade” de bandas mais novatas, que se sentem na obrigação de impressionar a todo custo e dar um espetáculo arrasa-quarteirão: os caras fazem tudo no maior sossego, na maior paz, como quem sabe muito bem do próprio valor e não tem medo de nada, desnovelando devagarzinho um som que vai te conquistando aos poucos... É contágio certo aquele groovizinho mortal que parece perpassar todas as músicas, aqueles batuques contagiantes, aqueles versos tão simples mas tão agradáveis, sempre sobre o cotidiano, mas sempre o vendo com uma certa poesia do povo...
Show do Eddie não chega nem perto de ser tão intenso, barulhento e pirotécnico quanto um show da Nação Zumbi ou do Cordel do Fogo Encantado – mas o Eddie é o tipo de banda que a gente aguentaria assistir a um show que durasse umas 3 horas. Mais: eles podiam tocar a madrugada inteira, até o amanhecer, que a gente ia continuar dançando e curtindo. Porque essa porra não cansa; você reza pra que aquele groove mágico e invisível fique ali, flutuando no ar, eternamente, só pra você curtir estar no epicentro daquele delicioso e suave terremoto... E ainda rolam aqueles solos de trompete em certas músicas, que descem pelo ouvido e pela alma como açúcar, estabelencendo conexões improváveis entre o mangue-beat e o jazz, entre a música Nordestina e uma abordagem quase Los Hermanos dos metais, entre o dub e o funk...
O Eddie não tem nada de “intelectualismo” e quase nada de “pretensão” - são uma banda de música popular, que nos shows de Olinda deve certamente ser curtida por todas as classes sociais, de mendigos a playboys, de leigos a críticos musicais. Sem limites rígidos entre os estilos, o Eddie passeia à vontade por todo o espectro musical e se dá em tudo que faz, e com uma incrível naturalidade. Provavelmente o show é bem melhor do que as músicas gravadas, mas eu recomendo sem medo: roubem, gravem, baixem, sequestrem, mas não deixem de ouvir os CDs do Eddie!
Eu, aliás, saí todo contente do Studio segurando meu Original Olinda Style comprado por 10 pilas (e quanto tempo fazia que eu não comprava CD original...) - e pressionando os amigos que têm os outros para me gravarem todos o quanto antes. Se, antes do show, em papos tipicamente FFLCHianos, papeamos sobre de tudo em pouco (analisando o Labirinto do Fauno em minúcias, lamentando o genocídio em Ruanda e o pós-colonialismo na África, passando para os cineastas brasileiros nos EUA e como Waltinho Salles e Fernando Meirelles vão botar pra quebrar em Hollywood...), no fim do show o único assunto que sobrou, a única coisa que conseguíamos nos dizer, enquanto enxugávamos o suor nas camisetas já encharcadas, era: mas que show do caralho! De longe, uma das bandas brasileiras mais interessantes que eu já conheci, um dos shows nacionais mais irretocáveis que eu já assisti, pra coroar um fim-de-semana pra lá de trimmassa...
“Manguebeat é o caralho! Isso aqui é música popular brasileira!” - gritou ao microfone um dos convidados do Eddie ao subir ao palco para essa grande celebração e festa que transformou São Paulo, por duas horas, em um quarteirão animado de Olinda, onde os músicos-bruxos mexiam no caldeirão mil diferentes ingredientes culturais. Foi um show absolutamente sensacional, brilhante, magistral, memorável... – me faltam até os adjetivos. Uma aula de música e cultura brasileira, quase uma aula prática de antropologia e folclore... Absolutamente do caralho.
Esse Brasilzinho é mesmo um país engraçado. Aqui se coloca em pedestais seres humanos indiscutivelmente escrotos (nem vou começar a enumerar pra não deixar esse parênteses do tamanho de uma Bíblia...), mas se ignora e se condena ao ostracismo pequenos gênios da música popular - que acabam assim, soterrados no underground para sempre... O fato de quase ninguém ter sequer ouvido falar de Eddie (e de Wado tb...) é um crime inafiançável da mídia brasileira, da MTV, das rádios, e de todos nós que não descobrimos essas coisas a tempo e não fizemos a boa-nova passar no boca-a-boca – porque eis uma banda que merecia (e muito) ter estourado tanto quanto estourou Chico Science e, em menor escala, o Mundo Livre S/A.
É um tanto inexplicável o porquê o Eddie acabou sendo, pelo menos para nós aqui no Sudeste, uma banda completamente desconhecida em comparação com seus primos ricos do manguebeat. Mas o grito de “manguebeat é o caralho!” até é justificado – porque pregrar no Eddie de manguebeat é reducionismo demais. Os caras são de tudo: são dub, são funk, são samba, são rock pra dançar, são MPB, são música eletrônica - são até forró, de vez em quando... Banda ultra eclética, como também eram os irmãos mais famosos dentro da cena recifense que revolucionou a música nacional nos anos 90. Mas eu me sinto quase tentado a dizer mais: “Música brasileira é o caralho! Isso é World Music!” (Hehe!)
Porque o Eddie é como Guimarães Rosa: é regional mas é universal. Toca esse bagulho lá pra juventude jamaicana e os caras certamente vão se amarrar. Toca pr'um estudioso do dub, que conhece a fundo o trampo do Lee Scracth Perry e do Augustus Pablo, e ele vai colocar o Eddie na mesma linhagem. Toca pr'um fã de rock alternativo que curte Talking Heads fase-Remain In Light ou Jane's Addiction fase-Ritual de Lo Habitual que o cara vai notar na hora que o experimento sônico do Eddie é tão excêntrico e radical quanto o empreendido por David Byrne no começo por 80 e por Perry Farrell no começo dos 90. Toca pr'um povinho moderninho que curte dançar com as guitas funkeadas do Rapture, do Kasabian, do Radio 4 ou dos Klaxons, e eu não duvido nada que eles caiam na farra ao som de Eddie. E toca pras mulatas sambantes com Carnaval no sangue que elas sambam em cima de todas as músicas...
E é absolutamente incrível a completa ENTREGA do público ao som dos caras e dos caras pro público – não dava pra sentir no ar nem um pingo de “divergência cultural”, nem um pingo de “superioridade” paulistana frente à música nordestina, quase ninguém “analisando” e julgando racionalmente o som, com aquela arrogância de quem pensa que tem bom gosto... Era curtição geral. Era uma festa – uma festa sussa, mas uma baita duma festa. Você olhava ao teu redor e tava todo mundo se mexendo, cada um dançando dum jeito, todo mundo suando em bicas, todo mundo sequestrado pelo groove...
O Eddie, banda já veterana, não tem aquela “ansiedade” de bandas mais novatas, que se sentem na obrigação de impressionar a todo custo e dar um espetáculo arrasa-quarteirão: os caras fazem tudo no maior sossego, na maior paz, como quem sabe muito bem do próprio valor e não tem medo de nada, desnovelando devagarzinho um som que vai te conquistando aos poucos... É contágio certo aquele groovizinho mortal que parece perpassar todas as músicas, aqueles batuques contagiantes, aqueles versos tão simples mas tão agradáveis, sempre sobre o cotidiano, mas sempre o vendo com uma certa poesia do povo...
Show do Eddie não chega nem perto de ser tão intenso, barulhento e pirotécnico quanto um show da Nação Zumbi ou do Cordel do Fogo Encantado – mas o Eddie é o tipo de banda que a gente aguentaria assistir a um show que durasse umas 3 horas. Mais: eles podiam tocar a madrugada inteira, até o amanhecer, que a gente ia continuar dançando e curtindo. Porque essa porra não cansa; você reza pra que aquele groove mágico e invisível fique ali, flutuando no ar, eternamente, só pra você curtir estar no epicentro daquele delicioso e suave terremoto... E ainda rolam aqueles solos de trompete em certas músicas, que descem pelo ouvido e pela alma como açúcar, estabelencendo conexões improváveis entre o mangue-beat e o jazz, entre a música Nordestina e uma abordagem quase Los Hermanos dos metais, entre o dub e o funk...
O Eddie não tem nada de “intelectualismo” e quase nada de “pretensão” - são uma banda de música popular, que nos shows de Olinda deve certamente ser curtida por todas as classes sociais, de mendigos a playboys, de leigos a críticos musicais. Sem limites rígidos entre os estilos, o Eddie passeia à vontade por todo o espectro musical e se dá em tudo que faz, e com uma incrível naturalidade. Provavelmente o show é bem melhor do que as músicas gravadas, mas eu recomendo sem medo: roubem, gravem, baixem, sequestrem, mas não deixem de ouvir os CDs do Eddie!
Eu, aliás, saí todo contente do Studio segurando meu Original Olinda Style comprado por 10 pilas (e quanto tempo fazia que eu não comprava CD original...) - e pressionando os amigos que têm os outros para me gravarem todos o quanto antes. Se, antes do show, em papos tipicamente FFLCHianos, papeamos sobre de tudo em pouco (analisando o Labirinto do Fauno em minúcias, lamentando o genocídio em Ruanda e o pós-colonialismo na África, passando para os cineastas brasileiros nos EUA e como Waltinho Salles e Fernando Meirelles vão botar pra quebrar em Hollywood...), no fim do show o único assunto que sobrou, a única coisa que conseguíamos nos dizer, enquanto enxugávamos o suor nas camisetas já encharcadas, era: mas que show do caralho! De longe, uma das bandas brasileiras mais interessantes que eu já conheci, um dos shows nacionais mais irretocáveis que eu já assisti, pra coroar um fim-de-semana pra lá de trimmassa...
SAIBA MAIS: MATÉRIA DO CARALHO NA RADIOLA URBANA - OUTRA MATÉRIA MUTCHO BOA - COMUNA DO ORKUT (4.000 e poucos membros) - RECIFE ROCK! - TRATORE - MY SPACE -- TURNÊ EUROPÉIA -- ATÉ FRANCÊS PAGA PAU: "EDDIE pourrait être le cousin Jamaïcan de l’union improbable de Jorge Ben et Jello Biafra"!!!
|