- A HORA DE SE CALAR -
ensaio sobre a morte das bandas de rock
“it's better to burn out than to fade away”
[ neil young, hey hey my my. ]
A nação hermânica está em polvorosa com o anúncio de que os Los Hermanos entraram em “recesso”. Será o fim daquela que, desde já, pode ser tranquilamente considerada como a melhor banda de rock nacional desta década? Assim, tão de repente, os cultuadíssimos Hermanos vão abandonar os milhares que os idolatram como semi-deuses e simplesmente sair de cena, quando pareciam ter tantos atos ainda a representar? Ora bolas...! Eis uma boa ocasião pra filosofar e viajar sobre a morte das bandas de rock, o que faz com que elas se aniquilem e o que podemos fazer, nós pobres fãs abandonados, para nos consolar de nossa perda e melhor suportar o nosso... o nosso LUTO!
O mais engraçado de tudo é que, nesses casos, o artista que decide parar de criar, pelo menos por um tempo (ou pelo menos parar de tornar público aquilo que cria), é considerado como uma espécie de vilão. Que maldade nos privar de suas obras, senhor artista! Que falta de generosidade parar de nos entregar a arte que tanto nos deleita! Como se fosse por pura crueldade e avareza que ele, artista, meio que sem razão, decide parar as máquinas de sua fábrica e não mais entregar ao público o que nós demandamos, nos deixando assim, a passar vontade...
Mas a gente precisa entender. Todo artista, antes e além de ser artista, é somente uma pessoa, para quem a criação artística pode não ser assim tão fácil e prazeirosa quanyo imaginamos que seja. Muitos têm a noção ingênua de que os artistas são fábricas mágicas de obras-primas, que criam com a mesma naturalidade com que respiram, que para eles é tranquilíssimo, indolor e delicioso multiplicar quadros, filmes e canções... E pior: temos a tendência a achar que estão aí para nos servir e produzir incansavelmente algo que nos deleite, empolgue e eleve. Chegamos quase a exigir que continuem a encher de beleza nossa vidas - elas que transcorrem tão rodeadas pela feiúra e pelo tédio, e que tão pouco seriam sem a ajuda dela, a arte salvadora...
Só quem é artista - ou já tentou ser... - sabe o tamanho da dificuldade, do esforço, do trabalho duro, da ralação corporal e espiritual que é preciso suportar para chegar a produzir a tal da obra-de-arte. A receita para o bom artista, se pudesse haver uma, talvez seria: “Dez por cento de inspiração, noventa por cento de transpiração...” É o que dizia um grande pintor, não me lembro mais quem, que Sponville cita no Tratado do Desespero e da Beatitude. Se há pessoas que parecem ter um talento imensamente superior às pessoas comuns, eu acho que é muito mais porque suaram e suaram, tramparam e tramparam, por anos e anos, muito mais do que por possuírem um “dom divino”. É que normalmente esse longo período de “treinamento” e desenvolvimento se desenrola longe das vistas do público. É no esconderijo de seus quartos, estúdios, ateliês ou bibliotecas que os artistas se fecham para treinar, até que adquiram esse tal “talento” que os ingênuos julgam como sendo inato... “O espectador ocioso esquece esse labor, ou o ignora, e a obra-trabalho se torna obra-milagre”, como comenta o Sponville.
A teoria de que todos os dons artísticos são inatos é só uma superstição, uma lenda, uma mentira. E mais: é só um consolo que se dão os preguiçosos que não tem a energia para tramparem e ralarem até conquistarem os talentos que outros conquistaram. Pois eu sinceramente não creio nada em talentos dados por graça divina no nascimento, nem que há obras-milagre criadas do “nada” por alguém que nunca tenha gasto seu suor tentando aprender, se desenvolver, se superar... Fazer arte é cansativo, exaustivo, fatigante; tornar-se capaz de fazer boa arte, então, é um longo e sofridíssimo martírio.
Ou vocês acham que Jimi Hendrix já nasceu sabendo tocar guitarra e que Shakespeare já recitava versos no berço? Foi tudo aprendido, amigos. E se eles, mais tarde na vida, pareciam “gênios” de nascença, é só porque nós não pudemos vê-los quando eram leigos e iniciantes, é só porque não acompanhamos todo o percurso de vida deles, é só porque não vimos como foram se desenvolvendo esses “dons” (que nada têm de “caídos do céu”)! Quanta porcaria o garotinho Shakespeare deve ter escrito em folhas que depois lançou ao fogo, enojado! Quanto som horrível o pequeno Jimi deve ter tirado de sua guitarra quando era garoto, infernizando os ouvidos dos vizinhos, que certamente o julgavam alguém “sem nenhum futuro”...!
Toda obra-de-arte tem seu tempo de gestação específico. Ao contrário dos bebês humanos, que se formam pontualmente em aproximadamente 9 meses, sempre, a obra-de-arte não tem tempo certo para se transformar de feto em algo finalizado e pronto. Há livros ou quadros que levam décadas e décadas para serem completados – só pensar no caso de Goethe ou Dante, que levaram uma imensidão de tempo para acabarem o Fausto e a Divina Comédia. Por outro lado, há poemas que são escritos num ímpeto, em 5 minutos de inspiração pura, e entram direto na história da literatura e das obras-primas da beleza. Há partos facílimos, partos dificílimos, e todos os partos intermediários entre os dois extremos... Mas é inegável que o artista precisa, mais que tudo, de tempo para que a obra cresça dentro dele, para que suba das profundezas e seja agarrável na superfície; precisa de tranquilidade e sossego para ir dando forma e conteúdo para sua obra, devagar e sem neuras, sem pressões externas, sem deadlines...
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Agora imaginem só se essas condições de criação existem no caso do Los Hermanos, a mais cultuada, vigiada e pressionada das bandas de rock desse país... Imaginem o tamanho da pressão exercida sobre esses pobres seres humanos, o tamanho da responsa, o tamanho das exigências com que são bombardeados de todos os lados, o tamanho da aporrinhação que têm que aturar de gravadoras, jornalistas e fãs chatos, o tamanho do temor de decepcionar... São centenas de dezenas de milhares de pessoas que aguardam ansiosamente, e por vezes com expectativas impossivelmente elevadas, pelo novo disco. São milhões de reais que estão em jogo - para quem considera a coisa sob o prisma comercial. São incontáveis revistas, jornais e zines os investigando, espiando, encurralando, loucos para debulhá-los publicamente em suas páginas. É de deixar qualquer um louco.
É só pensar que o Radiohead precisou de 4 anos para conseguir dar à luz o sucessor de OK Computer – e que parto difícil! E que coragem tiveram que ter para ousar decepcionar grande parte dos fãs e da crítica com aquela sonoridade tão estranha, claustrofóbica, industrial e sombria de Kid A...
É sempre bom lembrar que estamos falando de bandas que estão na folha de pagamento de gigantescas empresas multi-nacionais, para quem eles não são vistos de verdade como artistas, mas muito mais como empregados que estão ali para produzir, produzir e produzir – e de preferência algo que venda e venda e venda. Não deve ser nada agradável para Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, dois poetas/compositores muito mais motivados pelo amor à arte do que pela ganância, terem que prestar contas para uma empresa que aguarda salivando pelo momento de tomar posse do material novo e comercializá-lo – e no interesse único de faturar milhões em cima. Uma gravadora certamente não é uma entidade que trate com o devido respeito o “tempo do artista”, que ofereça liberdade para que eles se demorem na confecção e no aperfeiçoamento da obra... Tudo tem prazos, deadlines, limites de custo; exige-se material novo pra data X, no máximo, como se o artista pudesse criar “à vontade”, como se pudesse ser “comandado” a criar como uma marionete, como se pudesse controlar as marés altas e baixas de sua criatividade. Todo mundo que já quis ser artista sabe que raramente sai algo que presta quando fazemos as coisas COAGIDOS DE FORA e com tempo certo para finalizar a coisa. Não sei de nenhuma redação escolar que tenha virado obra-prima literária – nem as que escreviam Clarice Lispector, Machado de Assis ou Guimarães Rosa...
Só imagino – e imaginem vocês também, por favor... - a dificuldade que deve ser para os Los Hermanos se saírem com um disco novo no meio desse furacão todo. E nós, fãs impiedosos, fazendo coro com a gravadora e com a mídia, ficávamos reclamando interminavelmente com eles porque estão demorando demais, como se fosse a coisa mais simples do mundo compor um disco novo. E agora ficamos ralhando, horrorizados, como se fosse um crime eles pedirem por um período de férias, sem a mínima noção desses martírios todos pelos quais eles podem estar passando...
Quem já se meteu a sentar para compor uma música – uma mísera musiquinha! - sabe bem o tamanho da dificuldade e o quanto é difícil criar qualquer coisa que preste. Imaginem um disco inteiro! E quando nossos artistas prediletos, cansados de tentar criar beleza, cansados talvez de seus próprios esforços e seus fracassos, cansados talvez de se sentirem decepcionados com o que acabam produzindo, pedem por um tempo de descanso, vem uma avalanche de reclamações... Temos é que ter dó dos caras! Ser artista é duro, povo! Duro pra caramba! =D
Os Los Hermanos, aliás, já têm um histórico de atrito e de angústia vinculada a toda essa situação de: 1) estar submisso a uma gravadora que só pensa em cifras e exige sempre algo minimamente comecializável (O Bloco do Eu Sozinho, como sabem os fãs, deu muito problema para ser lançado); 2) ter fãs chatos, histéricos e nada compreensivos, que ficam, por exemplo, exigindo certos hits em todos os shows (tantas vezes, e por tantos anos, eles se recusaram a tocar “Ana Júlia” ao vivo...); 3) a turbulenta relação com a fração da mídia, infelizmente majoritária, que é estúpida, ignorante e faz as perguntas mais clichê ou mais descabidas (ficaram clássicas certas “bolas-fora” da imprensa no trato com os Hermanos, e a correspondente “grosseria” com que os membros da banda começaram a tratar essa raça de desgraçados que são os jornalistas).
Portanto, é bom ter tudo isso em mente pra entender esse triste episódio que é o suposto “fim”, mesmo que provisório, dos Hermanos. Não sei – ninguém sabe, por enquanto... - quais foram as razões que levaram os caras a se declararem cansados de tudo e chamando por férias por tempo indeterminado. Não sei se houve choque com a gravadora, “diferenças artísticas” internas, dificuldades de convivência entre os membros da banda, cansaço em relação à toda a máquina da mídia e a todo o coro (que deve às vezes soar infernal) dos fãs histéricos, mas... Quer saber? Eu entendo perfeitamente os Los Hermanos. Imagino e compreendo o sufoco que devem sentir – eles e quaisquer outras bandas que estejam dentro da engrenagem capitalista da indústria fonográfica. Entendo que eles estejam de saco-cheio e querendo paz. Entendo que eles queiram férias, sem ter que ficar dando muita razão pra isso. Vocês por acaso pensam que trabalho de artista é fácil e tranquilo, pura diversão? É muita ilusão...
Entendo perfeitamente que os Hermanos queiram sair um pouco de baixo dos holofotes, ter amortecida tanta pressão, experimentar de novo um pouco do gostinho do anonimato... No lugar deles, eu provavelmente me sentiria parecido. Amarante e Camelo, sendo artistas genuínos e seres humanos sensíveis, como sei que são, nunca se aliariam ou se submeteriam de bom-grado a um “esquemão” que, no fundo, é tão criminoso contra a arte. Porque foi toda essa máquina esmagadora composta por fãs histéricos aos milhares + gravadora sedenta por lucros + mídia otária e sensacionalista que sufocou Kurt Cobain a ponto dele ir procurar refúgio primeiro na heroína e depois na morte. Foi toda essa engrenagem nojenta que fez explodirem movimentos de revolta dentro do rock – e que deu, por exemplo, naquilo que eu gosto de chamar de a Ideologia Fugazi (e salve o grande Ian MacKaye!).
O anúncio do “recesso” (e do provável “fim”) dos Los Hermanos não foi pra mim uma surpresa, nem um choque, nem um escândalo – e só mesmo quem não acompanhou o percurso da banda e quem não conhece os seres humanos que estão ali dentro pode ficar tão chocado com uma decisão assim tão coerente e tão compreensível. Qualquer artista sensível e brilhante tem necessariamente que se sentir angustiado ao estar numa situação dessas. Pra mim, não tem nada de absurdo nesse “grito de revolta”, nesse “basta!” que eles estão dando a toda essa aporrinhante pressão que “o Sistema” e nós fãs colocamos sobre os ombros deles até que eles mal pudessem respirar... Um pouco de compaixão pelos nossos ídolos não faz mal a ninguém. E todos nós sabemos o quanto é chato exigir demais de alguém, e ficar pressionando, e ficar cutucando, e ficar dizendo vai logo, vai logo... Minha teoria, talvez mirabolante e sem nada a ver com a realidade, é que os os Hermanos estão simplesmente batendo o pau na mesa e gritando: “Porra, gente, todos vocês, seus malditos, fãs, gravadora e mídia: sosseguem a merda do facho aê que assim não dá pra criar!!!”
Não foi surpresa, também, porque o 4 já me soava como um disco de uma banda que já não era a mesma dos golden years, ainda mais quando o comparávamos com seu antecessor, o grande grande Ventura. Que me entendam bem: acho o 4 um belo disco, bastante original e diferente, uma mini-revolução sônica, um obra-de-arte como poucas na história do rock nacional... Mas nele as coisas já soavam bastante heterogêneas e um tanto contraditórias, com as composições do Amarante e do Camelo parecendo mais músicas-solo de cada um deles do que um verdadeiro esforço de grupo. O que há de contribuição de Amarante a músicas como “Fez-se Mar”, “Pois É” e “Sapato Novo”? Dariam muito bem prum disco solo de Marcelo Camelo. E o que há de Camelo em “Os Pássaros” ou “Paquetá”, que parecem criações 95% amarantianas?
Por isso minha tese é de que até o Ventura os Los Hermanos foram de verdade um time unido, uma banda coesa, homogênea e compacta. A partir do 4 já começou a surgir a suspeita de que os 2 compositores principais já estavam meio que tomando rotas diferentes e estavam usando o resto da banda para fazer acompanhamento de músicas-solo. Tipo no White Album dos Beatles – que apesar de ser um discaço, é mais um conjunto de músicas-solo de Lennon, Macca e George com os Beatles servindo de banda de apoio (e que banda de apoio, meu!). Quem viu vários shows dos Hermanos acaba notando que em certas músicas do Amarante, o Camelo não faz quase nada, e vice-versa – dá até dó do cara ali no palco, quando não é dele a “música da vez”, sem saber direito o que fazer.
Sem falar que as sonoridades arrastadas, os climas melancólicos, dentro da discografia de uma banda que sempre primou por uma grande vitalidade, davam a impressão de que os Los Hermanos que fizeram 4 já eram uma banda cansada. Ultra-talentosa, sim, mas cansada. Mais ou menos do modo como parecem cansados o Kurt Cobain ou o Layne Stanley nos Unpluggeds MTV do Nirvana e do Alice In Chains. E, convenhamos, essa vida de rock star contratado por uma grande empresa, tendo que fazer centenas de shows, dar mil entrevistas e ainda ter tempo para ser um gênio é pra lá de cansativa...
Os Hermanos precisam de uma sesta. Por mim tudo bem. I don't blame them.
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Sempre fui de opinião que banda é um troço que precisa saber acabar na hora certa – antes de encher o saco, perder a relevância ou se transformar em cover de si mesma. O artista tem que saber escolher a hora certa de se calar – para não dizer o que não precisa e acabar numa tagarelice vã, que não acrescenta nada e que só “suja” a reputação que ele criou no passado.
Acho que o artista precisa ter Semancol pra notar se ainda está em plena forma e vai continuar produzindo algo de relevante, ou se só está seguindo por inércia, cedendo a pressões externas, criando só porque a gravadora quer, a mídia pede e os fãs exigem... Criar só por criar, só pra aumentar a quantidade de álbuns na discografia, não tem sentido. E tem muita banda por aí que se arrasta nesse esquema – quando não é só por causa da grana...
Eu sinceramente não sinto muita tristeza quando minhas bandas queridas anunciam que estão parando suas atividades. Ano passado, quando acabou o Sleater-Kinney, umas das 5 bandas que eu mais amo, achei que elas fizeram muito bem de parar assim no auge e depois de um álbum tão fodido de bom quanto o The Woods. Teria chorado às cataratas se anunciassem que a Corin Tucker tinha morrido, isso sim – mas o fim do Sleater-Kinney foi pra mim mais como um “ufa! Elas acabaram e agora não há nenhuma chance de um disco ruim vir sujar uma discografia PERFEITA!”
Sou daqueles que agradece por certas bandas terem acabado logo – se o Nirvana, por exemplo, tivesse durado uns 20 anos, será que não teria estragado? Fico imaginando se Kurt Cobain, com 50 anos de idade, com os primeiros cabelo brancos já tomando a cuca, tocando “Smells Like Teen Spirit” com uma voz que estaria certamente horrorosamente fudida, não seria um espetáculo completamente constrangedor...
Eu sou daqueles que preferiria que o Clash tivesse acabado depois do London Calling (que me perdoem os fãs do Sandinista! e do Combat Rock, mas eu não eu curto muita coisa do Clash nos 80, apesar de adorar de paixão TUDO do Clash nos 70...). Sou daqueles que acha que o AC/DC devia ter parado antes do meio dos anos 80, que o último álbum dos Stones devia ter sido o Exile On Main Street, que o Black Sabbath podia ter pendurado a chuteira depois de Heaven and Hell e que os Ramones seriam menos zoados por aí se tivessem tirado férias em boa parte da década onde cometeram tantos álbuns medíocres e desnecessários (Animal Boy, Halfway To Sanity e demais bombas oitentistas).
Banda tem que acabar. Quando a relação das pessoas começa a deteriorar e estagnar, quando o prazer de estar junto e de tocar junto sumiu, quando a criatividade não está mais em alta, convêm mesmo parar e admitir: por hora, já deu o que tinha que dar. Bandas que souberam se desfazer no momento certo entraram pra história sem máculas, antes de terem cometido erros e feito merdas demais. Tipo os Pixies, os Sex Pistols, os Replacements, o Nirvana e o Sleater-Kinney. Acho que os Los Hermanos podem ser incluídos nessa lista de bandas sábias o bastante para pararem na hora ideal.
Não custa dizer que o número de anos que uma banda existe não quer dizer muita coisa em termos de relevância histórica ou do impacto gerado sobre o mundo do pop. Os Sex Pistols viveram por menos de 2 anos e marcaram pra sempre a história do rock and roll e, em geral, da “contracultura” nos anos 70. O Nirvana durou só de 89 a 94 e hoje em dia é considerada tranquilamente uma das bandas mais importantes, cruciais e influentes dos últimos 25 anos. E não custa lembrar que os Beatles só precisaram de OITO ANOS, de 62 a 70, para fazer tudo o que fizeram – e não preciso nem dizer que não foi coisa pouca. E não custa também, mais uma vez, enumerar o número de músicos e compositores que, mesmo tendo morrido antes dos 30, construíram obras imortais: Janis, Hendrix, Jim Morrison, Ian Curtis e Kurt Cobain morreram todos antes de entrar na casa dos 30.
Talvez a condição para realizar algo de fuderosamente bom no rock and roll seja justamente saber que o ímpeto criador é efêmero, como tudo, que a química entre as pessoas arrefece, que a juventude só está aí por um tempo, e que é preciso ter pressa e urgência... Todos que criam com intensidade acabam se gastando mais rápido – mas brilhando mais bonito... Neil Young disse a frase lapidar, perfeita e irretocável sobre o assunto, que até Cobain citou em sua carta de suicídio: “It's better to burn out than to fade away.” Concordo plenamente.
Então os Los Hermanos, pelo jeito, acabaram – ou pelo menos vão tirar férias prolongadas. É mesmo toda essa tragédia? Por um lado é: sem Los Hermanos, fica um imenso vácuo criativo no mainstream nacional, com tão poucas bandas merecedoras de atenção por aí, só restando mesmo salvação no underground, onde existem ainda coisa muito boas - como Wado, Eddie, Walverdes, Bidê Ou Balde, Cachorro Grande, Autoramas, Moptop, Bluebell, Luxúria, entre outros. Mas, por outro lado, tem seus pontos positivos. Concordo plenamente que eles encerram carreira, mesmo que provisoriamente, com muita dignidade – muita mesmo.
Os Hermanos são uma banda consciente demais do legado artístico que estão deixando para “sujar” sua discografia com um disco medíocre ou decepcionante. Talvez seja um favor que eles estão no fazendo ao nos poupar de uma possível decepção com o próximo disco – só eles sabem se o que eles vinham compondo prestava ou não e se estava de fato à altura do que já produziram... E eu confesso que estava com um certo medo do sucessor do 4 – disco, aliás, que eu achei, nas primeiras ouvidas, um tanto difícil e decepcionante, e que eu fui aprendendo a entender, curtir e admirar só aos poucos. O problema é ter um clássico lá atrás e sentir-se incapaz de superá-lo... O problema dos Los Hermanos era que tinham deixado no passado o Ventura, do mesmo modo que o Radiohead, coitado, nunca vai – nem eles nem ninguém! - criar algo à altura do Ok Computer.
A lacônica “nota de despedida” que a banda nos entregou não explica quase nada e deixa qualquer fã endoidecendo de curiosidade para saber de todas as “intrigas de bastidores” que estão por trás desse “recesso” com cheiro de morte dos Los Hermanos. Pelo menos ela nos garante que a amizade entre eles não saiu trincada e que eles continuam se juntando para um truquinho todas as semanas – e isso é bom. Nada impede que, daqui uns anos, role um glorioso reunion, cheio de confete, fogos de artifício e fãs deliciados, pra ficar na História – como foi com os Mutantes, que nesse 2007 voltaram, depois duns 30 anos separados, e fizeram um show de marcar época no aniversário de São Paulo, para mais de 50 mil pessoas, empolgando a todos nós que nos amontoamos ali na Praça da Independência para tal ocasião histórica.
Gosto de me imaginar com uns 45 anos de idade indo com meus filhinhos – de foguete, naturalmente, já que será 2030 e o Mundo Jetsons já terá tido tempo de se instalar entre nós... - para ver a Reunião dos Hermanos no Estádio do Morumbi – obviamente com gente saindo pelo ladrão. A filharada certamente não vai entender o que o paizão via naqueles velhos barbudos e vão caçoar do velho ao vê-lo chorar torrencialmente frente a uma banda que eles vão considerar como um troço de outra era...
E, se é pra brincar de Nostradamus, faço minhas profecias sobre o futuro próximo dos Hermanos: Marcelo Camelo vai provavelmente encarnar de vez sua persona Chico Buarque/Dorival Caymmi e vai se sentar no banquinho com um violão no colo pra cantar doce algumas lindas canções que vão deixá-lo marcado definitivamente na história da MPB. Daqui uns anos, provavelmente lança uns livrinhos de poesias (cujas “noites de autográfo” serão luais à beira-mar, com Camelo de chinelo de dedo e camisa havaiana). Depois faz uns filhos, a quem ensina violão, composição, poesia e todos aqueles acordes difíceis que aprendeu esses anos todos – teremos uma dinastia dos Camelo parecida com as do Buarque de Hollanda, podem escrever. Depois ele se aposenta e vive à la Vinícius de Moraes, na gandaia, só observando as garotas cariocas passando de biquini à beira da praia e arranhando um violãozinho de noite, só pros amigos...
Já o que vai ser do Amarante é mais difícil de imaginar e de prever, mas é quase certeza que ele é um cara mais “de banda” - talvez comece um projeto paralelo com músicos do underground, misturando poesia, teatro, malabarismos e contorsões corporais, tudo meio doidão e experimental – a crítica vai adorar e o grande público não vai entender. Vai provavelmente assinar alguns filmes, cuja trilha sonora também vai assumir, e ser um cineasta underground semi-cultuado. Também vai publicar uns livros, que doutores em letras analisarão em teses enormes... De resto, vai viver sussa, porque sussa sempre foi.
Guardemos nossas lágrimas! Os Hermanos só merecem nossa alegria e nossa admiração, só merecem que continuemos no nosso culto – e nosso choro não os fará reclinar... Pois faz tempo que eles avisam que todo carnaval tem seu fim, que a vida é mesmo passageira e que a estrela, cedo ou tarde, ia acabar por cair. Mas também diziam que a estrada vai além do que se vê e que o esquema é deixar o amanhã pra gente sorrir. E sorrir com esse passado lindo que eles criaram e que nos deixaram, com esse passado que condensaram em quatro discos passados que não passaram nem vão passar, com esse passado que vai fazer parte, por tanto tempo, do nosso presente e do nosso futuro...
(Dia 8 e 9 de Junho, pois, não me chamem pra nada que já tenho compromisso: duas festas de despedida dos Los Hermanos, que fã nenhum pode se dar ao luxo de perder - pra mim, seria como ser adolescente nos anos 60 e perder Woodstock. Eu tenho que estar lá. E não é novidade me mandar pro Rio de Janeiro só pra ver show: já fiz isso anos atrás pra ver White Stripes, The Rapture e Super Furry Animals na primeira edição do TIM FESTIVAL – e valeu muito a pena. Estou desde já à procura de mais 4 almas empolgadas que queiram rachar o álcool pr'um road movie trash a ser rodado em super 8 no comecinho de Junho: Jornada ao Funeral Alegre dos Los Hermanos. Bóra? =)
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